segunda-feira, 2 de julho de 2012

Atributos dos números


Os censos e as projeções demográficas são como o algodão, não enganam! A manter-se este modelo de “desenvolvimento” que se tem pautado como o paradigma da modernidade, da qualidade de vida e do bem-estar, não passarão muitos anos e deixará de haver problemas com o encerramento dos serviços públicos de proximidade. E não será por causa da generalização do acesso e domínio das tecnologias de informação, porque um balcão para reclamar junto da administração pública ou de uma organização privada que presta serviços ou transaciona bens é, insubstituível. Temos necessidade de um interlocutor físico, o telefone e a internet não têm rosto e, sobretudo não têm capacidade de decisão. A inexistência do problema resultará do facto de não haver população a necessitar dos serviços públicos.
Isto a propósito da constatada desertificação e dos estudos prospetivos que apontam para a concentração da população nos grandes centros urbanos. A Região acompanha esta tendência, propensão que se vai acentuar com as anunciadas e efetivadas medidas de reestruturação dos serviços públicos, sejam esses serviços na educação, na segurança e assistência social, na administração fiscal, na justiça ou no poder local.
Porque se migra para os grandes centros urbanos? Porque se troca o espaço rural e os pequenos núcleos urbanos, pelos grandes aglomerados urbanos? Migra-se, desde sempre, na procura de melhores condições de vida, seja pela satisfação das necessidades básicas, seja por razões de ordem económica que permitem aceder a necessidades secundárias quando as primeiras se encontram satisfeitas. O emprego e o rendimento que daí advém estão na base das principais motivações migratórias.
As políticas adotadas em Portugal, designadamente, após o processo de adesão à então CEE ou, quiçá, em virtude de imposições daí decorrentes, fragilizaram o setor da transformação e das indústrias extrativas, fomentaram o abandono da agricultura e das pescas e promoveram uma acelerada e desequilibrada terciarização da economia regional e nacional. As políticas públicas conformam as decisões individuais e, para além de outras variáveis menos objetivas, as opções por um modelo de desenvolvimento económico uniformizado e desadequado à realidade do País não serão, de todo, alheias a esta fuga de população para os grandes centros urbanos em busca de oportunidades. E se é um facto que este problema afeta um conjunto alargado de países com os quais estamos na aventura europeia que nos conduziu a esta crise sem precedentes e, embora o fenómeno da migração para os grandes núcleos urbanos seja transversal à generalidade dos países do Mundo, não é menos verdade que outros países e outros povos conseguiram manter a sua coesão territorial.
A necessidade da ocupação territorial ligada à soberania, mas também ao comércio e à economia, levou a que, em determinada altura da nossa história, o poder tenha desenvolvido políticas públicas de apoio à fixação de população em lugares mais ou menos remotos do seu território. A existência de serviços da administração pública fez, naturalmente, parte dessa estratégia de fixação das populações aproximando os serviços do Estado aos cidadãos.
As políticas públicas de hoje são de concentração e centralização dos serviços, de onde resulta o encerramento de muitos serviços periféricos do Estado. Escolas, Centros de Saúde e Hospitais, Repartições de Finanças, Tribunais e Juntas de Freguesia estão e vão ser encerrados em nome de pressupostos puramente economicistas. Esquecem-se os responsáveis por essas políticas que os atributos dos números não se reduzem apenas à quantidade, os números têm um atributo qualitativo que não pode ser ignorado e que nalguns casos se deve sobrepor ao atributo quantitativo. Este atributo qualitativo em política é significado de pessoa, pois é para as pessoas que a política e a economia se destinam.
Horta, 01 de julho de 2012


Aníbal C. Pires, In Jornal Diário, 02 de julho de 2012, Ponta Delgada 

Sem comentários: