Estamos em plena estação ridícula ou, preferindo, a silly season. Esta é a época do ano assim chamada, nas corporações mediáticas, por ser de baixa intensidade informativa e pelos critérios jornalísticos ou as linhas editoriais, baixarem a guarda e noticiarem as frivolidades da época. Bem! Atualmente e escalpelizando o conceito pode, sem perigo de errar, utilizar-se para qualquer época do ano, quiçá mais uma vantagem da pós-verdade, dirão os globalistas. Eu não direi mais que lamento desiludir os leitores. Tenho por hábito, nos meses de Verão, aligeirar estes escritos para não perturbar as merecidas férias ou, não sendo o caso, deixar que a tranquilidade dos dias luminosos de verão não seja acinzentada por temas que, apesar do estio, vão acontecendo e, direta ou indiretamente, influenciam as nossa vidas.imagem retirada da internet
As tempestades estão aí e não há como ignorá-las, aliás os efeitos já se vão sentindo na quantidade de dias do mês que sobram ao salário, nos serviços públicos de saúde, na educação, no aumento da pobreza e da exclusão. Se todos, com maior ou menor intensidade, sentimos e conhecemos os efeitos, nem todos temos a mesma visão sobre a origem das causas e, sobretudo, do caminho que temos de trilhar para chegar a um mundo mais justo, mais cooperante e onde a paz seja a realidade que a humanidade exige.
Um destes dias ouvi e vi uma cidadã judia, nascida em 1941, perguntaram-lhe qual era o seu maior problema e a resposta foi: Gaza. Tendo depois justificado a suas preocupações em relação ao povo palestiniano e a sua incompreensão pelas ações do estado sionista.
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imagem retirada da internet |
A indiferença europeia perante esta tragédia não é nova. É estrutural. E revela uma subserviência diplomática que não se limita ao caso palestiniano. A União Europeia, que um dia sonhou ser um bloco autónomo, converteu-se num eco submisso da estratégia atlântica. Na Líbia, participou com entusiasmo na destruição de um Estado funcional, mergulhando o Mediterrâneo num caos prolongado. Na Ucrânia, alimenta a ilusão de uma vitória militar impossível, enquanto prolonga o sofrimento e bloqueia qualquer solução política. Na Palestina, ensaia frases ambíguas que não comprometem. E, na questão migratória, o seu cinismo é total: criminaliza as vítimas das guerras que ajudou a provocar e financia milícias e muros para as conter.
A continuidade do Acordo de Associação com Israel com a UE, que continua a vigorar, é sintomático da cobarde cumplicidade com o massacre que atualmente atingiu um patamar de terror que nos envergonha a todos. A UE, segundo as palavras de um antigo dirigente político europeu: é um “gigante económico, mas um anão político”; o epíteto é conhecido desde a intervenção da OTAN na Jugoslávia, em 1999, e que se tem vindo a confirmar ao longo destes últimos 30 anos. Esta proverbial frase mantém uma pungente atualidade. Veja-se o resultado do recente acordo entre a UE e os EUA. Este acordo, celebrado com pompa sob o disfarce de uma “colaboração estratégica em tecnologia e comércio”, reforça essa dependência. Bruxelas ajoelha-se perante Washington em áreas críticas como a inteligência artificial, os semicondutores, a indústria da defesa e os fluxos energéticos. Dependência que se constata, também, na aceitação de 15% de taxas sobre os produtos de exportação para os EUA, acolhida sem qualquer imposição de uma taxa recíproca para as importações dos produtos estado-unidenses. A UE, que alguns continuam a ter como modelo social, económico e político, tornou-se uma extensão da Casa Branca. A autonomia dos órgãos não eleitos da UE e das famílias políticas que dominam o Parlamento Europeu, são hoje um mito ou, pior ainda, um pretexto retórico para justificar decisões tomadas à margem dos povos e dos países membros.
Em Portugal, as tempestades globais ecoam com contornos próprios e, sendo o nosso país uma economia frágil e periférica, não é difícil prever que se avizinham tempos complexos para quem vive do seu trabalho, sejam trabalhadores por conta de outrem, sejam trabalhadores independentes, sejam os micro, pequenos e médios empresários. Mas se as decisões externas nos vão afetar, também as decisões internas, com a matriz ideológica do chamado mercado livre, contribuirão para que as condições de vida dos portugueses se agravem e aumentem as clivagens sociais.
Tendo consciência que o assunto, da forma como olho para ele, não reúne apoio generalizado não posso, contudo, deixar de o abordar neste escrito até pela decisão do Presidente da República que, como é do domínio público, pediu a fiscalização da constitucionalidade de algumas normas “Regime Jurídico de Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional”, vulgo lei dos estrangeiros, que foi recentemente aprovada na Assembleia da República. Mas não é só, as propostas de alteração à “Lei da Nacionalidade” têm suscitado fortes críticas em diversos setores da opinião pública nacional. E tudo isto se passa num país que afirma a pés juntos defender os direitos humanos, como se migrar e reagrupar as famílias não fosse um direito básico da humanidade e a aquisição da nacionalidade não fosse uma condição intrínseca à integração plena no país de acolhimento.imagem retirada da internet
Estes dois instrumentos legais visam penalizar as comunidades imigrantes que têm procurado em Portugal um lugar para melhorar as suas condições de vida, tal como se passou com centenas de milhar de portugueses que percorreram os caminhos da emigração, pelos mesmos motivos e que, também, no destino foram alvo de incompreensão e discriminação. Um país com séculos de emigração e raízes espalhadas por todos os continentes, que viu nascer comunidades luso-descendentes espalhadas pelo mundo, deveria encarar a pertença com abertura democrática e não com desconfiança administrativa, ou arma de manipulação política. A cidadania não pode ser refém de preconceitos culturais, nem de equações políticas cujas variáveis apenas servem para alimentar a imigração ilegal e expor os cidadãos às máfias que se alimentam do tráfico de seres humanos e à servidão por empresários sem escrúpulos, sejam ou não de nacionalidade portuguesa.
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Entre as frivolidades da estação, os fogos-de-artifício das campanhas de verão, e a espuma dos dias, o essencial corre o risco de se perder. Mas há verdades que persistem, mesmo sob o sol. E há silêncios que gritam. O verão não pode ser desculpa para a indiferença. Porque as tempestades não conhecem calendário. Nem têm estação própria. A indiferença é aliada do poder e do pensamento dominante. Não sejamos cúmplices, pelo silêncio e pela indiferença.
Ponta Delgada, 5 de agosto de 2025
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