quarta-feira, 25 de maio de 2016

Dinheiros públicos negócios privados

Foto - Aníbal C. Pires 
Eu escolho, eu pago, Ponto. Qual é a dúvida. O país está a assistir estupefacto à histeria de algumas centenas de cidadãos que se indignaram com o fim de alguns contratos de associação com escolas/colégios privados. Já todos percebemos que a atividade educativa privada que não é supletiva da Escola Pública deve subsistir enquanto atividade privada e como tal sujeita às leis do mercado, da oferta e da procura.
Importa, contudo, perceber como se chegou até aqui, ou seja, como é que existindo oferta pública de sobra, o Estado, nós portanto, encaminhasse avultados financiamentos para as escolas do setor particular e cooperativo, vulgo ensino privado.
A continuada desresponsabilização do Estado ao não aumentar a rede pública de ensino e o encerramento de milhares de escolas, estas opções não aconteceram por acaso, criou a necessidade de recorrer aos contratos de associação com Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, assumindo estes um carácter complementar de garantia do direito à educação onde não existia resposta pública.
O desrespeito pelo quadro legal que define inequivocamente o carácter complementar do ensino privado, relativamente ao ensino público, desviou alunos da Escola Pública para os colégios privados, e criou expectativas nos trabalhadores, alunos e pais, relativamente à continuidade do ensino privado financiado pelo Estado, que este não pode, nem deve assumir.
O aumento da capacidade de resposta da Escola Pública deve-se em grande medida a razões demográficas que levaram a uma diminuição do número de alunos em cerca de 20%, redução que serviu de justificação para que o governo PSD/CDS concretizasse o maior despedimento coletivo de professores verificado no País, no ensino público, cerca de 28.000 em quatro anos.

Foto - Aníbal C. Pires
A existência de escolas privadas não está posta em causa, os seus acionistas mantêm o direito de as constituir e não está impedida a possibilidade de os cidadãos, que por elas queiram optar, o possam fazer pagando os respetivos custos, o que não deve acontecer é essas escolas e os grupos económicos que as controlam serem subsidiados pelo erário público tendo como consequência o desinvestimento, degradação e constrangimento da rede pública. Já em 2011, um estudo encomendado pelo Ministério da Educação à Universidade de Coimbra sobre a rede escolar, confirmou que a grande maioria dos alunos em turmas com contratos de associação, financiadas pelo Estado, podiam ser acolhidos nas escolas públicas das respetivas regiões.
Ao Estado, de acordo com o texto constitucional, incumbe garantir o acesso à educação e o instrumento para o concretizar é a Escola Pública universal, de qualidade e gratuita em todo o ensino obrigatório, independentemente das condições económicas e sociais de cada um. Objetivo que exige um investimento adequado na rede pública e nas condições de funcionamento da Escola Pública que permitam a melhoria do processo ensino e aprendizagem.
A campanha de intoxicação da opinião pública sobre a falácia da liberdade de escolha na educação dos filhos deixa de fora variáveis importantes. Vejamos, só é possível escolher livre e conscientemente se estiverem reunidas algumas condições que, a meu ver, estão longe de serem alcançadas, Primeira, que todos os pais e encarregados de educação estejam em pé de igualdade para poderem fazer a sua livre escolha, Segunda, que às diferentes instituições, públicas e privadas, sejam conferidas as mesmas condições para que possam ser objeto de escolha num plano de igualdade.
No nosso país as condições sociais, económicas e culturais dos pais e encarregados de educação não garantem sequer a escolha, por conseguinte, esta situação só pode ter como resultado acentuar, ainda mais, as diferenças e a negação do direito à igualdade de oportunidades, por outro lado o desinvestimento de que tem sido alvo o ensino público e os apoios concedidos ao ensino privado deixam de lado qualquer hipótese de igualdade para que a escolha da escola, pública ou privada, possa ser livre. Falar em liberdade de escolha na educação dos filhos e educandos quando a escolha só está ao alcance de alguns é, no mínimo, intelectualmente desonesto.
Angra do Heroísmo, 23 de Maio de 2016

Aníbal C. Pires, In Diário Insular e Açores 9, 24 de Maio de 2016

1 comentário:

José Azevedo disse...

E qual é a situação nos Açores, sabe? Com tantos colégios privados, temos nós aqui também contratos de associação? Ou as benesses do governo terminaram nos apoios à construção com fundos comunitários?