quarta-feira, 15 de maio de 2024

uma espécie de prólogo

imagem retirada da internet

A
o contrário do protagonista desta pequena estória sou um consumidor de informação televisiva e, quando vi e ouvi a pergunta e a resposta firme e seca a uma daquelas perguntas que roçam o acessório, mas que o público, sedento de um bom “enredo”, tanto gosta e os jornalistas alimentam para garantir audiências subvertendo o objeto da sua função, pensei para comigo: tenho de falar com ele pois, não me parece, face ao que veio a público, mas também ao que conheço dos factos que a resposta corresponda à realidade.   

Ele sabia que a dita pergunta não era inocente e, segundo as suas próprias palavras, estava de alguma forma à espera daquela questão.

Numa das muitas entrevistas para a imprensa, rádio e jornais em que foi o sujeito, perguntaram-lhe: Alguma vez se sentiu prejudicado pela sua opção ideológica e partidária? A resposta saiu pronta e limpa, não. 

Há uns dias num dos recantos paradisíacos deste arquipélago abençoado pelos deuses, para quem neles acredita, ou pela mãe Natureza como eu prefiro dizer pois, não creio em divindades, e, onde a amena cavaqueira pode tomar rumos diversos, confessou-me que aquilo que tinha afiançado com tanta firmeza, não era verdade, acrescentando, sabes a verdade tem o seu tempo e lugar e aquele não era nem o lugar nem e o tempo próprio para me deixar enredar em espúrias estratégias comunicacionais. E continuou: A resposta é, como pensas, sim. Sim fui prejudicado. Então porquê aquele perentório não, perguntei-lhe. 

foto de Madalena Pires

Coloquei a questão sem esperar que a resposta, conhecendo-o bem e sabendo que é uma pessoa reservada naquilo que a si diz respeito, não viesse eivada de subterfúgios, ou mesmo que dele obtivesse uma não resposta. Mas, para surpresa minha, assim não aconteceu e, talvez por ser Verão, respondeu de forma clara e objetiva tal como tinha respondido não durante aquela entrevista, mas desta vez sem qualquer fuga à verdade pois, no contexto de uma conversa de amigos tudo pode e deve ser dito sem rodeios.

Se eu tivesse respondido sim, como era esperado pelos jornalistas, a entrevista que não era pessoal, eu estava ali a representar uma organização política, passaria a centrar-se num tema que podendo ser importante para mim, não era relevante para cumprir o objetivo a que me propunha e ao que era expectável por quem eu estava a representar, ou seja, a partir daí, se eu tivesse respondido sim, as questões que me seriam colocadas passavam para o domínio do acessório e o essencial transitava para segundo plano.

Podes até, diz-me ele, considerar que optei pelo politicamente correto ou que tive medo, podes ajuizar como muito bem entenderes, mas o verdadeiro motivo foi aquele que acabo de te dizer e que nunca o tinha referido a ninguém, aliás, também como já te disse, estava à espera da pergunta o que facilitou aquele categórico não.

Sabes, diz-me ele, temos de nos preparar para todos os cenários e, ainda assim, nem sempre se consegue que tudo nos corra de feição, mas correrá sempre mal se não nos preparamos antes das entrevistas, ou mesmo quando se trata de fazer pequenas declarações à comunicação social, tantas e tantas vezes em cima do acontecimento. É sempre bom escolher as palavras e tentar não ser dirigido pelos nossos interlocutores, nem lhes deixar espaço para a especulação. Bem, esta premissa, como por certo concordarás comigo, aplica-se não só a esse contexto, mas a outros cenários. Não foi este o caso pois, como pudeste constatar não estou a fugir às tuas questões e nunca me passou pela cabeça, quando me convidaste para vir até aqui, que a nossa conversa viesse a tomar este caminho. Percebi perfeitamente, porque o conheço e, porque conheço, ainda que, superficialmente o funcionamento da organização política a que pertence desde a sua juventude. 

Sentindo que ele, talvez pelo cenário idílico, pelo calor do Verão ou pela confiança que em mim deposita, estava com disponibilidade para falar. Ganhei coragem e atrevi-me a continuar.

Ouve lá! Sabia, não precisava sequer que o confirmasses que, de uma forma ou outra, as tuas opções ideológicas, podendo deixar-te bem contigo mesmo, te prejudicaram ao longo da vida, mas em determinado momento foi claro que alguém o fez de forma deliberada. O teu bom nome foi posto em causa e atingiu direta ou colateralmente, como quiseres entender, a tua família. O que estranhei e, como eu, certamente, muitas outras pessoas que te conhecem, e que não duvidam da tua integridade moral e política, o que estranhei foi que não tivesses vindo a terreiro defender-te e esclarecer a opinião pública. Porquê!? Por que te remeteste ao silêncio.

Quando acabei, embora tivesse sido breve, estava com o suor a correr pelas costas e, não era do calor. Para lhe colocar, sem rodeios, esta questão foi preciso alguma coragem. Quem o conhece sabe que ele é afável, simpático e bem-humorado, mas também sabe que há questões sobre as quais ele não fala e se o tentam encurralar pode tornar-se num adversário temível.

Claro que enquanto lhe fiz a pergunta não deixei de olhar para ele, não só por uma questão da urbanidade que ele tanto cultiva, e eu também, mas sobretudo porque era importante ler os sinais corporais que ele ia, ou não, transmitindo. Ele sorria ainda que do seu olhar transbordassem um misto de sentimentos e algumas emoções antagónicas cujo espetro ia da tristeza à raiva, raiva que não chegava a ser ódio e vi, no seu olhar, a deceção. Sorrindo, respondeu-me.

E falou como eu nunca o tinha ouvido falar, falou de si, das suas angústias, dos seus sonhos, os sonhos que se cumpriram, os sonhos que continuam por cumprir, mas dos quais não abdica. E, com as lágrimas que de quando em vez lhe afloravam aos olhos, falou dos sonhos que sabe não poder ver realizados, sonhos que se perderam no tempo, ou porque o tempo, o seu tempo, é finito.

Queres mesmo saber!? Pois bem! Pede aí mais uma imperial e uns amendoins, e, presta atenção. Não só te vou dizer por que não vim a terreiro, mas também quem é que me tentou foder a vida.

foto de João Pires

Estupefacto perguntei: Sabes quem foi!? Claro que sei. Sei quem foram os autores, sei quem foi o mensageiro, sei quem foi instrumentalizado, sei quem foram os lacaios que deram corpo à difamação e, sobretudo, sei qual foi o objetivo que esteve associado a esta trama, que como verás, tem requintes de malvadez, diria mesmo que tem contornos maquiavélicos.

A tarde prolongou-se até noite dentro, muitas outras tardes e noites se lhe seguiram. Partilhou comigo mais do que alguma vez julguei ser possível, mas como ele próprio diz nem tudo pode ser contado e, também eu, me reservo a não divulgar mais do que já ficou dito, desde logo, pela reserva de confidencialidade que lhe assegurei, mas também para não vir a ser uma vítima colateral de uma certa forma de fazer “política”, muito em uso na Região e no País, e, por outro lado, cabe-lhe em primeira instância, a divulgação dos detalhes da estória que aqui foi aflorada.

Hoje não, mas amanhã talvez. Disse ele, com um sorriso nos lábios.


Ponta Delgada, 14 de maio de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 15 de maio de 2024

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