quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Há quem se resigne e há quem se revolte

Os retrocessos civilizacionais que colocam em causa os direitos sociais e abalam os alicerces das sociedades desenvolvidas e o estado de direito eram, até há bem pouco tempo, preocupação verbalizada apenas por sindicalistas e militantes comunistas. O que eram preocupações, resultantes de sinais que alguns teimaram em não querer ver, são hoje a dura realidade para milhões e milhões de cidadãos da União Europeia e dos Estados Unidos, já o eram para muitos e muitos outros milhões em África, na América do Sul e na Ásia.
O desemprego, a perda de rendimento, a pobreza e a exclusão, a precariedade e o espetro da recessão económica para onde o liberalismo económico selvagem nos conduziu estão a vulgarizar a contestação e a adesão a teses dadas como mortas e enterradas.
Num olhar atento sobre os manifestos e as reivindicações que se estão a generalizar nas praças e ruas das cidades europeias e estado-unidenses, dos estudantes no Chile, à geração à rasca, ou aos manifestantes da Liberty Square, há um traço comum de exigência do direito ao trabalho e do fim da ditadura financeira.
Tenho consciência que estes movimentos sociais são, por vezes, inconsequentes por não lhes estar associado um projeto político transformador. Sim! Um projeto político revolucionário. Mas, não tenho dúvidas que estes movimentos sociais podem potenciar a rutura e a emergência de transformações importantes que invertam este ciclo de sucessivas ofensivas contra as conquistas civilizacionais que marcaram o século XX.
O que há bem pouco tempo atrás era dado como um adquirido inquestionável está hoje posto em causa e já nada é o que julgamos ser.
Há quem trabalhe 12 h por dia e não seja retribuído pelo seu trabalho, há quem seja carpinteiro e trabalhe como vigia de estaleiro de construção civil, há quem seja economista e trabalhe como caixa de agência bancária, há quem julgue, que tem provimento definitivo e não passe de um trabalhador com contrato a tempo indeterminado, há quem se resigne e há quem se revolte.
A resignação fica-se pelo ativismo de sofá e pelo voto alternante dos partidos do centrão e do seu apêndice, a revolta sai à rua. Sai à rua e luta na defesa do adquirido histórico e social engrossando as fileiras de quem nunca desistiu e sempre lutou.
A resignação aceita de forma pacífica a ideia de que “o Estado está a gastar acima das suas possibilidades”, a revolta diz que o Estado gastou onde não devia ao encaminhar para o setor privado avultados fundos públicos.
A resignação aceita a ideia do emagrecimento do Estado, a revolta quer que o Estado assuma as suas responsabilidades constitucionais e acabe com as gorduras periféricas (parcerias público privadas, fundações, institutos, salários milionários dos gestores públicos, etc.).
A resignação aceita a inevitabilidade da austeridade sob a forma da desvalorização do trabalho e dos trabalhadores, a revolta diz que é necessário retirar poder aos grupos financeiros, taxar as grandes fortunas e as operações financeiras que não acrescentam valor às economias.
Horta, 10 de outubro de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 12 de outubro de 2011, Angra do Heroísmo 

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