quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

contra a "Sorte de Varas" nos Açores - Manifesto


Texto base de apresentação do Manifesto realizada hoje, pelas 15h30mn, no espaço "LAR DOCE LIVRO", em Angra do Heroísmo 


Apresentação do Manifesto Contra a Legalização da Sorte de Varas nos Açores

Lar Doce Livro – 15h30mn

Angra do Heroísmo, 6 de fevereiro de 2025


Boa tarde,

Quero, em meu nome, mas também em representação de todos os subscritores do “Manifesto Contra a Legalização da Sorte de Varas nos Açores” agradecer a presença da comunicação social e de alguns cidadãos que nos acompanham nesta iniciativa. Bem hajam pela Vossa presença.

Antes de vos ler o “manifesto” sinto que devo tecer algumas considerações sobre alguns contornos desta iniciativa, bem assim como relembrar dois ou três episódios históricos relacionados com as diferentes tentativas que certos atores políticos e grupos cidadãos levaram a cabo para legalizar a “Sorte de Varas” nos Açores, e digo Açores embora os promotores remetam as tentativas para uma circunscrição geográfica onde a cultura tauromáquica tem expressão, ou seja, a ilha Terceira, não tanto as clássicas corridas de praça, mas a apropriação popular que se manifesta nas chamadas “touradas à corda”.

A iniciativa surgiu de forma espontânea e não tem ligação com nenhuma organização, aliás como aconteceu em janeiro de 2015, é inteiramente livre de qualquer outro interesse que não seja a defesa dos Açores.  Os subscritores do “manifesto” fazem-no de forma individual e são uma representação da diversidade social, cultural, política, económica e geográfica açoriana, sendo que muitos dos subscritores são aficionados, o que diz bem da abrangência, mas também da unidade sobre uma questão que se viesse a verificar-se prejudicaria toda a Região, desde logo a ilha Terceira.

Julgo que terá ficado mais ou menos claro, contudo quero reforçar a ideia de que este manifesto não é contra as touradas de praça nem contra as touradas à corda, o manifesto é tão-somente contra qualquer tentativa, venha ela de onde vier, de legalização da “Sorte de Varas” nos Açores.

A nossa presença aqui não significa que tenhamos qualquer estrutura orgânica ou apoios de qualquer espécie. Estamos nós como poderiam estar outros cidadãos e o nosso papel tem sido, apenas, fazer contatos e listar os subscritores e, agora, apresentar o manifesto publicamente. Não terminaremos por aqui, vamos continuar a aceitar subscritores e, sobretudo, vamos manter-nos alerta.

Quanto à prometida resenha histórica deixo-vos então alguns dados e datas.

2002 – Acórdão do Tribunal Constitucional sobre o Decreto Legislativo Regional nº 32/2002, sobre "Adaptação à Região da Lei nº 92/95, de 12 de setembro, alterada pela Lei nº 19/2002, de 31 de Julho". Esta foi a primeira a tentativa, declarada inconstitucional, de legalizar a Sorte Varas. No acórdão pode ler-se, de entre outros motivos, o seguinte:

E cito.

(…) Também não está demonstrada, objectivamente, a existência de uma tradição arreigada, através de uma prática prolongada e ininterrupta. Com efeito, o legislador regional invoca "cinco séculos de história de relação dos açorianos com os touros" e a ancestralidade das festas Sanjoaninas mas apenas estima em doze anos o período pelo qual se têm vindo a realizar ininterruptamente touradas com "sorte de varas". (…)

Fim de citação.

Ou ainda, e cito.

(…) Não se elevando a prática da "sorte de varas" na Região Autónoma dos Açores a este patamar de antiguidade e de continuidade, como, aliás, é reconhecido pelo legislador regional, não se pode invocar uma especial configuração daquela matéria na Região.

Por todas estas razões, mesmo que se entenda que não está excluído a priori, pela própria natureza e pelos fins da proibição geral ancorada na protecção dos animais, o tratamento normativo desta matéria por uma Região Autónoma, não se pode concluir que haja uma configuração especial que justifique que a proibição de tais práticas se paute, na Região Autónoma dos Açores, por critérios diversos dos que valem para o todo nacional. (…)

Fim de citação.

Ou seja, existem razões do foro constitucional que não se prendem inteiramente com as competências autonómicas e justificaram a declaração de inconstitucionalidade em 2002.

2009 – foi apresentada à ALRAA uma proposta de DLR que visava a legalização da “Sorte de Varas”. A proposta foi subscrita por deputados de diferentes bancadas e foi dada liberdade de voto. A proposta veio a ser derrotada após um longo e disputado debate parlamentar por uma margem de dois votos, 26 a favor e 28 contra, registaram-se ainda 2 abstenções.

2015 – Correram rumores nos corredores da ALRAA que alguns deputados estavam a preparar, à margem dos seus próprios partidos, uma iniciativa parlamentar que visava a legalização da “Sorte de Varas”, disto foi dado conta numa publicação num blogue e a partir daí deu-se início à mobilização popular que subscreveu um manifesto no qual este se inspira e que foi suficiente para que a intenção, não tivesse passado disso mesmo, uma intenção que se esfumou nos passos perdidos do parlamento regional.

2025 – a situação é conhecida e esta e outras movimentações cidadãs surgiram com natural espontaneidade. Primeiro uma petição que já conta com mais de 2000 peticionários e que muitos dos subscritores do “manifesto” que aqui apresentamos também assinaram e, passados alguns dias teve início a redação e os contatos para a recolha de subscrições para este manifesto. O “manifesto e a “petição” não competem entre si, complementam-se e têm alcances diferentes.

Passarei agora à leitura do “Manifesto” ficando disponíveis para no final responder às questões que nos quiserem colocar.


“MANIFESTO CONTRA A LEGALIZAÇÃO DA SORTE DE VARAS NOS AÇORES

Somos todos Açores e qualquer prática legalizada numa das nossas ilhas implicará a Região no seu todo. Ora, as recentes notícias vindas a público fazem-nos temer que esteja a ser construída uma iniciativa parlamentar, a apresentar à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), que visa, uma vez mais, a legalização da chamada “Sorte de Varas”, ou “Tourada Picada”, na ilha Terceira (o que significa, naturalmente, verter para os Açores o ónus dessa prática que nada tem a ver com a cultura ou tradição açoriana).  

Os cidadãos açorianos já iniciaram um forte movimento de contestação para uma vez mais impedir que se legalize uma prática cruel que, como já referimos, é estranha à ilha Terceira e aos Açores. Muitas são as vozes, de todos os quadrantes da sociedade, mesmo entre os aficionados, que se têm posicionado contra esta prática de crueldade extrema para com o touro, proibida em todo o país e que não se reveste, nas nossas ilhas, de qualquer caráter cultural, tradicional ou identitário. Acrescente-se que, a verificar-se, se trataria da quarta tentativa de legalização desta variante tauromáquica, tendo sido rejeitada, na ALRAA em 2009 por parcos dois votos.

Somos todos Açores e, numa altura de forte aposta no Turismo Sustentável, no Turismo de Natureza, assente sobretudo no respeito ambiental e na estreita e harmoniosa ligação do Homem com a Terra e com o Mar, não consideramos compreensível esta pretensão, que remete para uma forma de sofrimento animal que não é admissível nos dias que correm, e que mancharia, cá dentro e para quem nos visita, a imagem dos Açores – abrindo, além do mais, gravíssimas fendas na sociedade açoriana, que se quer coesa e unida. 

Somos todos Açores. Estas nove ilhas do verde e das águas límpidas, das belezas naturais e da comunhão com a Natureza, não merecem isto. Não merecem ficar conotados com uma nova forma de crueldade animal. Não merecem a mancha social e política que a legalização de uma prática deste teor traria para todo o arquipélago.

Porque somos todos Açores, e independentemente de a suposta iniciativa parlamentar chegar ou não à Assembleia Legislativa Da Região Autónoma dos Açores, manifestamo-nos CONTRA a legalização da Sorte de Varas nos Açores.”


Obrigado pela vossa presença e, tal com já foi dito, estamos disponíveis para as questões que nos quiserem colocar.


Angra do Heroísmo, 6 de fevereiro de 2025.