quarta-feira, 1 de novembro de 2023

não em meu nome

imagem retirada da internet
As denúncias feitas por grupos, por personalidades e, sobretudo, pelas manifestações populares, um pouco por todo o mundo, e que nas capitais e cidades europeias, estado-unidenses, canadianas e australianas assumem uma significação mais profunda pois, contrariam a posição dos governos e das elites do chamado “ocidente”, e são, por um lado, uma clara demostração de apoio ao povo palestiniano e às suas razões, mas constituem, sobretudo, um sinal claro da clivagem entre governantes e governados. Mas se estas manifestações são impactantes, pela sua dimensão e significados, as tomadas de posição da diáspora judaica, com particular relevância nos Estados Unidos, confirmam que este não é, nem nunca foi, um conflito religioso. As comunidades judaicas, por todo o mundo, têm vindo a afirmar, inequivocamente e sob o lema “não em nosso nome”, que não se identificam com o estado sionista de Israel e defendem a existência de um Estado Palestiniano livre e soberano.

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As corporações mediáticas continuam a construir uma narrativa de demonização do povo palestiniano e de vitimização dos israelitas alimentando equívocos e deixando no limbo as razões profundas da origem de um conflito que dura há 75 anos, mas que se começou a desenhar no final do século XIX, com a fundação do movimento sionista mundial e a realização do Primeiro Congresso Sionista em 1897, em Basileia, na Suíça, mais tarde (1917) com a “Declaração de Balfour” em que a Inglaterra se comprometeu com os dirigentes sionistas a criar o estado de Israel no território da Palestina, ou ainda o “Acordo de Haavara”, assinado em 25 de agosto de 1933, entre o Terceiro Reich e organizações sionistas, e que permitia que alguns judeus, os que podiam pagar, emigrassem para a Palestina. 

mapa da década de 40 (National Geographic)

O movimento sionista proclamou no seu congresso de Basileia a criação do estado de Israel na Palestina ancorando-se na ideia do “povo eleito”, ou seja, tinha, e tem, subjacente o conceito da supremacia do povo de “Israel” sobre outros povos. Algo semelhante ao que esteve na origem da barbárie nazi e do Holocausto Judeu durante a II Guerra Mundial. Não terá sido por acaso que a Assembleia Geral da ONU, em 1975, tenha aprovado a Resolução n.º 3379, onde se declarava o sionismo como uma forma de racismo e discriminação racial. A Resolução n.º 3379, foi revogada em 1991, pela Resolução n.º 4686. Revogação que ficou a dever-se às alterações geopolíticas que se verificaram na época. O que mudou foi o mundo, o sionismo manteve os seus princípios supremacistas.



Uma das estratégias do movimento sionista, promovida por um dos seus líderes (Max Nordau), para justificar o a fundação do sionismo, enquanto movimento político e ideológico, foi a disseminação da ideia que esta era a melhor forma de responder ao antissemitismo crescente na Europa e, assim reverter o declínio da influência da comunidade judaica.

Nem eu, nem qualquer outro cidadão minimamente esclarecido, podemos ser considerados antissemitas pois, o adjetivo semítico refere-se aos povos que falavam (ou falam) línguas semíticas, como sejam, por exemplo, os antigos Fenícios, Hebreus, Amoritas, Acadianos, Assírios, Sírios, Caldeus, Arameus e Árabes, e que entre si partilham, para além da linguística, uma ancestralidade genética. Ser antissemita é ser contra o legado cultural e científico destes povos, coisa que, está bom de ver, não sou.  

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Acusar de antissemitismo quem é contra as políticas sionistas do governo de Israel é, portanto, uma construção social sem qualquer fundamento histórico e científico, como outras representações que justificaram o racismo e a escravatura dos povos da África subsariana, o apartheid na África do Sul, os zoos humanos na Bélgica, a segregação racial nos Estados Unidos, o Holocausto (dos judeus), o Porajmos (dos ciganos), o genocídio dos povos originários nas Américas, de entre muitos outros crimes contra a humanidade, sem que nenhum deles tenha sido iniciado ou perpetrado pelos povos árabes.

As referências históricas à Palestina são seculares, o que não significa que esse território tenha sido sempre ocupado e governado pelo mesmo povo, mas essa é uma situação comum a outros territórios, regiões e países, veja-se o caso da história dos povos do continente europeu. 

Hebreus, israelitas e judeus, designam o mesmo povo e servem o mesmo propósito, embora tenham origens etimológicas diferentes. A história dá-nos conta das vagas diaspóricas deste povo e da sua dispersão pela Europa, Américas e Norte de África, mas nem todas as comunidades hebraicas saíram da região que, em determinado momento histórico, foi conhecido como o reino de Israel. As comunidades judaicas que por ali ficaram conviveram pacificamente com cristãos e muçulmanos, sendo, contudo, a comunidade menos representada. A questão religiosa não faz parte desta equação, conquanto, nos queiram de forma sistemática fazer querer que assim é. As atuais motivações do governo sionista de Israel e o apoio incondicional dos seus aliados (Estados Unidos, Inglaterra e União Europeia) são bem mais terrenas, mas a explicação fica para uma próxima oportunidade.  O assunto é complexo e esta abordagem, como é habitual com outros assuntos, quer-se objetiva sem, contudo, deixar de expressar aqui e além a minha opinião.

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Em 1947, através da Resolução n.º 181 da Assembleia Geral da ONU, aprovada em 29 de novembro, por proposta da Inglaterra foi decidida criação de dois estados na Palestina. Um estado judaico (Israel) e um estado árabe (Palestina). Esta solução foi rejeitada pelos palestinianos e pelos estados árabes. A 14 de maio de 1948 foi declarada pelos dirigentes do Movimento Sionista Mundial a criação do estado de Israel. Estas duas datas são a chave da questão palestiniana. A primeira resultou do fim da Mandato Britânico para a Palestina e da satisfação do compromisso inglês com os sionistas (Declaração de Balfour), mas também do fim da II Guerra Mundial e serviu como uma espécie de obrigação moral do ocidente para compensar o povo judeu pelo Holocausto, a segunda marca o início da Nabka e da colonização dos territórios palestinianos e do seu extermínio.

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Entre 1947 e 1948 foram deslocados mais de 700mil palestinianos e destruídas mais de 500 vilas e aldeias palestinianas pelos sionistas. O drama dos refugiados palestinianos tem aí o seu início, e ainda não teve fim pois, continuam a existir campos de refugiados palestinianos, sendo que alguns cidadãos vivem lá toda a sua vida. Algumas famílias palestinianas guardam a chave e o registo de propriedade das casas e das sua terras das quais foram despojadas pelos colonos israelitas. O conflito não se iniciou no passado dia 7 de outubro, o pecado original foi cometido há 75 anos ao qual se pode, legitimamente, aduzir a impunidade por todos os crimes cometidos contra o povo palestiniano ao longo deste período.

Antes de terminar importaria ainda acrescentar que o Hamas surgiu e ganhou força no confronto político com a Fatah (acrónimo de Movimento de Libertação Nacional da Palestina), em virtude do não cumprimento, por Israel, das Resoluções da ONU, em particular a Resolução n.º 242, de 1967. 

Como surgem e a quem servem os grupos extremistas!? Esta é uma pergunta a que Israel e os seus fiéis aliados devem responder. O que desde há 75 anos se passa na Palestina é a colonização de um território e o genocídio de um povo. Ficar apenas pelo dia 7 de outubro é redutor e não justifica, nada justifica, o que se está a passar em Gaza.

Ponta Delgada, 31 de outubro de 2023 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 1 de novembro de 2023

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