quarta-feira, 19 de março de 2025

Dos regimes

    O mundo é um lugar dominado por gente sem rosto que utiliza o rosto de vassalos bem pagos para atingir os seus propósitos, há algumas exceções, mas como sabemos as exceções apenas confirmam a regra.

    A União Europeia (UE), organização política à qual pertencemos - embora nunca nos tenham questionado se queríamos -, tem vindo a trilhar um caminho cada vez mais semelhante a um regime, onde a democracia e a liberdade de expressão não passam de meras formalidades nos tratados e na propaganda oficial, pois o seu exercício está cerceado e, quem não seguir a narrativa do mainstream arrisca-se sofrer graves penalizações, seja pela prisão, seja pela repressão policial, seja pela ostracização e pelo silenciamento mediático, seja pelo empobrecimento controlado com políticas assistencialistas que é uma das mais eficazes armas de controle e domínio dos poderes para manter a letargia. E é, também, pela indução do espetro da insegurança e do medo que melhor nos vão controlando, como se tem constatado nas últimas semanas com todos os apelos à guerra acenando, uma vez mais, com o perigo russo.

    Pablo Hasel, rapper catalão, preso, há mais de quatro anos, acusado de um crime que mais não passa do que o exercício da liberdade de expressão. Não é caso único.

    Pablo Gonzalez, cidadão com nacionalidade espanhola e russa, conceituado jornalista, preso em 2022 na fronteira entre a Polónia e a Ucrânia suspeito de trabalhar para os serviços de informação russos, facto do qual nunca veio a ser formalmente acusado, as condições desumanas do seu encarceramento foram objeto de denúncias internacionais, sem que Espanha ou a UE, tenham tomado qualquer posição. Pablo Gonzalez foi libertado como parte de uma troca de prisioneiros entre a Rússia e alguns países da União Europeia.

    Francesca Albanese, relatora especial das Nações Unidas para os territórios palestinianos ocupados, comentou num evento intitulado “Retomando a narrativa: Palestina, justiça e verdade”, que aconteceu em Berlim, que autoridades alemãs lhe impuseram uma clara pressão durante sua visita, dizendo: “A situação é má para a liberdade de expressão em toda a parte, mas na Alemanha sinto uma falta de oxigénio”. Em virtude da coação que foi exercida sobre Francesca Albanese parte da sua agenda acabou por ser cancelada. 

    Nem sempre trago exemplos concretos, mas hoje deixei alguns que sustentam parte do que já foi dito e poderia até ter falado de Julian Assange, mas como se percebeu nem sequer foi necessário para que o assunto fique bem sustentado.

    O espaço da UE não é, direi eu, um espaço de liberdade pois, foi em nome da liberdade de expressão se proibiu a difusão de alguns órgãos de comunicação social retirando aos cidadãos a possibilidade de ouvirem e verem outros relatos e formarem opinião própria. Não fossem os meios alternativos de busca de informação e teríamos ficado pela narrativa de Ursula Von der Leyen, Borrel e agora Kaja Kallas que, para além de parcial, imprecisa e revisionista, é belicista, como se a guerra fosse, porventura, um caminho para andar.

    

    Os leitores mais atentos já estarão a pensar, não é bem como dizes, ainda recentemente o Tribunal Europeu para os Direitos Humanos acusou as autoridades ucranianas de não investigarem e de não protegerem as vítimas do Massacre de Odessa, em 2 de maio de 2014. É verdade, só peca por ser tarde e surge no atual contexto de abandono de algumas pretensões ucranianas, como por exemplo a sua entrada na OTAN.  O Massacre de Odessa e outros eventos provocados por hordas de neonazis serviram de detonadores à guerra civil ucraniana que, como se sabe se iniciou em 2014. No dia 2 de maio de 2014, em Odessa, foram assassinados 40 cidadãos, alguns queimados vivos, dentro da Casa dos Sindicatos onde se tinham refugiado.

    O mundo está em estado de alienação, em particular o mundo que politicamente se alinha com o nazismo e o sionismo, perdoem a redundância. Soube-se a semana passada que o estado sionista e alguns dos académicos que o veneram e dele fazem parte propuseram Daniela Weiss como candidata ao Nobel da Paz. É sempre bom referir, antes de ser acusado de antissemita, que respeito a religião judaica, como respeito a cristã, ou a muçulmana, não se trata, nem nunca se tratou de uma questão de ordem religiosa. O sionismo é uma ideologia ancorada na supremacia de um povo sobre outros, por outro lado o termo semita está ligado à linguística, ou seja, às línguas semitas que, também, como todos sabemos não é exclusiva de um povo. 

    Mas quem é esta personalidade vinda do mundo do sionismo!? Pois bem, Daniela Weiss é uma líder dos colonos sionistas na Cisjordânia e que produz declarações como esta: "Os árabes não ficarão em Gaza, África é muito grande. Permitiremos que se vão e querem ir-se porque ninguém quer viver um inferno. Chamem-lhe limpeza étnica, apartheid ou que queiram”. Sabendo-se do histórico de atribuição deste Nobel da Paz a personalidades que fomentaram a guerra e são responsáveis por milhões de mortos nada me espantará, contudo, vamos aguardar tranquilamente por outubro quando for divulgado a personalidade a quem a será entregue o prémio. Não arrisco vaticínios, mas nos tempos que correm já nada surpreende.

    Já vivi o suficiente para ver gente que ascendeu politicamente na luta por causas justas, como por exemplo Javier Solana que de pacifista chegou a Secretário-geral da OTAN e foi durante o seu mandato que a Jugoslávia foi bombardeada e fragmentada, mais tarde foi Alto Representante da União Europeia para a Política Externa e Segurança, onde o seu trabalho foi de continuidade e subserviência aos interesses dos Estados Unidos. Solana não é único, veio-me agora à memória a atuação da atual ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, sobre a qual há imensos memes, como por exemplo a conhecida mudança de 360 graus, e alguns desagrados como aquando da sua visita à democrática Síria em que al Julani, este saudita muda de nome com frequência, não a cumprimentou por ser mulher. Annalena Baerbock, assim se chama a ministra, é dirigente dos verdes alemães e, naturalmente, foi uma destacada militante pela paz, contra a presença militar da Alemanha no exterior e contra a lógica das alianças militares, mormente, a OTAN.  A militância pela paz foi um dos pilares que catapultaram os verdes alemães para a ribalta política. Veja-se a atuação do demitido governo e, em particular, de Annalena Baerbock para que se constate o quão longe vão os tempos da sua luta pela paz e contra o militarismo. Solana e Annalena são do grupo dos invertebrados que pululam nas famílias partidárias, ditas de esquerda, mas que quando é necessário são suficientemente maleáveis para defender tudo e o seu contrário, sempre em nome, pois está claro, do pragmatismo e do politicamente correto. 

    Já que me referi à Síria não posso deixar de referir a dualidade de critérios da política externa da UE e da comunicação social de referência na avaliação do que tem vindo suceder. O tal saudita - agora presidente da Síria -, que já deu pelo nome de al Julani e o seu governo tem vindo a massacrar as populações cristãs e alauitas, mas como dizia al Julani chegou a estar convidado para Bruxelas, pela presidente da Comissão Europeia, para uma reunião no dia 17 de março, este encontro só não se vai realizar na data aprazada devido à divulgação dos massacres perpetrados pelo regime de al Julani sobre as minorias religiosas e culturais sírias. Se isto não é o topo da hipocrisia, pouco faltará para o atingir.

    Muitos outros exemplos deste regime dirigido por Ursula von der Leyen e António Costa - ambos sem escrutínio popular -, poderiam ser abordados para demonstrar que este é um espaço onde a liberdade de expressão tem margens muito apertadas e os protagonistas políticos não passam de marionetas manipuladas pelos oligopólios financeiros muitos deles sedeados fora deste espaço e pouco, ou nada, têm a ver com os interesses dos povos. Aos gritos de guerra dos dirigentes da UE sobrepõem-se as denúncias das assimetrias entre os países membros e os quase 20% da população em situação de pobreza ou à beira dela.

Ponta Delgada, 18 de março de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 19 de março de 2025

Sem comentários: