quarta-feira, 26 de julho de 2023

identidade

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O torpor induzido pala estação quente e húmida, ao qual se pode aduzir que a generalidade dos meus concidadãos estão, como eu, a sofrer da mesma apatia, coloca-me muitas dificuldades na escolha dos temas que partilho neste espaço. Já o referi no último texto, mas hoje senti a necessidade de reforçar e voltar a partilhar com os leitores esta minha angústia. Não é fácil, conquanto não faltem assuntos que merecem a minha atenção e, certamente, a vossa.


Os resultados das eleições no reino de Espanha, a participação, pela primeira vez, da seleção portuguesa de futebol feminino na fase final do Mundial, que está a decorrer na Austrália e Nova Zelândia, os destinos de férias mais “in” ditados pelos influenciadores das redes sociais, o recorde do Guinness  da Maior Roda de Chamarritas do Mundo conseguido nos últimos dias na ilha do Pico, os interessantes resultados da cimeira EU – CELAC, a situação de conflito social e político no Peru, as manifestações contra o aumento do custo de vida no Quénia e a repressão dos manifestantes, a Maratona Literária promovida pela Editora Letras Lavadas em co-realização com a Câmara Municipal de Ponta Delgada, o prémio literário atribuído a Lídia Jorge, o continuado aumento dos juros de referência do Banco central Europeu e a incapacidade das famílias de os suportar, as festas e festivais que animam o Verão insular, as Jornadas Mundiais da Juventude, enfim a lista poderia prolongar-se por muito mais linhas, linhas suficientes para preencher este espaço e, ainda assim, não se esgotariam os temas. 

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Não faltam assuntos, uns mais interessantes que outros, é certo, uns mais outros menos apropriados à estação, mas a opção irá ser outra, embora a questão, ainda não referida, da “prisão flutuante” para migrantes que a Inglaterra contratou à Bibby Marine, com sede em Liverpol para abrigar imigrantes “ilegais” merecesse particular atenção, mesmo durante a estação quente e húmida. Deixo-vos apenas as referências suficientes para, querendo, poderem aprofundar o conhecimento sobre esta bizarra iniciativa. O navio chama-se Bibby Stockholm, tem estado (ou está) atracado no porto de Portland, Dorset, Inglaterra, e tem capacidade para “albergar” 506 pessoas. Uma nota final sobre este assunto: existem registos de ligações entre a empresa-mãe Bibby Line Group (BLG) e o comércio de escravos, no princípio do século XIX. Ao que parece os negócios com a indignidade humana estão no ADN da Bibby Marine.

A identidade açoriana é, bastas vezes, utilizada no discurso político como se fosse uma construção acabada. Não é! À semelhança da autonomia, da democracia e da liberdade, também a identidade açoriana necessita de ser cultivada e alimentada para se consolidar e constituir-se, em definitivo, como uma prática cidadã e um desígnio coletivo.

A história política e económica dos Açores demonstra qua a unidade regional, que se alicerça na identidade açoriana, nem sempre é uma história de harmonia e coesão, quantas e quantas vezes se perderam oportunidades devido a bairrismos irracionais que teimam em persistir, como teima em perdurar a competitividade e multiplicação de equipamentos e modelos, ao invés da complementaridade que atenda às singularidades de cada uma das nossas ilhas.

Construir uma identidade regional neste território pulverizado numa vasta área do Atlântico Norte e com as particularidades de cada uma das ilhas e do povo que as povoou, mas também com as ingerências administrativas externas do poder central, não é uma tarefa fácil. O poder autonómico não fez, e não faz, tudo o que deveria fazer para alicerçar a ideia de Região e foi alimentando os bairrismos replicando investimentos, alguns dos quais mais não servem do que nutrir os clientelismos eleitorais do momento. Levado ao extremo e caricaturando, no atual contexto pode muito bem acontecer a proposta de abertura de gateways no Corvo e na Graciosa.

A identidade regional estrutura-se e desenvolve-se, em minha opinião, nos seguintes pilares: i) a partilha de uma geografia comum, ainda que com o território e a população dispersa por nove ilhas; ii) a religiosidade; iii) a emigração; iv) os movimentos autonomistas; e, v) a Autonomia Constitucional.

O isolamento, a distância aos continentes, o abandono pelo poder central, a sismicidade e a atividade vulcânica moldaram nas gentes uma certa forma de ser e estar e, à margem da igreja católica, desenvolveu-se uma profunda religiosidade como sejam as “romarias quaresmais”, no essencial circunscritas à ilha de S. Miguel, mas é com culto ao “Divino Espírito Santo” que o homem açoriano, esteja onde estiver, se identifica com a sua mátria.

Como escreve Antonieta Costa em Festas em Louvor do Divino Espírito Santo, Tomar, Encontros Internacionais de Tomar, IV encontro Internacional de Tomar (1987): “As festas em louvor do Divino Espírito Santo são um gigantesco fenómeno de expressão cultural que galvaniza o arquipélago pelo Pentecostes, unificando-o em miríades de formas de dizer o mesmo.

Diferentes de ilha para ilha, de freguesia para freguesia, mas ainda assim iguais no seu aspeto nuclear, na sua intenção secreta, na sua mensagem dita e redita, ouvida e deturpada, refeita e reanalisada em cada ciclo do calendário.

É tão essencial à vida do açoriano esse confronto anual com a mensagem de revisão e avaliação dos seus valores mais elevados que para onde quer que vá, leva consigo esse mecanismo social adaptando-o às novas situações com que se depara e usando-o sempre com o mesmo fim, tão eficiente ele é no seu papel de transmissor de cultura.”

foto de Aníbal C. Pires
O culto ao “Divino Espírito Santo” assume-se como o principal pilar da construção da identidade açoriana. Não foi por acaso que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores consagrou legalmente a segunda-feira de Pentecostes como o Dia dos Açores.

À semelhança das “Festas do Espírito Santo” o fenómeno da emigração atravessa toda a sociedade açoriana, todas as ilhas, todas as freguesias viram os seus filhos partir na procura da concretização de sonhos e de melhores condições de vida.

Este fenómeno permitiu a formação de grandes comunidades açorianas no estrangeiro, particularmente significativas nos estados Unidos e no Canadá, onde a saudade da terra, a mesma origem geográfica e alguns aspetos culturais, apesar de oriundos de todas as ilhas do arquipélago, teve um efeito aglutinador que proporcionou um melhor conhecimento da terra distante e aproximou-os à volta de um sentimento comum: - do ser açoriano.

O processo que conduziu à criação da Região Autónoma dos Açores e à consagração da autonomia constitucional, embora tenha a sua génese nos movimentos autonomistas do último quartel do séc. XIX, resulta diretamente das transformações ocorridas em Portugal após a revolução de 25 de Abril de 1974. 

A Autonomia Constitucional é (deveria ser) suporte e instrumento para consolidar o processo de construção da identidade regional. Não tem cumprido cabalmente essa função. A ilha e o ex-distrito continuam a corroer a ideia de Região, sem a qual não há identidade regional.

Ponta Delgada, 25 de julho de 2023 

Aníbal C. Pires, In Diário dos Açores, 26 de julho de 2023

do tráfico negreiro a "albergue" de migrantes

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Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos




(...) Não faltam assuntos, uns mais interessantes que outros, é certo, uns mais outros menos apropriados à estação, mas a opção irá ser outra, embora a questão, ainda não referida, da “prisão flutuante” para migrantes que a Inglaterra contratou à Bibby Marine, com sede em Liverpol para abrigar imigrantes “ilegais” merecesse particular atenção, mesmo durante a estação quente e húmida. Deixo-vos apenas as referências suficientes para, querendo, poderem aprofundar o conhecimento sobre esta bizarra iniciativa. O navio chama-se Bibby Stockholm, tem estado (ou está) atracado no porto de Portland, Dorset, Inglaterra, e tem capacidade para “albergar” 506 pessoas. Uma nota final sobre este assunto: existem registos de ligações entre a empresa-mãe Bibby Line Group (BLG) e o comércio de escravos, no princípio do século XIX. Ao que parece os negócios com a indignidade humana está no ADN da Bibby Marine. (...)

sábado, 15 de julho de 2023

o moscatel está inocente

Foto de Aníbal C. Pires

O tempo é de férias. O calendário assim o dita, mas nem todos podemos, nem todos gozamos os merecidos dias de descanso anual quando as temperaturas e os longos dias de Verão a isso convidam. Seja por opção, seja por obrigação contratual, ou outras razões que o justifiquem. As férias no Verão não são para todos, embora o sentimento generalizado seja de algum desprendimento e alheamento da realidade. É como se de uma reação inata se tratasse para compensar e recuperar das violentas agressões mediáticas, sociais, políticas e profissionais a que estamos sujeitos ao longo do ano. 

Estando, ou não, de férias este é um tempo que convida a ir ao mar no fim da tarde ou pela manhã, conforme o gosto e a disponibilidade, calcorrear trilhos, a dedicar mais tempo aos amigos, a conversar sobre os festivais de Verão, sobre a sustentabilidade do destino turístico Açores, a procurar ler os livros que se foram acumulando nas prateleiras, ou podemos mesmo optar por não fazer, rigorosamente, nada; o que podendo parecer não será, dizem os entendidos, a melhor forma de repor energias e lavar a alma.

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Nunca é fácil, mas em julho e agosto é sempre mais espinhoso encontrar um tema que se acomode à estação, isto é, que não retire os leitores da letargia em que estão mergulhados, mas não seja, de todo, desinteressante. A ação individual e coletiva do Governo Regional e dos seus fiéis acólitos é uma fonte temática inesgotável sobre os quais se pode dissertar, alguns factos e decisões até são hilariantes não fossem os custos presentes e futuros que daí resultam, outros que pelo seu alcance colocam em causa a sustentabilidade financeira da Região, são dramáticos e por isso não se adequam à época estival, que se quer e deseja tranquila. Mas a principal razão pela qual não vou abordar questões da política regional é, no essencial, por entender que nem agora, nem no Outono, no Inverno, ou na Primavera, a ação governativa merece a minha atenção. Tenho opinião, mas não gasto o meu tempo a escrever sobre as imbecilidades políticas protagonizadas pelos departamentos governamentais e apoiadas pelos indefectíveis subsídio-dependentes do poder instalado (não me refiro aos beneficiários do RSI, esses merecem todo o meu respeito pois, são as vítimas do sistema). 

O tempo passa, as instituições ficam, os atuais protagonistas da coligação governamental, serão a seu tempo afastados, quando os eleitores manifestarem nas urnas o enfado e o descontentamento que expressam em surdina, não vá o diabo tecê-las se levantarem a voz. Sim, pois esta solução governativa conseguiu, em tempo recorde, instalar um clima de medo que os governos do PSD e o PS levaram mais de uma década a aparelhar, e ainda assim caíram, como este cairá ao que se julga e deseja, também, em tempo recorde, outubro de 2024 parece-me uma excelente data, se for antes tanto melhor. Sei que as generalizações são injustas e nem todos os titulares dos departamentos governamentais merecem o epíteto político que atribuí ao coletivo que forma o governo, mas a exceção que faço à Secretária da Educação e dos Assuntos Culturais, não da Secretaria que Sofia Ribeiro tutela, apenas confirma o que fica dito sobre o atual governo e os seus indefetíveis servos.

Os leitores, neste momento, se ainda se mantiverem por aqui, já perguntam: afinal vais escrever sobre o quê? E eu não tenho o que lhes responder e, não é aconselhável dizer-lhes que não sei, logo o melhor é deixar correr a pena que alguma coisa se vai amanhar, conquanto a situação, face a tudo o que já foi dito, se esteja a tornar cada vez mais penosa e o espaço escasseie para tratar de um qualquer assunto que me venha a ocorrer e que se enquadre no contexto da estação estival, isto é, possa ser aliciante e não obrigue o autor e os leitores a esforços desnecessários. 

Sou uma pessoa bem-humorada e bem-disposta, mas não fui fadado para escrever textos que provoquem o riso, ou mesmo um esboço de qualquer expressão facial e labial que se aproxime de um sorriso, se assim fosse poderia tentar descrever algumas histórias leves e bem-humoradas a que assisti ou, que eu próprio protagonizei. Seria, sem dúvida, uma excelente opção para amarrar os leitores ao texto e uma contribuição para manter os espíritos afastado das inquietações adiadas para setembro quando tudo voltar ao ritmo do ano escolar, do ano judicial e do ano político, ainda que nem as escolas e os tribunais estejam fechados, nem o exercício do poder político tenha suspendido a sua atividade para balanço.

Não sendo um humorista, como ficou a saber-se pela confissão feita no parágrafo anterior, também não sou “influenciador” (vulgo: influencer), apesar de ter perfis e publicações em diversas redes sociais, mas por prezar a liberdade e a diversidade de pensamento autónomo, não gosto de colonizar o gosto e a opinião dos meus concidadãos. Mais uma declaração de princípios a somar a outras que, por vezes, se podem encontrar dispersas nos textos que escrevo e partilho neste e noutros espaços.

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O senhor Presidente da República teve uma indisposição e desmaiou, naturalmente, esse incidente foi notícia. O estado de saúde do Presidente é do interesse de todos os portugueses, mesmo dos que nutrem pouco simpatia pela personalidade que atualmente desempenha o cargo. Já as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa foram descabidas ao atribuir ao “moscatel”, a causa da sua indisposição, por outro lado caberia à equipa médica que o assistiu, se fosse caso disso, qualquer nota sobre o estado clínico do presidente. Não sou produtor nem comercializo “moscatel”, ou qualquer outro tipo de bebidas espirituosas, mas se fosse tinha-me sentido prejudicado. A(s) causa(s) terão sido outras, o “moscatel” pode ter contribuído, mas a constatada desidratação e não ter almoçado, associada ao calor, à idade e ao histórico clínico, isso sim, justifica a indisposição e o desmaio do Presidente da República. O moscatel tem de ser ilibado desta responsabilidade pelo desmaio de Marcelo Rebelo de Sousa. O moscatel está inocente!

O personagem que ocupa a Presidência da República continua a ser o eterno comentador televisivo, daí não vem mal ao mundo, face à arquitetura do Estado português, mas não se espere que os portugueses lhe deem o crédito que é devido a um chefe de estado. Infelizmente Marcelo Rebelo de Sousa não é caso único, não faltam por aí presidentes e primeiros-ministros, e outros tantos comentadores, a fazerem o papel de capacho de organizações cuja legalidade democrática não foi sufragada pelos povos, mas que decidem sobre o nosso presente e futuro como se tivessem essa legitimidade.

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A lista destas personagens é longa, mas como está tacitamente assumido pelo autor que durante a estação estival os temas são tratados com alguma leveza, deixo uma curta lista de três nomes: Christine Lagarde, Presidente do Banco Central Europeu, Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, e Josep Borrell, Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança. Sobre estas três “conhecidas” personalidades, hoje, abstenho-me de tecer outras considerações que não seja reforçar a ideia de que exercem cargos para os quais não foram eleitos, mas cuja ação coloca em causa o bem-estar, presente e futuro, dos povos da União Europeia.

Quanto ao narcisismo de Marcelo Rebelo de Sousa pouco há a acrescentar a não ser mais uns autorretratos (selfies) e, para nosso sossego antes isso que um monólogo de mais de dez minutos sobre o seu desmaio e o moscatel quente que o terá provocado. 

Madalena (Pico), 11 de julho de 2023 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 12 de julho de 2023

nem agora, nem nunca





Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos




(...) Nunca é fácil, mas em julho e agosto é sempre mais espinhoso encontrar um tema que se acomode à estação, isto é, que não retire os leitores da letargia em que estão mergulhados, mas não seja, de todo, desinteressante. A ação individual e coletiva do Governo Regional e dos seus fiéis acólitos é uma fonte temática inesgotável sobre os quais se pode dissertar, alguns factos e decisões até são hilariantes não fossem os custos presentes e futuros que daí resultam, outros que pelo seu alcance colocam em causa a sustentabilidade financeira da Região, são dramáticos e por isso não se adequam à época estival, que se quer e deseja tranquila. Mas a principal razão pela qual não vou abordar questões da política regional é, no essencial, por entender que nem agora, nem no Outono, no Inverno, ou na Primavera, a ação governativa merece a minha atenção. (...)

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Clara Josephine Zetkin - a abrir julho

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"A propaganda das mulheres deve tocar em todas as questões que são de grande importância para o movimento proletário geral. A principal tarefa é, de fato, despertar a consciência das mulheres e incorporá-las na luta de classes."

Clara Zetkin


Lindas são as mulheres que lutam.


sexta-feira, 30 de junho de 2023

atomização social – uma breve abordagem

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O isolamento social não é um fenómeno recente, optar por viver à margem e afastado do convívio com a comunidade é uma escolha pessoal respeitável, como outras, e pode ser motivada por propósitos espirituais ou religiosos, como seja o caso dos eremitas cristãos do deserto, dos ascetas hindus, dos monges budistas e dos eremitas taoístas na China ou, simplesmente, por se preferir a solidão e a paz proporcionada, ou assim entendida, pelo afastamento social. 

O isolamento social, na história da humanidade, nem sempre dependeu das opções individuais, por vezes o afastamento social foi ditado por circunstâncias estranhas à vontade do indivíduo, como por exemplo em casos de doença, epidemias, conflitos armados de entre outros contextos quando era avisado o isolamento social para salvaguardar a própria vida. Recentemente a humanidade vivenciou a necessidade de manter distanciamento social como medida preventiva para evitar o contágio e propagação do vírus SARSCov2. A utilização da palavra distanciamento ao invés de isolamento social foi propositada, pois, as plataformas digitais de comunicação, permitiam-nos interações sociais e o acesso, diria, ilimitado à informação, mas também em virtude de as medidas de prevenção aconselharem o distanciamento e não o isolamento. Como sabemos muitos setores da atividade produtiva, do comércio e dos serviços mantiveram-se em funcionamento. Os trabalhadores desses setores mantinham distanciamento físico, mas não estavam isolados socialmente. 

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Não sendo novo, como uma opção de vida ou resultante de uma necessidade exógena à vontade individual, o isolamento social acompanha a história da humanidade e atualmente tem algumas derivações que parecendo ser de reforço das interações sociais promovem a atomização social. Somos, cada vez mais, os eremitas de um novo tipo, ainda que estejamos em todas as “redes sociais” e a nossa lista de “amigos” ou “seguidores” contabilize milhares de nomes.

A atomização social é uma forma de isolamento social que não resulta diretamente de uma escolha consciente, nem da necessidade objetiva de distanciamento social face a contextos que o exijam.

O fenómeno há muito que é observado nas grandes metrópoles. A dimensão da urbe contribui para a rutura dos laços sociais e comunitários e, por conseguinte, as interações fragmentam-se tornam-se mais superficiais e vão perdendo significância. Mas será, contudo, a cultura do individualismo promovido pelo neoliberalismo que mais contribuirá para a atomização social.

O neoliberalismo é, por definição, uma corrente ideológica que coloca no centro o indivíduo e a competição como motores do progresso e do desenvolvimento, princípios associados à redução das funções do Estado e do livre mercado. Conceito que, por diferentes motivos, tem uma grande penetração em muitos segmentos das sociedades ocidentais e ocidentalizadas como se comprova pela aceitação e apoio eleitoral que tem catapultado para o exercício do poder político forças conservadoras, travestidas de sociais-democratas e ditas populares. Veja-se, por exemplo, a composição do Parlamento Europeu e a correlação de forças ali presente, mas também a composição dos parlamentos nacionais dos estados-membros da União Europeia e, sobretudo, as políticas que têm sido adotadas.

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Ao promover a competição como o motor do funcionamento das sociedades ao contrário da cooperação, o sucesso individual e o atendimento de interesses próprios com prejuízo do bem comum e dos laços sociais, a cultura neoliberal contribui para a atomização social, pois, levado ao extremo com a redução das funções dos Estados e a redução das políticas públicas geram-se e acentuam-se as desigualdades sociais e económicas que, por sua vez, contribuem para a falta de coesão social. Dito de outra forma: o neoliberalismo, enquanto ideologia, afirma-se mostrando os (poucos) casos de sucesso individual e escondendo os milhões de pobres e excluídos. E se no período colonial as principais vítimas foram os povos colonizados, agora as vítimas do neoliberalismo são, também, os povos do chamado mundo ocidental, ou o “jardim do Borrell”, se assim preferirem. Os Estados Unidos têm mais de 40 milhões de cidadãos a viver na pobreza, na União Europeia mais de 90 milhões de pessoas vivem em risco de pobreza e exclusão. Estas pessoas não são pobres ou excluídas por opção, ou por não terem trabalhado o suficiente, estas pessoas são vítimas das políticas neoliberais que acrescentam riqueza à riqueza e excluem a maioria da população de aceder a rendimento e serviços que lhes permita viverem autonomamente e com a dignidade devida à sua condição humana.

As “redes sociais” são, também, um suporte, por paradoxal que pareça, de promoção da atomização social. É sabido que as “redes sociais” utilizam algoritmos que filtram e, de algum modo, personalizam os conteúdos com base nas nossas preferências individuais. Facto do qual não vem mal ao Mundo, porém essa exposição aos conteúdos propostos alinhados com a nossa própria visão do que nos rodeia acaba por criar uma realidade personalizada e “protegida” de opiniões e perspectivas divergentes o que pode inibir a compreensão holística dos fenómenos culturais, sociais, económicos e políticos contribuindo, assim, para a polarização e a fragmentação social. Por outro lado, as caraterísticas da comunicação digital são superficiais e impessoais. Se a estes aspetos aduzirmos o tempo e a energia consumidos nas plataformas digitais de comunicação, sobra muito pouco para atividades sociais, para a participação em atividades nas organizações coletivas, sejam elas culturais, de classe, ou mesmo políticas, para a família, para os amigos e, sobretudo, para a manutenção de relações, genuinamente, sociais. Ou seja, o isolamento social instala-se, ainda que, ligados virtualmente a milhares, em alguns casos centenas de milhar ou até milhões, de amigos e seguidores

Ainda em relação às “redes sociais” será importante considerar que também no mundo virtual impera o individualismo e, sobretudo, um ambiente de constante comparação e, por conseguinte, de competitividade o que gera estados de ansiedade e de baixa autoestima, com todos os efeitos negativos que daí podem advir.

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A atomização social provoca a diminuição das relações interpessoais, da participação cívica, da construção e consolidação de identidades coletivas e, por consequência, o enfraquecimento da democracia participativa e de mobilização para a organização de iniciativas de interesse comum. Não são, de todo, alheias a este fenómeno as altas taxas de abstenção nos atos eleitorais. Mas a atomização social, em particular, a promovida pelas “redes sociais” pela ausência de laços sociais que fomentam a compreensão, pela visão unilateral da realidade personalizada construída pelo algoritmo, pela falta de diálogo e cooperação entre pessoas e grupos diferentes, facilita a construção de estereótipos e pode promover atos discriminatórios, ou mesmo a adesão a movimentos supremacistas e extremistas, para além de efeitos que podem afetar o bem-estar individual e provocar algumas patologias indesejáveis.

Nem o individualismo, nem o uso das plataformas digitais de comunicação são, em si mesmo, negativos. Perversa é a forma como são utilizados para formatar opiniões aparentemente diversas, mas com a mesma matriz uniformizante do pensamento, dos costumes e do consumo.

 Ponta Delgada, 27 de junho de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 28 de junho de 2023


terça-feira, 27 de junho de 2023

a impessoalidade nas "redes sociais"

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Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos





(...) As “redes sociais” são, também, um suporte, por paradoxal que pareça, de promoção da atomização social. É sabido que as “redes sociais” utilizam algoritmos que filtram e, de algum modo, personalizam os conteúdos com base nas nossas preferências individuais. Facto do qual não vem mal ao Mundo, porém essa exposição aos conteúdos propostos alinhados com a nossa própria visão do que nos rodeia acaba por criar uma realidade personalizada e “protegida” de opiniões e perspetivas divergentes o que pode inibir a compreensão holística dos fenómenos culturais, sociais, económicos e políticos contribuindo, assim, para a polarização e a fragmentação social. Por outro lado, as caraterísticas da comunicação digital são superficiais e impessoais. Se a estes aspetos aduzirmos o tempo e a energia consumidos nas plataformas digitais de comunicação, sobra muito pouco para atividades sociais, para a participação em atividades nas organizações coletivas, sejam elas culturais, de classe, ou mesmo políticas, para a família, para os amigos e, sobretudo, para a manutenção de relações, genuinamente, sociais. Ou seja, o isolamento social instala-se, ainda que, ligados virtualmente a milhares, em alguns casos centenas de milhar ou até milhões, de amigos e seguidores. (...)

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Promovendo a desigualdade

 

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A última publicação, neste espaço, deixava uma espécie de compromisso que anunciava, havendo oportunidade, um regresso às políticas de imigração dos Estados Unidos. A ocasião é hoje sob pena de remeter o tema, como tem acontecido a outros, para as “calendas gregas”.

Não pretendo, com esta abordagem, ser exaustivo nem complexificar as causas que sustentam as decisões políticas, nem os efeitos produzidos na regulação dos fluxos migratórios, ou outros que pouco ou nada se relacionam com as migrações, em alguns casos a sua finalidade está diretamente ligada à luta ideológica que se travou durante o período da chamada “Guerra Fria”, e que se prolongam no tempo como se tratasse de ajuda humanitária a refugiados. Aqui e ali o texto será salpicado com a opinião do autor, mas ficará o habitual espaço para o leitor e, por conseguinte, o desafio à sua reflexão e pesquisa sobre a história dos Estados Unidos da América (EUA), país com o qual os Açores, mais do que outras regiões de Portugal, têm uma forte e estreita ligação.  

A fundação dos EUA data do último quartel do século XVIII (1776), a sua independência só foi reconhecida pela coroa britânica após o término da chamada “guerra da revolução americana” que se prolongou de 1775 a 1783. Não vou tecer considerações sobre o processo de colonização, nem sobre os motivos que uniram as chamadas “Treze Colónias”, todas elas na costa atlântica, na guerra pela sua independência, embora quer um, quer outro facto sejam importantes para a compreensão histórica do processo de construção daquilo que são, atualmente, os EUA. E não, não fica sequer uma ténue hipótese de que voltarei a estes temas, existe abundante literatura sobre o assunto, o importante mesmo é consultar várias fontes para não aceitar acriticamente a versão hollywoodesca da história.

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A primeira Lei da Imigração (Lei da Naturalização/Nacionalidade) data de 1790, o que na construção de um novo país resulta como sendo parte do processo lógico de arquitetura dos seus pilares legislativos de afirmação como espaço social, económico e político. A lei refletia os conceitos de cidadania que faziam doutrina na Europa e nas colónias europeias que não são, de todo, os mesmos que hoje adotamos, apesar de termos ainda um longo caminho a percorrer para que todos os seres humanos sejam tratados como tal. O direito à naturalização, consagrado na Lei de 1790, era concedido apenas a "homens brancos livres", o que pressupõe a existência, naquele território, de “homens brancos não-livres”. A lei estabelecia que apenas os imigrantes brancos do sexo masculino tinham o direito à cidadania dos EUA, ou seja, às mulheres, às pessoas não brancas e aos escravos (não importava a sua origem geográfica) era-lhes negado o estatuto de cidadão. Claro que a literatura sobre o tema nos remete para estrutura social, económica e “racial” da época, mas isso não justifica, nem pode justificar o destino dado aos povos autóctones, aos escravos e às mulheres, desde logo as “brancas”, mas sobretudo as indígenas e as negras que para além da condição feminina carregavam um fardo ainda mais pesado por não serem “brancas”. Um tema que merecia atenção especial, mas também sobre ele existe uma vasta bibliografia, da qual destaco “Mulheres, Raça e Classe”, de Angela Davis.

A Lei da Naturalização/Nacionalidade de 1790 foi sendo alterada, não pela vontade política, mas como resultante da luta dos grupos de cidadãos discriminados e pela necessidade de mão de obra, de entre outros fatores que a cada momento melhor serviam os interesses de quem dominava, e domina, económica, financeira e politicamente o país.

A expansão para oeste, durante o século XIX, com a continuação da ocupação violenta dos territórios dos povos originários, a guerra com o México da qual resultou a anexação do Texas, do Novo México e da Califórnia, outros territórios foram “cedidos” pelo México aos EUA, como sejam o Arizona, o Nevada, o Utah e parte do Colorado, por outro lado a compra de territórios aos franceses, a Sul a Louisiana e aos espanhóis a Florida, a Norte, o Alasca, adquirido à Rússia, delimitaram as fronteiras dos EUA. Já no século XX e após a II Guerra Mundial (1959) o Havai integrou os EUA, sendo o quinquagésimo estado da federação. Existem ainda outras situações dúbias como seja o caso do Porto Rico, que tem um estatuto de “estado associado”.

A expansão territorial, a agricultura, a infraestruturação, o crescimento da indústria transformadora, a construção da rede de transportes e a incontornável “corrida ao ouro” que caraterizaram o século XIX estado-unidense abriu as portas a emigrantes provenientes da Europa e da Ásia, mas também da américa latina (teve o seu início já no final do século), contudo a Lei de 1790 manteve-se em vigor e, em 1798 foram aprovados os “Alien and Sedition Acts”. Estas quatro leis estavam ligadas às questões de segurança nacional e foram aprovadas pelo 5º Congresso dos EUA em 1798 e, promulgadas pelo presidente John Adams, num contexto internacional de conflito aberto com a França. As quatro leis restringiam os direitos e ações dos imigrantes dos EUA e limitavam a liberdade de expressão da Primeira Emenda e a liberdade de imprensa, davam amplos poderes de deportação ao governo e obrigavam ao registo de dados pessoais dos emigrantes. Apesar de um quadro legal restritivo, durante o século XIX, isso não evitou a entrada de milhões de emigrantes no território dos EUA.

O quadro legal para a imigração nos EUA tem, desde sempre, associado um espírito seletivo, desde logo, na primeira lei (1790), e que se foi alterando ao sabor dos interesses e necessidades políticas e económicas. Satisfeitas as necessidades as leis de imigração foram fechando as portas a alguns povos, por exemplo, logo após a conclusão da linha ferroviária transcontinental (1869), na qual os trabalhadores chineses tiveram um papel preponderante, S. Francisco dedica-lhes anualmente um dia (10 de maio) de homenagem, foi aprovada a Lei de Exclusão Chinesa (1882) que proibiu a entrada de imigrantes provenientes da China. Lei que vigorou durante várias décadas. A regulação seletiva dos fluxos migratórios, como referi no texto anterior, também afetou os povos do Sul e Leste da Europa com a introdução de um sistema de quotas, Lei da Imigração de 1921 e, mais tarde e mais restritiva, a Lei Johnson-Reed de 1924.

As políticas de imigração estado-unidenses são, também, marcadas por iniciativas legislativas que excecionam as leis em vigor, como é o caso do “Azorean Refugee Act of 1958”, também referido na publicação anterior, que procuram responder a questões humanitárias ou, em nome delas conformar percursos migratórios e intervir politicamente nos assuntos internos de outros estados. Em 1956 na sequência da Revolução ou Contrarrevolução Húngara (23 de outubro a 10 de novembro), conforme se queira, pois, as revoluções coloridas não são um fenómeno recente, os EUA aprovaram o “Hungarian Relief Act of 1956” que facilitou a entrada de cidadãos húngaros e possibilitou que os estudantes originários daquele país pudessem aceder a bolsas de estudo e assistência financeira. Um outro exemplo é o “Cuban Adjustment Act of 1966” que privilegia os cubanos, pode mesmo dizer-se que nenhum outro imigrante nos EUA tem os privilégios dos cidadãos cubanos. Ao chegar são considerados refugiados e ao fim de um curto prazo de permanência podem ascender à naturalização, de entre outros benefícios vedados aos imigrantes de distintas nacionalidades. Sobre o “privilégio cubano” nos EUA remeto para um estudo académico “Cuban Privilege: The Making of Immigrant Inequality in America”, da socióloga, estado-unidense, Susan Eckstein.  Estas são, apenas, algumas referências sobre a política de imigração dos EUA, mas suficientes para se compreender a atualidade migratória naquele país construído numa “terra roubada” aos povos originários e onde ninguém devia ser “ilegal”.

Ponta Delgada, 13 de junho de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 14 de junho de 2023

terça-feira, 13 de junho de 2023

do racismo estrutural

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Excerto de texto para publicação na imprensa regional (Diário Insular) e, como é habitual, também aqui no blogue momentos







(...) A lei refletia os conceitos de cidadania que faziam doutrina na Europa e nas colónias europeias que não são, de todo, os mesmos que hoje adotamos, apesar de termos ainda um longo caminho a percorrer para que todos os seres humanos sejam tratados como tal. O direito à naturalização, consagrado na Lei de 1790, era concedido apenas a "homens brancos livres", o que pressupõe a existência, naquele território, de “homens brancos não-livres”. A lei estabelecia que apenas os imigrantes brancos do sexo masculino tinham o direito à cidadania dos EUA, ou seja, às mulheres, às pessoas não brancas e aos escravos (não importava a sua origem geográfica) era-lhes negado o estatuto de cidadão. Claro que a literatura sobre o tema nos remete para estrutura social, económica e “racial” da época, mas isso não justifica, nem pode justificar o destino dado aos povos autóctones, aos escravos e às mulheres, desde logo as “brancas”, mas sobretudo as indígenas e as negras que para além da condição feminina carregavam um fardo ainda mais pesado por não serem “brancas”. (...)

domingo, 11 de junho de 2023

Vilma Espín - a abrir junho

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Vilma Espín, engenheira química de formação, revolucionária cubana, fundadora da Federação da Mulheres Cubanas (1960). Vilma foi uma figura central na revolução cubana, nasceu a 7 de abril de 1930, em Santiago de Cuba, e faleceu a 18 de junho de 2007, em Havana. 





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Mulheres lindas são as mulheres que lutam.