quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

notas de viagem (1)

foto by Madalena Pires

As viagens, de lazer ou de trabalho, podem constituir-se como excelentes oportunidades de aprendizagem. Não visitei tudo o que gostaria e, a vida, não tendo sido madrasta, também, não me bafejou com os meios para concretizar alguns sonhos, impôs-me prioridades de onde resultaram compromissos. Não é um lamento, é, tão-somente, uma constatação. Orgulho-me das minhas escolhas e do que daí resultou. Não viajei tanto quanto gostaria, mas conheço algumas partes do mundo, e sendo certo que as minhas opções me privaram de conhecer alguns lugares e gentes que povoavam o meu imaginário enquanto jovem, hoje são as dores nas articulações, o aumento dos juros e a carestia de vida que defraudam os sonhos de juventude. Agora sim estou a queixar-me, não das dores nas articulações, são o que são, mas das opções políticas que nos estão a conduzir para uma crise, cujos efeitos sociais e económicos se afiguram devastadores.   

As viagens que vão para além do dolce far niente associado ao turismo do tudo incluído, embora também estas possam enriquecedoras do ponto de vista das aprendizagens, se o espírito for aberto, atento e, sobretudo, disponível para ir além do torpor dos excessos alimentares, do consumo de drinks com elevado teor alcoólico e das fronteiras do resort, mas como dizia viajar é (pode ser), sempre, sinónimo de aprender o que só se aprende vendo e sentindo. 

Olhar a Union Square, em S. Francisco, não é bem a mesma coisa que por ali estar sentado, passear e observar o pulsar do lugar e da gente que passa apressada, ou quem aproveita o espaço para uma breve, ou mais demorada pausa. Não basta olhar é preciso ver.

imagem retirada da internet
Já que estamos por S. Francisco vamos aproveitar o tradicional elétrico e vaguear pelas colinas desta urbe, que todos conhecemos das produções cinematográficas de Hollywood, e parar nas margens da baía mesmo no coração de um dos seus mais pitorescos e conhecidos bairros, o Fisherman's Wharf, com a Golden Gate mesmo ali ao lado, olhando para oeste, e, mesmo ali defronte, a ilha de Alcatraz que albergou o famoso presídio com o mesmo nome, para Este, do outro lado da baía, vemos Oakland e a ponte que liga as duas cidades, bem assim com a ilha Yerba Buena, onde a OakLand Bridge tem implantado um dos seus pontos de apoio. Foi no Fisherman's Wharf que descobri o excelente músico, Robert Culbertson, mas também o instrumento - Chapman stick - do qual se libertavam sons melodiosos, mais tarde soube tratar-se de uma música e dança celta (An Dro). 

S. Francisco é muito mais do que a Golden Gate, o Fisherman’s Wharf, as suas colinas e elétricos. O espaço urbano é um misto de arquitetura vitoriana e moderna. A população é diversa e coexistem uma multiplicidade de culturas que conferem à cidade caraterísticas únicas. Não será por acaso que S. Francisco é (foi) uma das cidades mais vanguardistas dos Estados Unidos. 

Lawrence Ferlinghetti - imagem retirada da internet

Entrar na livraria e editora City Lights, fundada em 1953 por Lawrence Ferlinghetti e Peter Martin, e usufruir do espaço que albergou e editou os poetas da geração beat é sentir que a poesia e a literatura, para além do belo, podem contribuir para a revolução do pensamento. Quando por ali andei podia bem ter acontecido ter-me cruzado com Ferlinghetti ou Hirschman, o que não foi o caso, mais tarde tive oportunidade de participar, online, no festival de poesia “Red Carnation”, promovido pelo World Poetry Movement, em que Jack Hirscham marcou presença. A geração beat para além da rutura estética da sua poética e literatura assumiu-se como uma das vozes contra o macartismo, um período de perseguições políticas e de desrespeito pelos direitos civis (fim da década de 40 até meados da década de 50 do século passado). A City Lights situa-se na Chinatown (Columbus, Av.), na zona adjacente a North Beach.

imagem retirada da internet
Já que estamos na Chinatown vamos conhecer um pouco mais deste bairro que teve como primeiros residentes os trabalhadores chineses das empresas que construíram a linha ferroviária que ligou a costa Leste à costa Oeste, no final da década 60 do século XIX. A importância destes trabalhadores é reconhecida pela cidade de S. Francisco que celebra o dia 10 de maio como o “Dia dos Trabalhadores Chineses da Construção das Vias Ferroviárias”. Percorrer as ruas do bairro, que será um dos maiores fora da China, e entrar nas lojas de comércio é sempre um interessante exercício de descoberta de vidas tão distantes do pensar e sentir ocidental.


imagem retirada da internet

Se a City Lights é uma das catedrais de S. Francisco, outras há que merecem igual atenção e, de entre elas a Grace Cathedral (igreja anglicana). Desta vez optei por ir a pé a partir da Union Square e subindo a Powel St. até onde esta via se cruza com a California St., é preciso pulmão que a colina da Powel é íngreme, voltar à esquerda, como convém, e dois quarteirões depois eis que surge a fachada da catedral onde uma rosácea gótica prende o olhar, para logo descer às portadas conhecidas como as “Portas do Paraíso”. O interior da catedral convida a ficar e a percorrer todos os recantos contornando as colunas góticas e admirando os belíssimos vitrais. Uma original e moderna estátua de S. Francisco, cuja réplica pode ser vista noutros locais da cidade, é também um bom motivo, se outros não houvesse, para visitar este templo que é mais, muito mais do que um lugar de culto religioso. A Grace Cathedral é, também, um espaço dedicado à fruição das artes. Exposições, música e artes performativas estão na agenda desta igreja de e a S. Francisco.

imagem retirada da internet
A gastronomia, também ela, diversa como diversa é a cidade pode proporcionar excelentes descobertas. A opção por um espaço onde os sabores se fundem com o jazz pode ser uma excelente forma de fechar o dia na cidade de S. Francisco. Os visitantes e os residentes têm à sua disposição muitas outras opções que se prolongam pela noite dentro. Recolher ao local de pernoita é, também, e neste caso, a opção. O dia seguinte é de viagem até ao Vale de S. Joaquim onde os compromissos são muitos, o tempo de permanência é curto.





Ponta Delgada, 7 de fevereiro de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 8 de fevereiro de 2023

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