terça-feira, 31 de março de 2020

O medo é pior que o vírus


Texto da entrevista publicada hoje (31-03-2020) no Diário Insular






1 - De um momento para o outro, a liberdade de que nos orgulhamos de usufruir passou a estar confinada a pouco mais do que as quatro paredes de uma casa. Algum dia pensou que uma história destas pudesse ocorrer em tempos de sua vida?

Não, de facto nunca pensei que viveria um tempo como este, contudo, existia em mim alguma apreensão face à leitura que fazia, e faço, de alguns indicadores preocupantes que o Mundo estava e continua a viver.
Julgo que qualquer cidadão mais atento e informado se preocupava, e deve continuar a preocupar, com as questões ambientais, com um modelo de desenvolvimento que caminha a passos largos para o colapso, com o drama dos refugiados e migrantes e com a crescente ascensão ao poder de forças políticas populistas de cariz neofascista. Mas também com o estado de guerra híbrida(*)  em que o Mundo tem vivido nos últimos anos e que agora, em minha opinião, se vai acentuar, aliás os sinais já aí estão. 
Para melhor se perceber o conceito de guerra híbrida deixo em nota de roda pé uma síntese do conceito.


2 - Já há sinais de stress e vamos com poucos dias "disto"... Se as quarentenas e os confinantes se prolongarem, correremos riscos sérios quanto a caos social e eventual indiferença face ao vírus que nos retém?

Não tenho dúvidas que assim será. Em conversa com alguns amigos, com a distância que as novas tecnologias de informação nos permitem, tenho confessado a minha apreensão quanto aos efeitos na sanidade mental dos cidadãos e às consequências que daí podem resultar. Temos de conter a pandemia, Sem dúvida, e, para isso é necessário o confinamento. Mas temos de estar muito atentos à generalização do medo e aos comportamentos que daí podem resultar.
É em quadros sociais desta natureza que o pior de nós se manifesta e, na minha opinião, esses sinais já são visíveis aqui na Região, apenas para não ir mais longe, onde o comportamento já passou das palavras à ação violenta. O medo pode causar mais estragos que o próprio vírus.

É uma boa altura para ler “Os Loucos da Rua Mazur”, do João Pinto Coelho e tomar consciência de, até onde pode ir o comportamento humano em situações extremas.

3 - As nossas sociedades de democracia liberal estão, desde há muito tempo, a dar sinais de degradação. Com o impacto da COVID19 e uma eventual má gestão do problema, poderão abrir-se janelas para outros sistemas, como se abriram, por exemplo, com convulsões semelhantes nas primeiras décadas do século XX?

Estou certo que sim. Daí a importância de estarmos atentos e atuantes para contrariar a imposição de medidas que, sob um novo embrulho de uma nova ordem mundial, venha repor o modelo neoliberal instalado, ainda que, com novas configurações.
É sabido que durante ou após situações catastróficas, de origem natural, ou por ação humana, os povos aceitam com alguma passividade soluções que, a prazo, ou mesmo no imediato, lhes irão custar caro, seja nos direitos, seja no rendimento. Daí a necessidade de nos mantermos informados, atentos e atuantes. E quando digo informados é bom que, seja qual for o suporte onde colhemos a informação, verifiquemos a autenticidade das notícias protegendo-nos assim de uma das armas mais eficazes da guerra híbrida, as fake news.

4 - Apesar dos avisos, a aposta na ciência foi sempre insuficiente e o problema dos vírus parece não ter sido levado muito a sério. Até que nos surge um problema desta dimensão. Será que no pós-crise olharemos as ameaças reais à nossa sobrevivência com outros olhos ou a tendência será voltar ao mesmo de sempre?

Tenho esperança que assim seja, mas tenho outras tantas dúvidas quanto à ação coletiva e às opções políticas do pós pandemia.
A situação que vivemos cria um cenário em que se evidencia a necessidade de mais Estado, ou seja, aquela máxima neoliberal do “menos Estado melhor Estado” caiu, e são os indefetíveis do mercado que hoje mais clamam pelo Estado. 
Será desejável que na pós pandemia os cidadãos exijam, de facto, mais Estado, na saúde pública, desde logo, mas também noutros setores. Veja-se por exemplo o caso dos Açores e as medidas que foram tomadas para os transportes aéreos pelo Governo Regional. As ligações interilhas e a decisão da Azores Airlines só voar para S. Miguel, só foi possível porque a SATA é uma empresa pública. Foi o acionista que determinou a suspensão dos voos e do contrato de concessão das obrigações de serviço público. O tal mercado ainda mantém a TAP e Ryanair a voar, embora no caso da TAP o Governo da República tenha responsabilidade direta na manutenção da ligação à Região. Claro que deixando, naturalmente, de haver mercado e a Ryanair suspende os voos.
Há muito para refletir e mudar no nosso modo de vida, mas os vírus sendo qualquer coisa entre a química e a biologia ao que parece aprendem mais depressa que o homo sapiens.

Mas como disse, Tenho esperança que sim. Tenho esperança que individual e coletivamente se alterem modos de vida e comportamentos destrutivos induzidos por modelos económicos ancorados na tese do aumento continuado do consumo (recursos), sabendo-se que os recursos do planeta são finitos.

(*)Conjunto de táticas de guerra política, guerra convencional, guerra irregular e ciberguerra ao qual se associam, ainda, outros métodos de influência como, por exemplo, as fake news, a diplomacia, a lawfare e a intervenção eleitoral externa.

Ponta Delgada, 26 de Março de 2020

terça-feira, 24 de março de 2020

Como evitar as fake news

Tenho, por dever de cidadania, evitado saídas à rua. Quando saio procuro fazê-lo a horas e locais onde não há, ou pressuponho que não haja, grande concentração e circulação de pessoas e dentro do quadro que legalmente está em vigor. Pelo mesmo motivo, dever de cidadania, tenho-me escusado a produzir e difundir escritos de opinião.

Desde o início desta “crise”, é assim que vou continuar a designar a propagação do covid19 e os seus efeitos sociais, culturais, políticos e económicos, apenas vim a terreiro com uma publicação no meu blogue que depois difundi nas plataformas digitais, erradamente designadas por sociais. E fi-lo por entender que a generalidade das medidas tomadas pelo Governo Regional e a atuação da Autoridade Regional de Saúde mereciam, e continuam a merecer, o meu apoio.

Hoje, e face a uma notícia que circulou nas redes digitais, entendi ser meu dever escrever e partilhar umas notas sobre a forma como se está a travar esta luta no plano da comunicação.
Não da comunicação institucional, embora sinta que devo deixar uma nota de agrado pela excelência da comunicação institucional que emana da Autoridade Regional de Saúde, pela voz do Diretor Regional.

Mas, como dizia, não é sobre a comunicação institucional as notas que vos deixo por aqui, é sobre a informação difundida pelos órgãos de comunicação social, ditos de referência, e também pela informação que é partilhada nas plataformas digitais. Infelizmente nem uma nem outra obedecem a critérios básicos de confirmação nas fontes, já não digo na fonte primária, mas ao menos exigia-se algum esforço para confirmar a veracidade da informação, ao menos isso.

Uma estação de televisão, Não, não é essa, passou uma notícia sobre incidentes em Londres e as pessoas preocuparam-se por que os conflitos foram relacionados com a “crise” do covid19. Nesse mesmo dia verificou-se que as imagens difundidas afinal remontam a 2011 e os conflitos, naturalmente, tiveram outras causas. Era falsa a notícia e não, não havia necessidade.

Li algures por aí, e como eu terão lido muitos outros cidadãos por esse Mundo fora que os Estados Unidos já tinham uma vacina para o covid19, e, tendo sido ministrada tinha curado um doente. Bem, tanto quanto sei as vacinas previnem, Não curam. Por outro lado, os protocolos científicos para que uma vacina seja posta à disposição demoram o seu tempo, mesmo sabendo que, um pouco por todo o Mundo, se está a fazer um enorme esforço para que a vacina, ou vacinas, possam estar concebidas e testadas seria, digo eu, impossível ter a vacina disponível em tão curto espaço de tempo. Também esta notícia, como já se sabe, foi desmentida.

A notícia de hoje era a de uma morte, a primeira, nos Açores devido ao covid19. Foi um tal partilhar nas plataformas digitais que até doía. Pouco tempo depois a informação institucional veio desmentir. Não, ainda não morreu ninguém nos Açores devido ao covid19. Este tipo de atitude para além de gerar ondas de medo que em nada contribuem para a sanidade mental dos cidadãos obrigou a Autoridade Regional de Saúde a um esforço suplementar para vir a público desmentir a notícia, numa altura em que a sua atenção, tempo e recursos não podem, nem devem ser gastos a corrigir os erros comunicacionais de terceiros.

Se algumas destas notícias, as das plataformas digitais, são difundidas de forma ingénua, Sim não tenho dúvidas. Se algumas são difundidas porque obedecem a agendas ideológicas, também não me restam dúvidas. Cabe-nos a nós cidadãos fazer a verificação e não ampliar a sua difusão.

Quanto aos chamados órgãos de comunicação social, ditos, de referência é bom que não tenhamos ilusões eles são veículos e instrumentos da difusão ideológica dos seus proprietários, logo pouco confiáveis.


A informação é elaborada, mesmo que factual, para se dirigir às crendices e emoções dos cidadãos. A sua grande penetração fica a dever-se ao sucesso da estupidificação a que todos temos sido sujeitos ao longo das últimas décadas.

Só há uma forma de combater esta moldagem das consciências e da vontade. Adquirir conhecimento. Só o conhecimento nos pode libertar.

Enfim! Haja saúde que a paciência está a esgotar-se.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 24 de Março de 2020

segunda-feira, 16 de março de 2020

Notas soltas sobre a RAA e o surto de covid19

Vasco Cordeiro



“(…) E é bem sabido que os medos só existem por neles acreditarmos. (…)”

João Pedro Porto, in Fruta do Chão, Letras Lavadas, 2018



Tenho acompanhado, enquanto cidadão mas também como dirigente do PCP Açores, os desenvolvimentos do surto epidémico com origem no covid19. Da mesma forma tenho seguido com a atenção que o assunto merece as medidas que no Mundo, no País e na Região têm vindo a ser tomadas para conter a propagação do vírus e, sobre os quais não vou fazer nenhum juízo de valor.
Quero, contudo, deixar algumas notas que me parecem ser, no momento, indispensáveis.

O Presidente do Governo Regional tem vindo a tomar as medidas que, a cada momento, se afiguram necessárias para proteger os interesses do Povo açoriano. Decisões que não são fáceis, decisões que não dependem apenas das suas competências, mas que Vasco Cordeiro tem vindo a tomar e, como tal, não posso deixar de apoiar todo o seu esforço para, sem introduzir ruído alarmista, tentar mitigar os efeitos desta, chamemos-lhe, crise.


Uma outra nota relaciona-se com a inconsciência que prolifera nas redes sociais quando verificamos que alguns cidadãos com responsabilidades acrescidas na vida regional, seja pela sua profissão, seja pela influência que decorre do seu ativismo cívico e pela sua formação, reproduzem notícias falsas (imagens, vídeos, áudios) sem verificarem as fontes. Ou emitindo opinião pouco sustentada, porque ancorada nas crenças e nas emoções e não no conhecimento e saber científico ligado à presente realidade. É lamentável verificar que alguns cidadãos mais não fazem do que induzir o medo. Medo que em última instância pode levar ao pânico generalizado. Alguma contenção e rigor talvez fosse aconselhável.

Por fim fica esta nota que julgo ser importante para se perceber a relevância dos órgãos de governo próprio, mas sobretudo dos instrumentos que tem à sua disposição. As medidas tomadas hoje pelo Governo Regional e anunciadas por Vasco Cordeiro só são possíveis em virtude do capital do Grupo SATA e das suas empresas serem exclusivamente públicas.
A TAP e a Ryanair vão continuar as ligações do exterior com a ilha Terceira e, sobre isso Vasco Cordeiro nada pode fazer. Não, e não é Lisboa, é Bruxelas. Ou melhor, Lisboa também porque se submete, de cócoras, a Bruxelas e ao mercado. Bruxelas e o mercado do qual algumas vozes, que agora se levantam contra a insuficiência das medidas tomadas na Região e no País, tanto gostam e que indefetivelmente defendem, Ou defendiam. Depois da “crise” se verá.

Foto Aníbal C. Pires

Vasco Cordeiro porque é o representante do acionista único no Grupo SATA deu instruções às empresas para não efetuarem voos. Vasco Cordeiro ordenou ao Grupo SATA que suspendesse parte dos contratos de concessão de obrigações de serviço público. Mais não pode fazer.

É bom que nos lembremos que ter “Sol na eira e chuva no nabal” não é possível. E sim, isto é política, como aliás, tudo na vida.

Ponta Delgada, 16 de Março de 2020

sexta-feira, 6 de março de 2020

99 anos do PCP - o futuro tem Partido

A bandeira comunista

Foi como se não bastasse
tudo quanto nos fizeram
como se não lhes chegasse
todo o sangue que beberam
como se o ódio fartasse
apenas os que sofreram
como se a luta de classe
não fosse dos que a moveram.
Foi como se as mãos partidas
ou as unhas arrancadas
fossem outras tantas vidas
outra vez incendiadas.

À voz de anticomunista
o patrão surgiu de novo
e com a miséria à vista
tentou dividir o povo.
E falou à multidão
tal como estava previsto
usando sem ter razão
a falsa ideia de Cristo.

Pois quando o povo é cristão
também luta a nosso lado
nós repartimos o pão
não temos o pão guardado.
Por isso quando os burgueses
nos quiserem destruir
encontram os portugueses
que souberam resistir.

E a cada novo assalto
cada escalada fascista
subirá sempre mais alto
a bandeira comunista.

José Carlos Ary dos Santos

quinta-feira, 5 de março de 2020

António Soares Marinho – 1956/2020

foto retirada da internet


A manhã abriu com a inesperada notícia da morte do António Marinho. 

À lembrança chegaram os anos em que mais de perto partilhei a vida política com ele. E mesmo dos debates mais inflamados, na Sala de Sessões na ALRAA, ou fora dos holofotes mediáticos, não chegou nenhuma memória menos boa. 



O António Marinho era um adversário político combativo, mas leal. Não havia como poder não respeitá-lo e guardar dele a imagem de um cavalheiro que sabia separar as águas.

Tínhamos em comum o ano de nascimento, mas tínhamos muito mais. 
Tínhamos, cada um à sua maneira, um grande sentido de serviço público e de respeito institucional.

Vamos sentir a tua falta.

Apresento as minhas sentidas condolências à família, aos amigos, à ALRAA e ao PSD Açores.

Até sempre António! 

terça-feira, 3 de março de 2020

Angela Davis - a abrir Março

Imagem retirada da Internet


Não é a primeira vez que Angela Davis abre um mês do “momentos”.



mas é Março,
do dia
das mulheres
da  luta
que é de todos

luta de agora
de sempre

“Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.”

Rosa Luxemburgo

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Leitura das leituras(*)

A este espaço, onde hoje nos reunimos para uma vez mais celebrar a literatura, foi dada uma nova utilidade. Veja-se só, neste edifício recuperado do núcleo histórico da cidade de Ponta Delgada, no lado Sul da Matriz, abriu uma livraria. Neste lugar difundem-se uns objetos culturais a que chamamos livros e acolhem-se os seus autores e leitores.
Já esta semana aqui, onde hoje nos juntamos, a escritora e ensaísta Lélia Nunes disse: “(…) Neste espaço, pode-se dizer que as Letras Lavadas estão ao lado da Matriz, mas também que a Matriz está ao lado da catedral da literatura e do livro. (…)”
E assim é. Esta não é mais uma livraria em Ponta Delgada. É uma livraria. A livraria que será, a mais açoriana de todas as livrarias dos Açores.

Renovo, hoje, o agradecimento e reconhecimento à Letras Lavadas por este projeto que complementa a atividade editorial e gráfica do grupo Publiçor/Nova Gráfica/LetrasLAVAdas. Desejo ao Senhor Ernesto Resendes e a todos os trabalhadores, dos diferentes setores da sua atividade empresarial, os maiores sucessos.
Por fim, ainda que seja por ele que aqui estamos, um agradecimento muito especial ao Vamberto Freitas pelo convite para a apresentação do 5.º volume de borderCrossgings/leituras transatlânticas. Obrigado Vamberto pela confiança que em mim tens depositado.
Saiba eu corresponder condignamente, pois, como devem imaginar não é tarefa fácil falar de alguém que dedica, eu diria, militantemente, grande parte do seu tempo a escrever sobre escritores, poetas e ensaístas.

Vamberto Freitas é figura sobejamente conhecida, desde logo por ser professor na Universidade dos Açores, mas também pelos suplementos literários, pelas suas colunas de crítica na imprensa regional e da diáspora, pela sua presença e voz acutilante, humorada e recheada de generosidade.
Sim, o Vamberto Freitas é um ser generoso. Ninguém mais do que ele tem aberto as portas ao conhecimento e à divulgação da produção literária nos Açores e na diáspora, e ainda lhe sobra tempo para estender o seu olhar sobre os autores de outras geografias culturais, seja o continente português, seja de forma particular e apaixonada sobre os autores estado-unidenses.
Mas, já lá vamos a esse olhar sobre este novo volume de borderCrossings 5, antes disso e apesar do Vamberto Freitas dispensar apresentações, não posso deixar de referir algumas notas biográficas e deixar uma nota pessoal sobre o Vamberto.


É natural da ilha Terceira, freguesia da Fontinhas, emigrou aos treze anos de idade para os EUA com a família. É Licenciado em Estudos Latino-Americanos pela California State University, Fullerton, em 1974 e, pela mesma Universidade, concluiu uma pós-graduação em Literatura Americana e Literatura Comparada.
Docente na Universidade dos Açores, foi correspondente e colaborador, a convite de Mário Mesquita, do suplemento literário do Diário de Notícias (Lisboa) durante largos anos. Tem prestado colaboração a periódicos no Brasil, como é o caso do Jornal de Letras do Rio de Janeiro, e em Santa Catarina, no suplemento Cultura do Diário Catarinense e na revista Cartaz: Cultura e Arte. A nível regional tem uma presença assídua em periódicos regionais, salientando-se a coordenação do Suplemento Açoriano de Cultura do Correio dos Açores, e o Suplemento Atlântico de Artes e Letras (SAAL) da revista Saber Açores.
Integra o Conselho Consultivo da Gávea-Brown: A Bilingual Journal Of Portuguese-American Letters And Studies e ainda, a Comissão Editorial do Boletim do Núcleo Cultural Da Horta.
Autor de diversas obras, como Jornal da Emigração: A L(USA)dândia Reinventada, O Imaginário dos Escritores Açorianos, A Ilha Em Frente: Textos do Cerco e da Fuga, Mar Cavado: Da Literatura Açoriana e De Outras Narrativas e, também, a coleção borderCrossings, que já vai no seu quinto volume, que reúne os textos que regularmente publica no Açoriano Oriental. É colaborador regular do Portuguese Times, de New Bedford e no Portuguese Tribune, publicado na Califórnia.
Coordenou, com Álamo Oliveira, o suplemento literário mensal do Açoriano Oriental, Artes e Letras.
Mas, para além destes breves apontamentos sobre Vamberto e, para quem tiver interesse e quiser compreender o Homem e o intelectual maduro deve iniciar a leitura deste livro pela página 29. Um texto do autor, como todos os outros, é certo, mas um texto em que Vamberto fala sobre Vamberto.
Deixo-lhes apenas uma breve passagem que é, em minha opinião, elucidativa da generosidade, autenticidade e sobriedade deste professor, ensaísta e crítico literário.

“(…) Lembremos sempre quem nos fez bem, e faremos o mesmo aos outros. Vejo com alegria e gratidão os meus colegas e amigos quase todos os dias. Quanto mais engrandecem nas suas vidas, mais me engrandecem a mim. Os seus triunfos e felicidades são as minhas também, com eles partilho as suas dores familiares ou profissionais. O resto não interessa nada. Quando alguém que não nos topa se desvia de nós, deveremos agradecer a delicadeza e o bom senso. A vida é nossa, mas quando partilhada é infinitamente mais rica e feliz. (…)”

Tenho uma grande admiração pessoal pelo Vamberto e, um imenso e profundo respeito pelo seu trabalho o que me leva a deixar-vos a seguinte nota pessoal.
O Vamberto Freitas não é apenas um ensaísta e crítico literário. Vamberto Freitas é, se me permitem, uma verdadeira instituição de utilidade pública para a literatura. É-o em particular para as temáticas literárias de matriz açoriana escritas em português e inglês, mas é mais, muito mais do que isso pois, a dimensão da sua obra não se confina à apreciação e, por conseguinte, divulgação dos autores que escrevem nos Açores, sobre os Açores, ou sobre a diáspora açoriana e, mais genericamente sobre a diáspora portuguesa. O seu trabalho e a sua obra não têm fronteiras culturais, nem está eivada de qualquer visão redutora da literatura.
Fica, assim, registado o meu reconhecimento e agradecimento pelo trabalho que o Vamberto tem desenvolvido e continuará a desenvolver pois, tenho para mim que o seu trabalho não se esgota com a publicação deste 5.º volume das leituras transatlânticas, nem com este formato. Sei que existem outros projetos em carteira e espero que venham a público o quanto antes. Mas sobre isso, se assim entender, nos falará o Vamberto.

O reconhecimento público pelo valioso contributo que o Vamberto tem dado à literatura que se produz nas margens deste rio Atlântico tem tido, felizmente, reconhecimento institucional. A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), em 2015, agraciou-o com uma Insígnia Honorífica de Reconhecimento e o Congresso dos EUA concedeu-lhe, em 2017, o Certificate of Special Congressional Recognition.

Sendo que estes reconhecimentos institucionais são importantes e, sem lhes querer retirar o valor, diria que mais importante do que as insígnias e os certificados foi a justa homenagem que os seus pares lhe fizeram durante a II edição do Arquipélago de Escritores que se realizou, em Ponta Delgada, no passado fim de semana. E é o reconhecimento quotidiano expresso pelas editoras e autores quando lhe solicitam uma recensão, uma opinião e crítica, sobre o que editam e escrevem.
É, também, o reconhecimento público que hoje lhe estamos a prestar.
borderCrossings 5 teve já um momento alto de divulgação e opinião especializada durante a edição do Outono Vivo deste ano, mais precisamente no dia 26 de Outubro, na cidade da Praia da Vitória, onde o Professor Ernesto Rodrigues, docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e especialista em Literatura e Cultura Portuguesas fez uma apresentação magistral. Ou seja, este livro de Vamberto já foi dissecado e avaliado por um especialista em literatura, coisa que eu não sou. Sou apenas um amigo do Vamberto que gosta de ler e que com ele muito tem aprendido e quer continuar a aprender.

O quinto volume de borderCrossings/leituras transatlânticas segue na rota dos anteriores. Ensaio e crítica literário que o autor organiza em três grandes tópicos e uma última parte, a que chama Coda onde são publicadas duas entrevistas que o autor concedeu, aos diários Açoriano Oriental e Diário dos Açores, aquando da publicação do quarto volume de borderCrossings que ocorreu fez por estes dias 2 anos.
O primeiro dos tópicos, Açorianidade Negada ou Reafirmada, reúne os ensaios e críticas literárias de autores açorianos, ou ainda de quem sobre os Açores escreveu mesmo que noutra língua que não o português, como é o caso de Diana Marcum jornalista californiana que depois de um trabalho jornalístico no Vale de S. Joaquim quis vir conhecer a terra de onde partiram aqueles estoicos homens e mulheres. E veio, e esteve largos meses por cá, sentiu o pulsar das gentes e dos lugares e sobre isso nos dá conta no livro The Tenth Island, ao que julgo ainda sem tradução para português (já está editado em português). E que o Vamberto apresentou, em Ponta Delgada, com a autora, em 2018, no âmbito da programação da I Edição do Arquipélago de Escritores.
Nesta primeira parte, em forma de ensaio ou de crítica literária, Vamberto percorre alguns dos títulos editados entre nós, ou nos Estados Unidos, como é o caso já referido de Diana Marcum, mas também a poesia de Pedro da Silveira no olhar de George Monteiro, a poesia de Lara Gularte, ou ainda do livro Sonhos à Solta: Rostos da América organizado por Francisco Henrique Dinis e José do Couto Rodrigues, este livro segundo nos diz Vamberto “(…) passa a ser uma das nossas mais eloquentes fontes sobre a vida quotidiana e da imaginação do nosso povo na distante Califórnia. (…)”.
E a propósito do nosso povo e do seu imaginário não resisto a ler-vos um poema de Pedro da Silveira, do qual Vamberto diz serem os cinco versos mais citados da sua geração.

Só isto:
O céu fechado, uma ganhoa pairando.
Mar. E um barco na distância:
olhos de fome a adivinhar-lhe à proa
Califórnias perdidas de abundância.

Depois desta sublime síntese sobre a ilha e os ilhéus que a geografia e a história colocaram a meio canal entre a Europa e América, onde as elites olhavam para Oriente e o povo para Ocidente, e, para que se compreenda toda a amplitude da análise de Vamberto Freitas vou socorrer-me de uma frase sua, página 16, do ensaio que fez sobre o Amanhã Não Existe, de Urbano Bettencourt. “(…) Ler Urbano é perceber como a partir de pequenas ilhas se universaliza uma escrita, a condição humana nas suas versões cercadas de mar por todos os lados, mas em viagem perpétua nas mais inesperadas ou longínquas geografias literárias e culturais. (…)” 

E é isto. Como é que se explica que, por aqui, nestas ilhas dispersa no Atlântico Norte, a produção literária tenha esta dimensão que nos liberta.
Talvez seja o Mar, Não sei. Mas sim, talvez seja o mar e a pequenez da terra polvilhada por uma vasta área oceânica, Talvez. Mas é certamente tudo isso e mais as gentes que a Lava pariu e se miscigenou com o Mundo.
Perdoem-me este devaneio e a incursão por territórios que não seu meus. Nesta sala estão algumas personalidades que podem, sustentadamente, dissertar sobre as razões que estão na origem de tamanha produção literária nos Açores e sobre os Açores. Produção literária que se projeta pelo país e pelo Mundo.

Não é possível, nem sequer aconselhável, aludir nesta apresentação todas as recensões, ensaios e crítica literária que Vamberto Freitas reúne no borderCrossings 5. Ainda sobre o primeiro tópico que, no essencial, abarca as publicações de autores açorianos que aqui residem, com as exceções já referidas, apenas a menção à revisitação, agora e sempre, de Adelaide Freitas, mas também a Gregory Rabassa. Duas personalidades, por razões diversas, sempre presentes no espírito e nas palavras de Vamberto. Da mesma forma que Nancy T. Baden, Michael Holland e William Koon, seus professores na Universidade onde fez os seus estudos na Califórnia, nunca são esquecidos, nos escritos e nas conversas que Vamberto partilha com quem o lê e com quem o ouve, seja nos fóruns literários, seja na informalidade da mesa de um café, de preferência com esplanada.
Vamberto Freitas é hoje um reconhecido especialista em literatura portuguesa porque num dia, já distante, no Oeste americano Nancy Baden o orientou para leituras de expressão portuguesa. E o Vamberto como é público e notório, nunca se esquece de a mencionar como a sua principal mentora. Aqui não posso deixar de voltar às palavras de Vamberto, “(…) Lembremos sempre quem nos fez bem, e faremos o mesmo aos outros. (…)”. Esta é a herança que o Vamberto carrega consigo e que não se cansa de transmitir quando escreve e quando fala.

O segundo tópico, De todas as Diásporas, é dedicado ao ensaio e à literatura escrita em português, ainda que nem todos os autores residam em Portugal, como é o caso de Onésimo Teotónio de Almeida que vive em todo o lado (sei que o sentido de humor que carateriza o Onésimo encaixará bem a expressão que acabo de utilizar). Vamberto abre, porém, duas exceções. David Grossman e Amos Oz, escritores israelitas que têm uma visão multilateral do conflito entre o estado judaico e o estado palestiniano facto que para além da qualidade literária, justifica a sua inclusão neste tópico, e, por outro, lado encaixa no que à pouco referi, e lembro, O seu trabalho e a sua obra não têm fronteiras culturais, nem está eivada de qualquer visão redutora da literatura.

Antes de fechar a apreciação a este tópico, também eu abro uma exceção e refiro uma das obras e o seu autor. KNK, de Luis Filipe Sarmento para exemplificar o efeito que este volume e todos os que o precederam provocam em mim e, estou certo disso, nos seus leitores e alunos. Ao ler a recensão do aludido livro para além de ficar a conhecer melhor este autor, cresceu em mim o desejo de ler KNK, mas não só, a vontade amplia-se, e outros títulos do autor são objeto do meu interesse. Muito desse despertar para, em breve, ler KNK fica a dever-se ao que Vamberto diz sobre seu autor: “(…) São estes os chamados escritores “malditos”, repita-se, nas mais variadas literaturas, os que dizem em voz alta ou serena as misérias que todos vivemos ou sentimos nos espaços sem convivência. (…)” e mais à frente, “(…) Serão estes, digamos também assim, os escritores que no futuro passam de uma certa marginalidade para o centro do cânone. (…)”.
E como sabemos e conhecemos isto acontece, tem acontecido, e em Portugal os exemplos são vários. Como dizia, quando Vamberto faz as suas apreciações literárias fornece aos leitores um conjunto de informação e opinião que, por ser, especializada nos conduz na descoberta de velhos, novos e escritores malditos.

Para não dizer que não falei do terceiro tópico, A América de Todos e de Ninguém, deixo-vos a lista de autores sobre os quais pendeu o olhar de Vamberto. Clara Ferreira Alves, Sinclair Lewis, Philip Roth, Richard Zimler, Bob Woodward e Jonathan Franzen. Perguntarão porquê Clara Ferreira Alves, eu também me perguntei, mas como o livro recenseado tem por tema os Estados Unidos, encontrei aí a justificação.
As leituras de borderCrossing, seja este volume 5, sejam os que o precederam têm sido, para mim uma grande utilidade e, sobretudo, uma fonte inesgotável de aprendizagens e de conhecimento. A coleção de livros border Crossings/leituras transatlânticas tem um amplo público destinatário. Desde logo os leitores comuns que gostam de estar informados do que, em termos literários se vai produzindo, um pouco por todos as geografias culturais, mas também os estudantes que se iniciam, ou se especializam em literatura, tenha elas a forma que tiver, mas também se destinam aos escritores consagrados e aos próprios editores. Eu diria que ler borderCrossings/leituras transatlânticas é, assim, como fazer a leitura das leituras.

Julgo que talvez agora se compreenda melhor o que disse na primeira parte desta intervenção.
Vamberto Freitas é, se me permitem, uma verdadeira instituição de utilidade pública para a literatura. O seu trabalho e a sua obra não têm fronteiras culturais, nem está eivada de qualquer visão redutora da literatura.

(*) Texto que serviu de base à apresentação de borderCrossings (volume 5), de Vamberto Freitas, na Livraria Letras LAVAdas, Ponta Delgada, 23 de Novembro de 2019.
Foi publicado no Portuguese Tribune e no Diário Insular.

sábado, 1 de fevereiro de 2020

adufeiras guerreiras - a abrir Fevereiro






Bonitas são as mulheres que lutam.
Todos conhecem as adufeiras da Beira Baixa.
Mas talvez não saibam da luta contra a exploração mineira na Serra da Argemela (no coração da Beira Baixa).









Este pequeno vídeo mostra as “adufeiras guerreiras” que se uniram para uma ação de luta contra a exploração mineira na Serra de Argemela.
Aqui NÃO.


Aqui fica a ligação para um pequeno artigo sobre o assunto.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020