domingo, 11 de agosto de 2024

CineAvante - o cinema na FESTA

"O Cinema assume-se cada vez mais como uma presença incontornável na Festa do Avante! mostrando o que de melhor se faz em Portugal na área da ficção e do documentário, em longas e curtas-metragens. Os filmes de animação para os mais pequenos têm um lugar de destaque na programação. A presença dos realizadores em conversas com o público são momentos de insubstituível encontro, num belo espaço de cinema ao ar livre, junto ao lago."

programa 2024





quarta-feira, 7 de agosto de 2024

jogos de verão

imagem retirada da internet
Os Jogos Olímpicos (JO) têm dominado, naturalmente, as agendas noticiosas e as publicações nas redes sociais. Posso até estar errado, porém, fico com a sensação de que os “jogos” perderam relevância desportiva e se acentuou a exposição de aspetos pouco ligados à importância que já tiveram a nível mundial. Não estou a retirar-lhes valor, mas o espírito e a tradição olímpica da era moderna perderam-se algures no tempo. Dir-me-ão que as diferenças resultam da evolução tecnológica, cultural, social e política que caraterizam o nosso tempo e, sem qualquer ironia, quem assim pensa e o afirma está carregado de razão pois, como qualquer outro evento com projeção mundial acompanha as alterações que ocorrem nas sociedades. Posso ter algumas dúvidas, e tenho, sobre o caminho que estamos a trilhar, mas os efeitos desta “evolução” fazem-se sentir, não só, mas também, nos JO.

Algumas semanas antes dos JO terem o seu início e em conversa informal expressei a ideia de que esta edição parisiense tinha tudo para correr mal, desde logo para os habituais residentes na cidade. Pode até nem tudo estar a correr mal, e não está, mas esta edição dos JO deixa muito a desejar e trazem-nos à memória outras edições, como por exemplo Barcelona, em 1992. Um excelente espetáculo de abertura, uma organização exemplar e onde não se verificaram boicotes nem exclusões, facto que não se verificava desde 1952, nos jogos de Helsínquia. Para Portugal não foram os melhores dos JO, isto se a avaliação se reduzir às medalhas e classificações, mas não retira mérito aos jogos de Barcelona, nem à representação portuguesa.

imagem retirada da internet

Não tenho dons premonitórios. A opinião que formulei e que anteriormente referi foi construída com os alguns factos que foram vindo a público durante a fase preparatório dos JO e faziam prever que estavam criadas condições para que a edição de Paris 2024 não fosse um exemplo de organização, de bem estar para os atletas e de desportivismo e, assim tem sido. Os JO de Paris 2024 foram apresentados com um conjunto de “boas intenções”, mas como sabemos de “boas intenções está o inferno cheio” e, em bom rigor, o legado de Paris 2024 não passará disso mesmo, um conjunto de “boas intenções” como o decorrer dos jogos tem vindo a demonstrar. Este texto é de opinião e, como tal escuso-me a referir factos que todos conhecem por terem tido ampla cobertura noticiosa, nem sempre com muito rigor, também é verdade. Ou seja, nesta minha precoce apreciação da edição dos JO de Paris não me cinjo aos casos que mais se mediatizaram (ou viralizaram) que, sendo importantes, não são tudo e cabe, em primeira instância, às autoridades que supervisionam e dão aval à organização promover uma reflexão e discussão que tenha como resultado o retorno ao espírito e à tradição olímpica da era moderna. Não é fácil evitar atitudes individuais que mancham os jogos, sempre se foram verificando ao longo da história, mas outras há que deviam e poderiam ser evitadas se a organização não se tivesse ficado apenas pelas “boas intenções” e o Sena continuasse em más condições para ser utilizado como palco de algumas provas. É justo que se diga que dos JO de 2024 se conhecem algumas estórias que são exemplos de superação individual, mas que carregam um significado que vai muito além das personalidades que as protagonizaram. Ficam dois exemplos de entre muitos outros: a brasileira Valdileia Martins (salto em altura), e a argelina Kaylia Nemour, nascida francesa, mas dispensada pela federação francesa da modalidade.   

foto de Aníbal C. Pires

Não tenho por hábito abordar várias questões no mesmo texto de opinião, tem havido algumas exceções, hoje será mais uma e é, em si mesmo excecional pois, tinha uma espécie de compromisso comigo de não voltar a emitir publicamente apreciações relacionadas com transportadora aérea regional. Ao longo dos últimos anos publiquei nos jornais e tomei posição, noutros palcos, sobre a importância da SATA enquanto instrumento estratégico para a Região e, como tal, deverá continuar no domínio exclusivamente público, quando assim não for deixará de cumprir a sua principal função: unir os Açores e garantir a mobilidade dos açorianos. Esta minha posição de princípio não me inibe, nem nunca inibiu, de tecer críticas às suas opções e à sua gestão. Opções e gestão quase sempre com interferência do poder político executivo que foi queimando conselhos de administração por conta dos seus próprios erros. E se isto é verdade atualmente é-o para os últimos governos do PS que antecederam o governo da coligação de direita que governa ou desgoverna, conforme o ponto de vista, a Região.

A nomeação de um novo Presidente do Conselho de Administração (PCA) e dos seus companheiros de estrada não é, só por si, a razão que me motiva a tecer as breves considerações que se seguem sobre a SATA, o que me motiva são as declarações proferidas pelo PCA e algumas decisões entretanto anunciadas como sendo desta nova equipa, mas que pelos seus contornos só poderão ter resultado de decisões do Governo regional. A novidade é mesmo a criação de um Conselho Estratégico, aliás estava publicamente sugerido e pedido, como se a criação de um “senado” para a SATA fosse a panaceia para todos os males de que sofre este grupo empresarial público.

foto de Aníbal C. Pires
S
obre a personalidade nomeada para a PCA da SATA nada tenho a dizer, sei que as pessoas são importantes, mas relevante mesmo é o que vão executar e como o vão fazer. As primeiras declarações do Dr. Rui Coutinho, em sede de audição na Comissão de Economia da ALRAA, serviram para se perceber que o novo PCA pouco ou nada tem a dizer sobre o futuro da SATA. Refugiou-se no passado e, ainda assim, não foi claro na identificação dos responsáveis por aquilo que caraterizou como “má gestão na companhia aérea durante muitos anos” e diz ainda “não querer mais aviões como o Cachalote”, como se isso estivesse em causa. Foi-se repetindo quanto aos erros do passado cometidos por diversos responsáveis, sem nunca ter identificado os erros e os responsáveis, mas afirmou que quer “salvar a SATA”, ficou por dizer como o vai fazer, sabendo-se que o futuro da SATA depende das decisões do acionista (povo açoriano/Governo regional) e não do PCA.

As declarações de Rui Coutinho no que diz respeito ao futuro, para além de lugares-comuns como: i) reduzir ACMIS e aumentar a receita no mercado dos voos charters, durante o inverno IATA; ii) “acabar” com as rotas deficitárias (resta saber quais); iii) ganhar eficiência; e iv) reduzir custos (fechar lojas); isto de entre outras propósitos, sendo que o encerramento das lojas nos espaços urbanos, está já em fase de execução.

Apesar do contexto, ou talvez por isso, as declarações sendo circunstanciais são-no, também preocupantes pois, o Dr. Rui Coutinho não disse nada que a tutela não lhe tivesse encomendado. Veja-se a solução e a celeridade da decisão sobre o encerramento das lojas e a sua passagem para a RIAC, isto só foi possível com o aval e a intervenção do Governo regional. A responsabilidade por todos os custos sociais, mas também económicos desta medida têm um autor material, mas ninguém tenha dúvidas que a decisão foi política. As responsabilidades devem ser assacadas ao Governo regional, enquanto autor intelectual, o PCA é apenas o testa de ferro desta decisão cujos efeitos na saúde financeira do Grupo SATA nem um paliativo chega a ser. O aumento do tarifário e falamos da tarifa de residente (134 euros). Aumentar esta tarifa no contexto conhecido de passagens a ultrapassar os 800 euros é penalizar os açorianos e aliviar financeiramente o Estado, por outro lado pouco tem a ver com o aumento da receita pois, o valor médio de uma passagem de ida e volta aos Açores já é superior aos 134 euros, ainda que desde 2015 não se tenha verificado nenhum aumento no valor da tarifa de residente. Depois, bem depois será a execução do plano de reestruturação imposto por Bruxelas, a privatização da maioria do capital social e o fim da SATA. 

Ponta Delgada, 6 de agosto de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 7 de agosto de 2024

terça-feira, 6 de agosto de 2024

estórias à margem

Valdileia Martins . Imagem retirada da internet

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.







Kaylia Nemour - imagem retirada da internet
(...) Ou seja, nesta minha precoce apreciação da edição dos JO de Paris não me cinjo aos casos que mais se mediatizaram (ou viralizaram) que, sendo importantes, não são tudo e cabe, em primeira instância, às autoridades que supervisionam e dão aval à organização promover uma reflexão e discussão que tenha como resultado o retorno ao espírito e à tradição olímpica da era moderna. Não é fácil evitar atitudes individuais que mancham os jogos, sempre se foram verificando ao longo da história, mas outras há que deviam e poderiam ser evitadas se a organização não se tivesse ficado apenas pelas “boas intenções” e o Sena continuasse em más condições para ser utilizado como palco de algumas provas. É justo que se diga que dos JO de 2024 se conhecem algumas estórias que são exemplos de superação individual, mas que carregam um significado que vai muito além das personalidades que as protagonizaram. Ficam dois exemplos de entre muitos outros: a brasileira Valdileia Martins (salto em altura), e a argelina Kaylia Nemour, nascida francesa, mas dispensada pela federação francesa da modalidade. (...)   

Leila Khaled - a abrir agosto


Leila Khaled
a abrir agosto.

Lindas são as mulheres que lutam.


quarta-feira, 24 de julho de 2024

quando o rosmaninho florir

foto de Aníbal C. Pires

O regresso às raízes tem sido de curta duração e, com o passar do tempo, cada vez mais espaçado. Continuo a ir, cada vez menos, mas vou.  Persisto em regressar à região onde nasci e cresci. Os retornos são cada vez mais esporádicos, mas a ligação umbilical subsiste. As memórias e os afetos, por muito tempo que tenha passado desde quando ganhei asas e voei, permanecem apesar das raras idas e do pouco tempo que por ali permaneço. 

O afastamento geográfico e a passagem do tempo não nos despojam das lembranças e das pessoas que nos marcaram na infância e juventude, a não ser que queiramos esquecer, mas eu não quero olvidar e procuro manter bem viva a celebração dos lugares que calcorreei na minha infância e juventude e as gentes com quem me fui cruzando, as que me são mais próximas pelas ligações familiares, mas também de amizade, ou mesmo com quem partilhei efémeros, mas inolvidáveis, momentos. Estas ligações afetuosas com os lugares e gentes da minha infância e juventude fazem parte do sujeito que sou. A minha construção pessoal está alicerçada na geografia beirã e na cultura do povo que teima em preservar os seus costumes, apesar das vagas de massificação que, como noutros lugares e regiões, tendem a uniformizar o pensamento e os modos de vida.

Quando regresso e acontecem os reencontros com familiares e amigos, por muito tempo que se tenha passado, e por vezes passa muito, é como se nunca tivesse partido, é como sempre tivesse estado por ali. As afinidades aproximam-nos a conversa flui e usufruímos intensamente dos momentos presentes de partilha. Recordamos, mas não nos amarramos ao passado há sempre futuro no horizonte e compromissos que se renovam como se fossem uma garantia de novos encontros para alimentar memórias e reforçar vínculos.

foto de Aníbal C. Pires
Há uma herança cultural que nos une e nos identifica, o tempo e o distanciamento, sendo importantes, não se constituem como barreiras comunicacionais, o que nos junta é inabalável, ou não fossem os laços que nos ligam ancorados pela peculiar cultura que nos é comum.

Os antigos vínculos com as gentes os seus costumes e vivências deixam marcas indeléveis e os regressos acontecem, mesmo sabendo que os lugares se transformaram e que nem todas as pessoas ainda por ali estão. O tempo tudo transforma e a vida cumpre o seu ciclo, mas o tempo não apaga a memória das gentes e do que elas significaram, ou significam, para cada um de nós, por isso, dizemos quando nos perguntam quando regressamos aos lugares de infância: Onde vais? Vou à terra.

A cada ano são mais penosas as minhas viagens ao interior continental. Sim, é a idade, sim, são os baixos índices de humidade, sim, são as amplitudes térmicas, sim, é o abandono, sim é a desertificação e o envelhecimento. Se a baixa humidade relativa do ar e as temperaturas, provocam algum desconforto, sim, é verdade, mas o que verdadeiramente me inquieta é o abandono deste território e deste povo. 

O abandono, mas também as opções políticas ditadas por distantes centros de decisão e a voracidade do capitalismo que transformam a paisagem física e humana. Os antigos olivais e vinhas foram paulatinamente abandonados, não há quem cuide destas culturas, dando lugar à cultura intensiva, com os custos ambientais, sociais e económicos conhecidos. Opções que empobrecem os solos e as gentes e enricam poderosos grupos económicos. Dizem que é o progresso, até pode ser, mas matar a alma aos lugares é dar continuidade à desertificação que o discurso do poder diz querer combater.

imagem retirada da internet

Refiro frequentemente a cultura do olival e da vinha, sem esquecer a floresta e os produtos frutícolas e hortícolas, mas também a pecuária e, por conseguinte, a produção de um queijo de sabor, consistência e odor inconfundíveis e únicos. A minha insistência na cultura da vinha e do olival não surge por acaso. A existência de inúmeras “lagariças” onde se produziu vinho, mas também azeite, pelo menos no período da presença árabe no Sul da Península Ibérica (Al-Andalus) e até ao aparecimento dos lagares, são testemunhos da importância destas culturas na região. As “lagariças” deram lugar aos lagares, muitos deles em ruínas. Subsistem alguns ligados aos grandes grupos económicos e outros, fruto da persistência e resistência de alguns produtores que teimam em manter a qualidade e a excelência do azeite beirão.

Atormenta-me a substituição da agricultura extensiva pela produção intensiva, perturba-me a instalação de hectares de painéis solares em solos agrícolas. Percebo as preocupações ambientais, mas este é, apenas, mais um equívoco, como foi o biodiesel, ou como são os carros elétricos. Os ambientalistas talvez fiquem satisfeitos com esta conformação do capital às “exigências” de grupos de defesa do ambiente, mas não me parece que a agricultura intensiva, a inutilização de grandes áreas agrícolas para instalação de painéis solares, ou a transição para a mobilidade elétrica individual/familiar se relacione diretamente com sustentabilidade ambiental que todos desejamos e da qual depende, em última instância, a nossa sobrevivência. 

imagem retirada da internet
As culturas intensivas não são de hoje, a paisagem beirã transformou-se com o desaparecimento de grandes manchas florestais de pinheiro-bravo para dar lugar à cultura intensiva de eucalipto com os efeitos perniciosos que todos conhecemos, sem que houvesse força e vontade bastante para o evitar. Dessa opção continuamos, ano a ano, a pagar muito caro, seja pela proliferação de incêndios florestais seja pela destruição dos solos e pelo esgotamento dos aquíferos.

A coesão social e territorial não rima com opções que visam apenas e só o lucro de curto prazo ou de soluções para a produção de energia “limpa” que inutilizam os solos. Ainda assim há pessoas que teimam em ficar e preservar o património paisagístico e cultural contrariando as decisões tomadas em distantes e artificialmente aclimatados gabinetes, sejam eles em Lisboa, Bruxelas ou mesmo Washington, como recentemente se tem verificado.

imagem retirada da internet

Não seria necessário referenciar que estive de visita “à terra”. Que convivi durante alguns dias com um povo que é, como diz a canção, como o granito: “bem rijo e moreno”; e senti o pulsar dos lugares dos quais se diz: “onde nascem as oliveiras os homens não morrem”. Desta vez não foi apenas ir, foi estar. E foi bom apesar de todos os lamentos que fui referenciando ao longo do texto. As insistências para regressar mais de amiúde e estar mais tempo foram muitas e não tive como não deixar o compromisso de regressar brevemente e estar para além de uma fugidia visita, e assim deveria ser não fosse a baixa humidade relativa do ar e a variação da temperatura ao longo do ano. Agora que estou no Outono da vida irei na Primavera quando os rosmaninhos florirem.

Palvarinho, 19 de julho de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular 24 de julho de 2024

terça-feira, 23 de julho de 2024

inquietações

imagem retirada da internet

Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) Refiro frequentemente a cultura do olival e da vinha, sem esquecer a floresta e os produtos frutícolas e hortícolas, mas também a pecuária e, por conseguinte, a produção de um queijo de sabor, consistência e odor inconfundíveis e únicos. A minha insistência na cultura da vinha e do olival não surge por acaso. A existência de inúmeras “lagariças” onde se produziu vinho, mas também azeite, pelo menos no período da presença árabe no Sul da Península Ibérica (Al-Andaluz) e até ao aparecimento dos lagares, são testemunhos da importância destas culturas na região. As “lagariças” deram lugar aos lagares, muitos deles em ruínas. Subsistem alguns ligados aos grandes grupos económicos e outros, fruto da persistência e resistência de alguns produtores que teimam em manter a qualidade e a excelência do azeite beirão.

Atormenta-me a substituição da agricultura extensiva pela produção intensiva, perturba-me a instalação de hectares de painéis solares em solos agrícolas. Percebo as preocupações ambientais, mas este é, apenas, mais um equívoco, como foi o biodiesel, ou como são os carros elétricos. Os ambientalistas talvez fiquem satisfeitos com esta conformação do capital às “exigências” de grupos de defesa do ambiente, mas não me parece que a agricultura intensiva, a inutilização de grandes áreas agrícolas para instalação de painéis solares, ou a transição para a mobilidade elétrica individual/familiar se relacione diretamente com sustentabilidade ambiental que todos desejamos e da qual depende, em última instância, a nossa sobrevivência. (...)


sábado, 13 de julho de 2024

notas da época estival

foto de Aníbal C. Pires
Os assuntos do momento, para além das temperaturas do ar e do mar, da humidade relativa, dos dias mais ou menos ensolarados, das festas, que divertem, mas também matam, centram-se, ainda, na participação da seleção portuguesa no europeu de futebol, em particular se o Cristiano Ronaldo deveria ter sido, ou não, selecionado e a opção pela sua utilização a tempo inteiro, incluindo os períodos suplementares nos dois últimos jogos, os resultados da eleições inglesas e francesas e o circo eleitoral nos Estados Unidos, o relatório sobre o incêndio do HDES, a nomeação de um novo presidente para o Conselho de Administração da SATA e a criação de um Conselho Estratégico, este último por encomenda expressa nos jornais da Região e, ainda e sempre, o turismo: a atual galinha dos ovos de ouro, como já houve outras, cujos ciclos de postura que, naturalmente, chegam ao fim.

Temas não faltam a quem, como eu, vai partilhando opinião e, tentando promover reflexão, no espaço público regional. Apesar da proliferação de assuntos, todos eles interessantes e alguns de grande importância para o nosso bem-estar comum, julgo que dos que enunciei e de todos os que ficaram por referir, igualmente relevantes, vou apenas fazer tecer algumas considerações sobre o europeu de futebol e, quiçá sobre os resultados eleitorais no Reino Unido e em França, mas também do circo eleitoral estado-unidense. 

Comprometo-me, desde já, a fazer um esforço acrescido no controle do correr da pena, embora, de tanto contrariar os impulsos naturais esteja há algum tempo com uma incómoda tendinite que dificulta, ainda mais, o livre exercício da escrita ou, melhor dizendo: vou ter em devida conta os condicionalismos da época estival que aconselham temas e refeições ligeiras e a devida manutenção do estado de hidratação, aconselhado em todas as épocas do ano para não me sujeitar às consequências que daí podem advir.

foto retirada da internet

Acompanho o fenómeno futebolístico à distância. As razões que me afastam do futebol relacionam-se com o facto de se praticar pouco desporto e se comentar em demasia, mas também por este “desporto” ser cada vez mais espetáculo e cada vez menos desporto e ser cada vez mais uma indústria financeira, por vezes, com contornos pouco claros. Como não acompanho com proximidade é-me difícil qualquer comentário que não vá além do óbvio, ainda que possa ir contra a corrente dominante dos muitos entendidos que têm vindo a público opinar sobre as opções do selecionador nacional, em particular, sobre a utilização de Cristiano Ronaldo. Não tenho como contrariar a opção de Martinez pois, ele é que conhece jogadores e o seu potencial físico e técnico, por outro lado, e isto é um facto não é uma opinião Cristiano Ronaldo na época de 2023/2024 fez todos os jogos da sua equipa, o Al-Nassr da Arábia Saudita e marcou mais de 50 golos, o que dá uma média superior a um golo por jogo disputado. Destes factos resulta que, em minha opinião, não existem motivos plausíveis, apesar dos 39 anos de Cristiano Ronaldo, para que a opção do selecionador não fosse a de aproveitar o facto de no plantel ter um jogador com as caraterísticas do madeirense que tantas alegrias deu aos adeptos portugueses.

As discussões em torno do assunto têm sido apaixonadas e para todos os gostos, não vale a pena, sequer, tentar rebater as alegações mesmo considerando que muitas das opiniões não estão devidamente fundamentadas, resultam das emoções do momento e não têm sustentação. Há, no entanto, um argumento sobre o qual valerá a pena alguma reflexão e que se corresponder, no todo ou em parte, à razão pela qual Cristiano Ronaldo fez parte da seleção e jogou todos os jogos deveria ser esclarecida. Li algures por aí que a presença de Ronaldo na seleção portuguesa e a sua participação integral em todos os jogos se deve aos valores contratuais e, consequentes, receitas astronómicas que a Federação Portuguesa de Futebol arrecada devido à presença do CR7. Esta “teoria” faz algum sentido face à imagem mundial do capitão da seleção portuguesa, afinal nenhum outro jogador, no mundo, tem a projeção de Cristiano. Se isto tem alguma coisa a ver com desporto, Não. Se o futebol profissional deixou, há muito, de ser uma competição desportiva para se transformar num enorme conglomerado financeiro, não é novidade. Esta foi uma das razões que me levou a afastar do futebol e a fazer afirmações como a que abriu este tema e da qual o leitor ainda estará recordado.

Da eliminação de Portugal pela França procurei encontrar algo de positivo e encontrei. Marine Le Pen, durante o período que antecedeu a segunda volta das eleições francesas, afirmou que não se revia nesta seleção francesa, os eleitores e jogadores franceses deram-lhe uma resposta que, estou certo, lhe provocou muita azia e amargos de boca. Não posso deixar de dizer que fiquei satisfeito, não com a derrota de Portugal, mas com a vitória da esquerda nas eleições francesas.

Sobre as eleições em França muito mais poderá ser dito, mas fico-me apenas pela azia da senhora Marine Le Pen, o que me parece suficiente. 

Os resultados das eleições no Reino Unido também foram interessantes, os trabalhistas (uma espécie de PSD/PS na versão britânica) obtiveram uma vitória esmagadora (412 deputados eleitos) sobre os conservadores (121 deputados eleitos) que exerceram o poder durante os últimos catorze anos, sendo que há muito tinham perdido a legitimidade democrática, ou seja, desde a demissão de Boris Johnson que os conservadores se mantiveram no poder sem terem sido sujeitos ao veredito popular, mas como se trata de um dos “faróis da democracia” ninguém colocou em causa este facto.

Numa abordagem superficial aos resultados eleitorais no Reino Unido e em França poderá afirmar-se que se verifica uma tendência que contraria a ascensão da extrema-direita, o que significa que as lutas destes povos tiveram alguma tradução eleitoral, mas não significa, de todo, uma alteração substantiva das políticas internas e externas destes dois países, embora em França, se vier a concretizar-se um governo da Frente Popular, as alterações que vierem daí a advir poderão contribuir para inverter o rumo neoliberal e belicista que caraterizou a política interna e externa francesa nos últimos anos. Os resultados eleitorais não conferiram maioria absoluta à Frente Popular e a solução governativa está por definir. Resta-nos, pois, aguardar pela constituição do novo governo francês ou, não havendo entendimentos, por um novo ato eleitoral.

Por fim uma ou duas considerações sobre o circo eleitoral nos Estados Unidos que se centra apenas em dois de vários candidatos. É sabido que as possibilidades dos candidatos fora da esfera dos republicanos e dos democratas serem eleitos é quase nula. A arquitetura eleitoral e o financiamento dos candidatos são, apenas, duas das variáveis que inviabilizam que qualquer outro candidato possa chegar à Casa Branca, mas seria interessante que a comunicação social nos desse conta da sua existência o que valorizaria o debate político e, por outro lado evitava o triste espetáculo dos debates entre dois ineptos que, pensando o mesmo, se digladiam com insultos e conteúdos acessórios.

Ponta Delgada, 9 de julho de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 10 de julho de 2024

quarta-feira, 10 de julho de 2024

amargos de boca

imagem retirada da internet




Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.







(...) Da eliminação de Portugal pela França procurei encontrar algo de positivo e encontrei. Marine Le Pen, durante o período que antecedeu a segunda volta das eleições francesas, afirmou que não se revia nesta seleção francesa, os eleitores e jogadores franceses deram-lhe uma resposta que, estou certo, lhe provocou muita azia e amargos de boca. Não posso deixar de dizer que fiquei satisfeito, não com a derrota de Portugal, mas com a vitória da esquerda nas eleições francesas.

Sobre as eleições em França muito mais poderá ser dito, mas fico-me apenas pela azia da senhora Marine Le Pen, o que me parece suficiente. 

Os resultados das eleições no Reino Unido também foram interessantes, os trabalhistas (uma espécie de PSD/PS na versão britânica) obtiveram uma vitória esmagadora (412 deputados eleitos) sobre os conservadores (121 deputados eleitos) que exerceram o poder durante os últimos catorze anos, sendo que há muito tinham perdido a legitimidade democrática, ou seja, desde a demissão de Boris Johnson que os conservadores se mantiveram no poder sem terem sido sujeitos ao veredito popular, mas como se trata de um dos “faróis da democracia” ninguém colocou em causa este facto. (...)


sexta-feira, 5 de julho de 2024

Dias assim

foto de Aníbal C. Pires
O Verão está instalado, ainda que o tempo meteorológico, por vezes, nos faça duvidar. Mas não há como negá-lo, as festas estão aí a acompanhar o calendário e, pouco importa o resto, seja o recrudescimento do Covid 19 e a incapacidade de resposta do Serviço Regional de Saúde, desde logo devido ao incêndio do HDES, para responder a este surto que está a levantar algumas preocupações entre a população e alguns profissionais de saúde que não fazem do alarmismo a sua especialidade. Quem não parece apreensivo com a atual situação é o governo regional, ou se está, ainda não deu mostras disso. Importante mesmo são as festas, os turistas, os novos hotéis, restaurantes, tascas e tasquinhas. Depois se verá.

Não era bem assim que gostaria de ter iniciado este texto, mas nem sempre posso fazer o que gosto, ou seja, tenho de gerir as minhas emoções e equilibrá-las com a razão. Hoje a ideia era iniciar um ciclo de textos de Verão. Escritos leves e despreocupados como convém à época estival. Se voltarem ao início confirmarão que as primeiras palavras foram: “O Verão…”; a ideia era generosa e a vontade muita, embora não muito fácil de concretizar, aliás como se viu com o primeiro parágrafo. 

As minhas inquietações não se suspendem só por ser Verão e, compor textos adequados à época nem sempre é possível. Fácil nunca é, porém, vou tentar esquecer a Palestina, o República Democrática do Congo e a escalada bélica e armamentista alimentada artificialmente na opinião mediática do chamado “Norte Global”. 

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A loucura parece não ter limites e a inumanidade instalou-se nos países ditos civilizados que a tudo se permitem para continuar a usufruir de estilos de vida incompatíveis com a sobrevivência humana. Não deixa de ser surpreendente que as sociedades mais “informadas” e “formadas” de sempre não tenham capacidade para ler desconstruir a modelação de vontades induzidas pela corrente cultural e ideológica dominante (mainstream), e aceitem, sem questionar, por exemplo, a ideia construída de que os carros elétricos são amigos do ambiente. O que não é, de todo, verdade pois, só a construção de uma viatura deste tipo tem impactos sociais e ambientais devastadores, em particular a extração de cobalto, lítio e níquel para o fabrico das baterias, por outro lado se é verdade que o carro não emite gases de combustão, não é menos rigoroso afirmar que isso só corresponde à realidade se a energia elétrica for produzida integralmente a partir de fontes renováveis, não sendo assim a emissão de gases passa da estradas para as centrais térmicas, ou seja, a emissão de gases com efeito de estufa mantém-se. 

Os cidadãos podem até ficar bem com a sua consciência ao contribuírem para a sustentabilidade ambiental quando optam por um carro elétrico, mas não devem deixar de se questionar sobre a origem dos componentes das baterias, os impactos ambientais negativos que produzem, as condições de trabalho de quem extrai esses minérios e as fontes de energia que são utilizadas para a produção da eletricidade que carrega as baterias do carro. Nem tudo é tão linear e limpo como nos querem fazer crer.

A breve reflexão, sobre o contributo para a sustentabilidade ambiental que a transição dos carros de combustão para os carros elétricos, não pretende mais do que alertar para a forma como a publicidade nos vende “gato por lebre”, e para a importância de nos mantermos informados e, assim, menos permeáveis às agressões da propaganda, mesmo quando aliadas a “nobres” princípios.

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Não conheço bem a organização dos movimentos de “ativismo climático”. Partilho das suas preocupações, não apoio a forma como agem e considero muito redutora a forma com abordam as questões para a resolução do aquecimento global e as alterações climáticas. A mais recente ação de um destes grupos consistiu na pintura, com uma tinta laranja, do monumento megalítico de Stonehenge. A cor da tinta e a ação pode ter um profundo significado para o movimento que protagonizou a iniciativa, mas nem por isso deixou de ser um gratuito ato de vandalismo cujo efeito, para além do mediatismo, é nulo.

Não deixa de ser preocupante que estes movimentos do “ativismo climático” se recusem, conscientemente ou não, a ir à raiz do problema e sirvam, ou se deixem utilizar, como testas de ferro de interesses do momento. 

As questões ambientais não se resumem apenas à utilização dos combustíveis fosseis e, por conseguinte, à emissão de gases de estufa. Os modos de produção que induzem padrões de consumo estão relacionados com a voracidade do capitalismo, por outro lado a transferência da responsabilidade pela sustentabilidade ambiental para o domínio individual tem como objetivo a desculpabilização dos verdadeiros responsáveis. 

A luta pela sustentabilidade ambiental é indissociável da luta pela dignidade humana, ou como dizia Chico Mendes: - Ecologia sem luta de classes é jardinagem. 

Seringueiro, sindicalista, defensor dos povos da floresta, enquanto sujeitos históricos, e do uso sustentado da amazónia, Chico Mendes foi assassinado em 1988. 

Os assassinatos perpetrados contra ativistas socioambientais no Brasil são inúmeros, em 2005, foi notícia a morte, com vários tiros, de Dorothy Mae Stang, missionária católica, de origem estado-unidense e ativista na defesa da floresta e amazónica e dos seus povos.

A luta pela sustentabilidade ambiental não se esgota nas organizações que se constituem com essa finalidade. As organizações políticas que lutam contra o capital têm, na sua matriz ideológica, a defesa do meio ambiente, por outro lado os movimentos ambientalistas nem sempre são confiáveis pois, a permeabilidade a influências que não se compaginam com os seus objetivos e a dependência de apoios financeiros dos estados, empresas e fundações retiram-lhes, em minha opinião, alguma credibilidade.

imagem retirada da internet
A dinâmica dos movimentos sociais é importante e mobilizadora do exercício da cidadania. Veja-se, por exemplo, os movimentos em defesa da habitação, da identidade de género, da orientação sexual, da sustentabilidade ambiental. Qualquer destes movimentos sociais aglutina apoios, tem expressão pública e são, como já referi, importantes na mobilização de vontades. Os movimentos sociais não são uma novidade: as sufragistas, o movimento contra a segregação racial, os movimentos feministas, são apenas alguns exemplos da história dos movimentos sociais do século XX. Todos estes movimentos contribuíram para que em parte, ou no todo, a sua agenda identitária fosse resolvida e as leis discriminatórias fossem abolidas, contudo subsistem, no todo ou em parte, as razões que levaram ao seu surgimento e mobilização. As mulheres continuam a ser discriminadas, o racismo não sendo estrutural está presente nas sociedades ditas livres e democráticas e não precisamos sair do país para encontrar exemplos de discriminação das mulheres, ou de grupos humanos que são olhados como o “outro” e objeto de tratamento discriminatório.

Chegado ao fim tenho de confessar que a esta narrativa falta coesão e o correr da pena levou-me a saltitar, talvez abruptamente, de tema em tema sem que tivesse conseguido uma linha unificadora e lógica. As minhas desculpas aos leitores que conseguiram acabar a leitura e os meus respeitos pela coragem que demonstraram a percorrer este texto cheio de socalcos e desfiladeiros, quiçá alguns promontórios que vos obrigaram a voltar para trás. 

Há dias assim, em que o mais avisado é não resistir e deixar que aconteça. 

Ponta Delgada, 25 de junho de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 4 de julho de 2024

quinta-feira, 4 de julho de 2024

mulher afegã - a abrir julho

mulher afegã durante a revolução Saur
A Revolução de Saur, que ocorreu em 7 de abril de 1978 no Afeganistão. 
As transformações revolucionárias foram, porém, tendenciosamente suprimidas dos anais da sua história e da história mundial.

As motivações populares que levaram à revolução e as subsequentes alterações que se sucederam na sociedade afegã foram “apagadas” e distorcidas pela “intelectualidade” e pela historiografia.

Lindas são as mulheres que lutam.






mulheres afegãs em Cabul - anos 80
A revolução Saur libertou o povo afegão de um regime feudal e tribal e da interferência imperialista. 

Como qualquer outra revolução, também esta foi objeto de ações contrarrevolucionárias internas e externas. Os talibans são os herdeiros diretos da criação dos chamados “combatentes da liberdade”, ou “mujahedin”, financiados e equipados pelos Estados Unidos, no pressuposto da luta contra a presença do exército soviético no Afeganistão.

A revolução Saur acabou por ser derrotada e o poder no Afeganistão foi entregue aos talibans, com todo o retrocesso social, cultural, político e económico que se conhece.