quarta-feira, 29 de outubro de 2014

SRS, notas avulsas

Foto - Catarina Pires
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores discute esta semana as questões da saúde. Iniciativas propostas por diferentes partidos e, por conseguinte, abordagens distintas.
Sendo urgente, a interpelação da Representação Parlamentar do PCP, não pretende ser uma discussão sobre urgências. O Serviço Regional de Saúde (SRS) tem de ser objeto de uma discussão serena e aberta e, sobretudo, objetiva. Não basta enumerar os casos de todos conhecidos, o descontentamento de profissionais e utentes. Problemas que urge resolver, sem dúvida. Importa, contudo, ir mais além na discussão política das não respostas do SRS, ou seja, é necessário ir à génese, à raiz dos problemas que afetam o SRS e procurar corrigi-las, não de forma casuística, como tem vindo a acontecer mas de uma forma refletida que incorpore uma estratégia ancorada na política de saúde ao invés, como atualmente se verifica, de uma política para a doença.
Considero que os problemas do SRS têm uma raiz muito mais profunda do que a habitual inoperância resultante de uma visão de curto prazo dos sucessivos Governos Regionais. Sem ser exaustivo mas sem deixar de ser objetivo diria que, temos um SRS orientado para o tratamento da doença e não para a promoção da saúde, o SRS é gerido “à vista”, sem estratégia nem planeamento. 
Senão vejamos, o grosso da despesa e dos investimentos do SRS relacionam-se diretamente com os custos de funcionamento dos serviços de tratamento hospitalar e pré-hospitalar e não com as ações de promoção de estilos de vida saudáveis, prevenção, rastreio, medicina familiar e de proximidade.
Há razões históricas para esta situação se verifique que não quero obliterar e que se relacionam com um desenvolvimento rápido e vigoroso do SRS no pós-25 de Abril em que a prioridade foi, e muito bem, a de criar cuidados médicos onde eles praticamente não existiam, ou eram incipientes. Mas, os aspetos relacionados com a medicina preventiva acabaram, em boa parte, por ficar sempre como o “parente pobre” do sistema.
Não nego que existem, e bem, campanhas de sensibilização, rastreios de patologias específicas dirigidos à população em geral, mas esse esforço, que considero pequeno, acaba por ver os seus efeitos limitados por dois fatores: as carências crónicas e graves em termos de medicina geral e familiar, pedra basilar da medicina preventiva e, por outro lado, o facto de a política de saúde ainda não ser considerada de maneira suficientemente transversal. 
É que não basta atribuir verbas a programas para prevenir certas patologias ou para estimular estilos de vida saudáveis. É preciso que a consideração da saúde dos açorianos atravesse toda a ação dos poderes públicos, em matérias tão importantes e estruturais como, por exemplo, o planeamento urbano, a mobilidade, os transportes, os níveis de motorização e os estilos de vida sedentários, o acesso e o custo de produtos alimentares saudáveis, mas também, a segurança no trabalho, as condições laborais, a própria segurança no emprego (tendo em conta a sua relação direta, estudada, com a incidência de doenças relacionadas com o stress) e, um indicador que é central para os níveis de saúde da população, que é o rendimento disponível e os níveis socioeconómicos. E basta olhar para os planos de saúde de alguns países e regiões da Europa para verificarem como este último indicador é cuidadosamente considerado.
Não estando naturalmente ao alcance da Região transformar a seu gosto todos estas questões, é preciso que os indicadores que lhes dizem respeito sejam considerados no diagnóstico de Saúde da Região e que a atuação dos poderes públicos leve em conta que, as transformações operadas em qualquer uma destas áreas terão forçosamente efeitos a jusante, sobre a qualidade da saúde dos açorianos. 
O facto de termos um SRS orientado para o tratamento da doença e não para a promoção da saúde, resulta não apenas em níveis de saúde medíocres, como a saturação das estruturas de tratamento, do que decorre um avolumar substancial da despesa pública que lhe está associada. 
Tudo isto resulta em que tenhamos um SRS reativo, em vez de preventivo, mais caro, menos eficaz, onde as unidades hospitalares adquirem por força uma primazia desmesurada em termos de afetação de recursos, sem que com isso se consigam atingir, de forma suficiente, os objetivos de melhoria das condições de saúde dos açorianos.
Horta, 27 de Outubro de 2014

Aníbal C. Pires, In Diário Insular et Açores 9, 29 de Outubro de 2014

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