segunda-feira, 24 de outubro de 2016

A abstenção ganhou, Os abstencionistas perderam

Foto by Aníbal C. Pires
É incontornável. A abstenção é a marca das eleições regionais de 2016 na Região Autónoma dos Açores (RAA).
Foi a abstenção mais do que qualquer outro dado que tenha resultado do ato eleitoral que provocou alguns dos habituais vómitos dos comentadores continentais quando se referem aos Açores. Desta vez e que eu tenha dado conta, que não dou conta de tudo, foram pelo menos três os mentecaptos que nos dedicaram atenção a partir de Lisboa, numa televisão e dois jornais. E foi sobre a elevada abstenção que regurgitaram a sua ignorância sobre a realidade social, política e económica açoriana.
Mas deixemo-nos de rodeios ao aparente desconhecimento, em dois dos casos, o outro não passa de uma ordinária tentativa humorística para analfabeto rir, estes comentários trazem associado a matriz política e ideológica de quem lhes paga o salário, aliás as opiniões destes e de outros comentadores residentes nos OCS de referência nacional contribuem para as elevadas taxas de abstenção que se verificam, de uma forma geral, nos atos eleitorais que se realizam no nosso país. Não é por acaso, pois a abstenção beneficia o status quo político e, por conseguinte, os partidos ao centro do espetro político partidário nacional.
Não vou perder mais tempo com quem não devo, mas sempre direi que aqui, Aqui nestas ilhas vive gente, Gente moldada pela natureza que nem sempre é afável, Gente que dá dimensão atlântica a Portugal e à União Europeia, Aqui não é só paisagem paradisíaca para turista ver, Aqui vive e trabalha um povo que merece respeito.
Aníbal C. Pires by Ana Loura

A taxa de abstenção real, como se sabe, será menos 15 a 20% inferior à taxa dos quase 60% que resultam dos dados obtidos nestas eleições. E sabe-se bem por quê, São cadernos eleitorais desatualizados e muitos eleitores que só o são em resultado do automatismo que decorre do Cartão de Cidadão, ou seja, são residentes mas não vivem nem trabalham na RAA, como é o caso de muitos dos nossos conterrâneos que estão emigrados nos Estados Unidos e Canadá e que legitimamente têm direito à sua identificação como cidadãos nacionais.
Mas mesmo considerando que a taxa real de abstenção, tendo em conta o que atrás ficou dito, se situa no intervalo de 40 a 45% não é por isso que deixa de se poder classificar como anormalmente elevada e, considerando os resultados eleitorais a abstenção continua a ser a grande vencedora pois, o partido que recolheu o maior número de votos ficaria, em termos absolutos, a uma distância considerável do valor absoluto da abstenção.
A abstenção ganhou, mas o mesmo se não se poderá dizer dos abstencionistas militantes, aqueles cidadãos que não foram votar conscientemente porque consideram que a cada ato eleitoral tudo fica igual, aqueles cidadãos que consideram que os partidos e os políticos são todos farinha do mesmo saco, aqueles cidadãos que entendem a abstenção como uma forma de protesto, mas que quando é necessário protestar, não protestam. Esses cidadãos não são analfabetos, no sentido literal do termo, esses cidadãos não são os mais fragilizados social e economicamente, esses cidadãos pertencem ao segmento da população que mais beneficiou de todas as conquistas da Revolução de Abril, sem que para isso tivessem feito rigorosamente nada, esses cidadãos criticam, não acreditam no poder do seu voto e abstêm-se e, porque se abstêm contribuem, afinal, para que tudo fique na mesma, como veio a ficar.
Esses cidadãos estão contentes. Tinham razão não valia a pena ir votar pois ficou tudo na mesma. E se tivessem ido, E se tivessem utilizado o poder do voto para protestar, Seria que tudo ficava na mesma, Não me parece.
Todos os partidos com menor representação parlamentar, com exceção do PPM, registaram subidas eleitorais. Pelo contrário os dois partidos que se situam no centro do espetro político regional e nacional perderam votos, milhares de votos, continuando, porém, a contar com o apoio da maioria dos eleitores que expressaram a sua opção nas urnas, isto num quadro de subida da taxa de abstenção, o que significa que com mais dois ou três milhares de votantes se poderia ter mudado o quadro parlamentar regional e daí ter resultado o fim da hegemonia do PS.

Imagem retirada da Internet
Ficou tudo na mesma porque os abstencionistas militantes assim o quiseram, embora expressem à mesa do café e nas redes sociais as mais fortes e contundentes críticas ao governo maioritário e ao partido que o suporta à mistura com uma vontade inabalável de mudar. Mas não mudou, logo os abstencionistas militantes tendo razão porque nada mudou, Perderam. Perderam a oportunidade de contribuir para a almejada mudança e não podem deixar de ser responsabilizados por terem contribuído com a sua inércia e militância abstencionista para que tudo ficasse na mesma. Não se queixem.
Bem vistas as coisas, a abstenção ganhou. Ganhou a abstenção, mas os abstencionistas militantes foram os grandes derrotados nas eleições do dia 16 de Outubro, embora tudo tivesse ficado na mesma.
Ponta Delgada, 23 de Outubro de 2016

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário e Azores Digital, 24 de Outubro de 2016

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