quarta-feira, 23 de março de 2011

Pescas - I

As questões que se relacionam com estatuto profissional dos pescadores são, de há muito, caras ao PCP. Desde logo porque foi o PCP que esteve na origem da lei 15/97 que, pela primeira vez na história do nosso país, instituiu um regime laboral assente num contrato de trabalho, à semelhança dos restantes trabalhadores portugueses.
No entanto, este regime laboral não se generalizou, tanto quanto seria desejável, em virtude da posição assumida pelo PS ao recusar a proposta do PCP para assegurar a subsidiariedade da legislação laboral comum. Ao fazê-lo, o PS abriu a porta à manutenção de relações de trabalho ditas “tradicionais”, isto é: permitiu a manutenção do arcaico regime de exploração infelizmente bem conhecido por muitos pescadores, também na Região, sob o nome de quinhão.
Uma realidade que é tanto mais vergonhosa quanto Portugal está entre os países subscritores da Convenção 188 da Organização internacional do Trabalho sobre as condições laborais no sector da pesca!
Claro que, para além deste buraco legal, outros factores contribuem para a contínua degradação do rendimento dos pecadores, desde logo o baixo valor do pescado em lota que, não se deve à falta de escoamento do pescado antes se relaciona com o mecanismo de formação dos preços, que depende da intervenção dos compradores que, a seu bel-prazer e no seu interesse controlam a primeira venda, impondo preços muito abaixo do que seria justo; mas, também, a falta de especialização das capturas, flagrantemente clara no caso da pesca do chicharro.
É, infelizmente, o lógico resultado de anos de desmantelamento da nossa frota e redução do nosso esforço de pesca, com apoios que deveriam ter servido para a sua modernização, que entregaram e entregam a frotas extra-regionais, maiores e melhor equipadas os melhores recursos dos mares dos Açores. Enquanto navios estrangeiros e do continente, com a devida licença emitida por este Governo Regional, pescam nas nossas águas, para os pescadores açorianos e as suas pequenas e envelhecidas embarcações resta a pequena captura costeira, de baixo valor! Para os de fora, o peixe graúdo, para os açorianos, os restos!
Mas, como se tal não bastasse, entregámos ainda uma extensa fatia da nossa Zona Económica Exclusiva à ganância europeia, sem deixarmos protegidos os nossos interesses e as nossas riquezas. Os milhões de apoios europeus que serviram para financiar o desmantelamento da nossa frota, teriam sido muito mais bem empregues na sua reconversão e modernização, para que hoje pudéssemos contar com um sector moderno e bem apetrechado, praticando uma actividade sustentável.
Basta percorrer algumas das localidades piscatórias da Região para com facilidade perceber a dimensão deste erro e os custos sociais desta política desastrosa: A exiguidade e incerteza dos rendimentos, o perigo sempre presente, a falta de reconhecimento social do seu papel e importância, tudo contribui para tornar a pesca profissional uma actividade pouco atractiva e os pescadores uma camada social e economicamente fragilizada.
Esta desvalorização relaciona-se também com as baixas qualificações dos pescadores e a falta de incentivos para a sua profissionalização. Devido a estas dificuldades muitos são os que encaram a pesca apenas como actividade ocasional ou temporária, um mero rendimento complementar a outras actividades, perpetuando assim a penosidade sem fundamento, a precariedade e a exploração.
Horta, 21 de Março de 2011

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 23 de Março de 2011, Angra do Heroísmo 

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