quarta-feira, 15 de junho de 2022

Decisões externas. Uma afronta à autonomia.

foto by Aníbal C. Pires

O Plano de Reestruturação do Grupo SATA chegou. Conheço apenas alguns contornos do plano que a Comissão Europeia, órgão sem legitimidade democrática, impõe à SATA, à Região e ao País, a troco da autorização de uma ajuda financeira de Estado. As reações não se fizeram esperar, por um lado os orgásmicos festejos liberais, não apenas da iniciativa, mas de todos os fiéis dos “Chicago boys”, estejam eles no PS, no PSD ou no CDS. Ao coro orgásmico juntaram-se, ainda os editorialistas e outros acólitos do neoliberalismo que pululam nas redações dos órgãos de comunicação social regional e nacional. Oh meu deus que bom, finalmente a iniciativa privada vai poder tomar de assalto mais esta empresa pública, como aconteceu com o BCA, os CTT, a ANA e um sem número de outras, com os resultados conhecidos. Mas, por outro lado, há também reações de preocupação quanto ao futuro dos transportes aéreos na e para a Região. Há quem se inquiete com o futuro da SATA se a reestruturação vier a ser concretizada nos moldes em que foi anunciada.

Os transportes aéreos são um poderoso e estratégico instrumento para o desenvolvimento dos Açores. Somos uma região insular, arquipelágica, distante dos centros de decisão, com uma reduzida dimensão populacional e territorial, diferentes da Madeira e, substantivamente diferentes das Canárias. Na região atlântica da Macaronésia assemelhamo-nos, quando muito, a Cabo Verde, veja-se o que aconteceu com o desmantelamento dos TACV e percebe-se que os cabo-verdianos e Cabo Verde em nada beneficiaram com o processo de reestruturação dos TACV.

imagem retirada da internet
A opinião pública regional foi sendo bombardeada com a ideia de que o Grupo SATA era (é) um imenso sorvedouro de dinheiros públicos, em particular a SATA Internacional, atualmente Azores Airlines, o que contribui para que as teses da liberalização e da privatização sejam genericamente aceites como boas. Mas será que é assim!? Sempre assim foi!? Sempre assim será!?

Não, nem sempre assim foi. Não é bem assim. E, não tem de ser assim. Até 2012 a situação financeira do Grupo SATA era estável e apresentava resultados positivos, em particular devido à atividade comercial da então SATA Internacional. A partir de 2012 e por obra e graça dos desmandos do Governo Regional do PS, quer pela imposição de rotas para garantir a sobrevivência da hotelaria e do turismo na Região, serviço da qual o Grupo SATA não foi ressarcido, quer pela alteração da estratégia comercial imposta à SATA Internacional/Azores Airlines, quer pelos efeitos da crise global, quer pelos devaneios e indecisões da renovação da frota. Ou seja, o Grupo SATA, e em particular a Azores Airlines entrou num período de défice de exploração, ainda que se deva à Azores Airlines a garantia de cash flow para suportar os encargos financeiros quotidianos do Grupo SATA. Ainda antes do período da pandemia era visível que o maior problema do Grupo SATA decorria dos encargos com a dívida. Dívida provocada por uma gestão leviana de sucessivas administrações, mas sobretudo pelas opções comerciais impostas pelos Governos Regionais que, como é do domínio público, contribuíram para a atual situação que se agravou com o lockdown provocado pela pandemia.

foto by Aníbal C. Pires

Os últimos Governos do PS deixaram pesada herança à Região e perceberam, já no final do último, mandato que o Grupo SATA tinha de ser reabilitado para poder cumprir o seu desiderato no contexto dos desígnios autonómicos. A nomeação de um novo Conselho de Administração, no final de 2019, e a alteração no relacionamento do representante do acionista (Governo Regional) com a nova administração comprova-o, ainda que passados 3 meses após a posse do Conselho de Administração os efeitos da pandemia se tivessem feito sentir. A manutenção, pelo atual Governo Regional, do Conselho de Administração do Grupo SATA foi, sem dúvida, uma excelente opção e o trabalho empresarial do Grupo tem vindo, como é público, a apresentar indicadores positivos. Subsiste, contudo, o problema: a dívida e os encargos que lhe estão associados.

Que o Grupo SATA necessita de uma injeção de capital, que o processo de reestruturação do Grupo SATA, encetado pelo atual Conselho de Administração, necessita de ser aprofundado e aperfeiçoado, são evidências. Que a Comissão Europeia imponha, a partir dos lúgubres gabinetes de Bruxelas, um Plano de Reestruturação, sem ter em devida conta as especificidades e necessidades da Região e desta pequena e periférica economia, não é aceitável.

Não deixa de ser paradoxal que a maioria dos indefetíveis do neoliberalismo e das virtualidades do mercado livre, a viverem o ambiente orgásmico com o Plano de Reestruturação do Grupo SATA, sejam, supostamente, os mais acérrimos defensores da autonomia regional e do seu aprofundamento, propondo alterações à Constituição, ao Estatuto, à Lei Eleitoral e ao que mais der jeito para justificar os fracassos da governação autonómica, aceitem, sem objeções, que um organismo externo, sem legitimidade democrática, diga aos açorianos como devem gerir o seu destino. Os limites autonómicos há muito que deixaram de ser traçados em Lisboa e passaram a ser delineados em Bruxelas. Quer se queira quer não, e, não há CEVERA que nos valha.

Ponta Delgada, 14 de junho de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 15 de junho de 2022

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