quarta-feira, 9 de maio de 2012

O inimigo interno da Autonomia

O histórico autonómico regista profundos ataques à sua consolidação e aprofundamento. A persistência e o saber ilhéu mas, sobretudo a unidade político partidária à volta do essencial têm levado de vencida as ofensivas, mais ou menos veladas, a esta forma especial de organização do estado português. As Autonomias regionais são uma das mais belas e conseguidas conquistas da Revolução de Abril consagradas na Constituição da República Portuguesa.
Tenho vindo a afirmar que no atual contexto, à sombra da crise e das dificuldades financeiras, está em curso a maior das ofensivas à Autonomia de que há memória. Esse ataque existe no plano formal e em paralelo com a ofensiva à Constituição, à democracia e à liberdade, aos direitos do trabalho, no constrangimento ao acesso à saúde e à educação, ao acesso ao justiça, à descapitalização da segurança social, designadamente na apropriação de fundos da segurança social – fundos gerados pelos trabalhadores - para a aquisição de títulos da banca, sejam eles tóxicos, ou não, sejam eles nacionais, ou não.
A ofensiva em curso contra a Autonomia açoriana tem, no entanto, um atributo que outras não dispunham e que lhe confere caraterísticas diferentes e de sobremaneira perigosas: o ataque conta com incondicionais aliados internos.
Até 1998, por inexistência de um quadro legal de relacionamento financeiro, os ataques eram perpetrados sob diferentes formas mas tendo sempre associado a boa ou má vontade da República em financiar o orçamento regional. Com a aprovação da Lei das Finanças Regionais a estabilidade financeira permitiu à Região, independentemente de opções que nem sempre se mostraram as mais adequadas, aprovar e executar planos de investimento que deram corpo ao desígnio autonómico.
Com a chegada do PSD e do CDS/PP ao poder, e como já referi, escudados na crise, no défice e na dívida externa, deu-se início à atual investida assente na desresponsabilização do estado face às suas obrigações legais, estatutárias e constitucionais para com a Região.
Os contornos mais visíveis desta ofensiva são: norma interpretativa do orçamento que atribui à Região a responsabilidade de transferência de 5% das verbas do IRS para as autarquias; RTP Açores; custo das passagens aéreas; formação dos funcionários do estado que prestam serviço na Região; cabo de fibra ótica e a disponibilização de banda larga em 12 concelhos da Região.
Transferir os custos das obrigações do Estado com a Região para o orçamento regional é estrangular financeiramente a Autonomia, é por em causa o plano de investimentos anual, é por em causa o bem-estar e a qualidade de vida do Povo Açoriano.
Que Passos Coelho e Paulo Portas protagonizem esta ofensiva, não estranho. Que Berta Cabral assuma estas imposições como propostas do PSD Açores, é lamentável! Que Artur Lima tente escapar incólume, compreendo mas, não vou deixar de lhe imputar as responsabilidades que o CDS/PP Açores efetivamente tem.
Os períodos pré eleitorais são férteis na verbalização e assunção de propostas que vão de encontro ao que os cidadãos, as comunidades e organizações gostam de ouvir. Alguns agentes políticos utilizam essa técnica com mestria e os eleitores são, assim, embalados numa espiral de promessas que não passam disso mesmo, prometimentos.
Tendo disto consciência, não posso, nem devo, enquanto cidadão e também detentor de um cargo político, deixar de me preocupar com a leviandade, diria mesmo a irresponsabilidade de alguns dos putativos candidatos à presidência do Governo Regional que listam soluções para depois das eleições regionais de Outubro, sabendo antecipadamente que não será possível cumprir tudo o que agora prometem e que as soluções são, certamente, muito mais complexas que as que nos são apresentadas.
A líder do PSD Açores promete baixar as tarifas aéreas, nem que seja por conta do orçamento regional, desresponsabilizando assim o estado dessa obrigação. O PS Açores, seja por intermédio do governo, seja pela voz do deputado Vasco Cordeiro, logo vêm secundar o PSD com a informação de que já há alguns meses decorrem negociações com uma empresa de transporte aéreo de tarifas de baixo custo, o que implica, seguramente, a revisão do contrato de serviço público de onde poderão decorrer prejuízos para os residentes.
Quer uma solução, quer outra, são precipitadas e podem colocar em causa a SATA, essa sim, a única companhia aérea que poderá garantir o serviço público e para a qual devem ser encaminhados todos os apoios, para que o custo final do transporte aéreo de passageiros deixe de ser um constrangimento à mobilidade e garanta o direito ao não isolamento.
Horta, 07 de maio de 2012

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 09 de maio de 2012, Angra do Heroísmo 

A ilustração foi retirada daqui

1 comentário:

MILHAFRE disse...

Um diagnóstico muito assertivo.

Abordo este tema da rapina fiscal, empobrecimento ilícito e assalto aos açorianos no meu post:

«Criminalizar o Empobrecimento Ilícito» in Azores Forever.blogspot

Saudações Açorianas,