segunda-feira, 18 de maio de 2015

Integração pelo exercício da cidadania plena (*)

Foto - Aníbal C. Pires
Poder estreitar o contato com as comunidades açorianas emigradas, aprofundar o conhecimento sobre as suas realizações pessoais e comunitárias, o seu grau de integração na sociedade de acolhimento e a sua ligação às origens, de entre os aspetos, constituía, para mim, uma lacuna no conhecimento que os representantes eleitos do Povo Açoriano devem possuir sobre as comunidades açorianas, onde quer que elas vivam e trabalhem. Este meu interesse, sendo de ordem política porque se tratam de açorianas e açorianos e seus descendentes que, embora vivam fora das fronteiras da Região, representam um importante ativo nas estratégias de desenvolvimento regional, mormente, no que concerne ao estabelecimento de “pontes” políticas, económicas e culturais com os territórios de acolhimento, por outro lado tendo dedicado parte da minha vida ao estudo académico das migrações e ao apoio a associações de imigrantes em Portugal, o contato com a realidade migratória e com o movimento associativo emigrante açoriano teve, assim, uma dupla importância.
A participação, pela primeira vez, de uma representação da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores (ALRAA), da qual fiz parte, na XVII Assembleia Geral do Conselho Mundial das Casas dos Açores (AGCMCA), que se realizou a 29 e 30 de Agosto de 2014, em Hilmar, na Califórnia, veio concretizar um sonho antigo e que preencheu, direi melhor, transbordou as minhas melhores expetativas.
A dimensão mundial da diáspora açoriana representada pelos dirigentes das casas dos Açores, as dinâmicas e as preocupações das comunidades ficaram bem patentes nos trabalhos da AGCMCA. Dirigentes de diferentes gerações onde começam a pontuar jovens quadros que para além da renovação constituem, não só o garante de continuidade, mas também a introdução de novas metodologias e abordagens aos recentes e velhos problemas com que os migrantes se confrontam.
Um dos temas que foi abordado durante os trabalhos relaciona-se com a necessidade de assunção pelos emigrantes açorianos e seus descendentes - prefiro em nome do rigor referir-me aos jovens como descendentes e não como emigrantes de 2.ª ou 3.ª geração - de se integrarem plenamente na sociedade de acolhimento. O exercício pleno da cidadania é a condição sine qua non para se atingir este desiderato. Pode, numa leitura superficial parecer paradoxal que um deputado regional esteja a apelar à integração e cidadania plena no território de acolhimento com tudo o que isso implica, designadamente, a participação política pois, o discurso clássico vai num outro sentido, ou seja, na garantia da participação política no território de origem e, por outro lado a integração plena pode traduzir-se num gradual afastamento das raízes. É minha opinião que, se queremos ter uma diáspora forte e capaz de continuar a contribuir para a Região, então temos de juntar esforços para que a cidadania plena seja a regra e não a exceção.

Foto - Madalena Pires
Os jovens descendentes de emigrantes vivenciam experiências complexas e mesmo conflituais de afirmação e incorporação nos territórios de acolhimento e, nem sempre as estratégias familiares e o desenho das políticas dirigidas às comunidades diaspóricas são desenvolvidas considerando de forma consistente e holística esse importante aspeto do qual depende, na maioria das vezes, o sucesso e a realização pessoal dos jovens açor/luso-descendentes. Quanto maior for êxito social e económico do indivíduo maiores serão os ganhos e afirmação social, económica e política da comunidade de pertença e os ganhos do País ou da Região de origem.
As estratégias de incorporação nas sociedades de acolhimento dependem, desde logo, do projeto migratório e do capital humano que os migrantes transportam consigo mas dependem também dos modos de incorporação da sociedade acolhimento que, segundo alguns autores, são estruturados nos seguintes níveis de acolhimento: i) Diferenciação da política oficial (enquadramento legal) de acolhimento a diferentes grupos de emigrantes; ii) recetividade da sociedade civil e da opinião pública relativa a diferentes grupos de imigrantes; e, iii) dimensão, implantação e importância económica, política e social da comunidade cultural de pertença.
Os dois primeiros níveis estão diretamente relacionados. O quadro legal influencia a opinião pública e vice-versa. Podemos, com facilidade, constatar que o capital humano nem sempre é reconhecido da mesma forma, aos diferentes grupos culturais minoritários, pela sociedade de acolhimento. As políticas oficiais de acolhimento e a recetividade da opinião pública resultam de indicadores como: morfologia; território de origem; língua; cultura; religião; realização económica; e política. As representações da sociedade de acolhimento resultam, assim de construções sociais fundadas em indicadores sobre os quais existem seculares preconceitos mas que determinam a forma como são desenhadas as políticas de acolhimento e que, na generalidade, coincidem com o grau de recetividade da sociedade de acolhimento. O terceiro nível de acolhimento está relacionado com a importância da comunidade de pertença, considerando a sua dimensão, implantação e importância social, económica, e política.
Foto - Madalena Pires
Os jovens descendentes de emigrantes nas suas estratégias de incorporação vêem-se assim confrontados com um sem número de obstáculos que lhes dificultam a integração e a conquista do reconhecimento de pertença pela sociedade de acolhimento e, não bastassem todos estas barreiras ainda têm, por vezes, a família e o País/Região de origem a competir, por vezes da forma menos adequada, para que mantenha intocada a sua matriz cultural e linguística quando a sua primeira prioridade é (será) a integração. À dimensão das comunidades açor/lusas não corresponde, todavia, a importância social, económica e política que poderia favorecer a diferenciação positiva nas políticas de acolhimento e na promoção do fortalecimento das relações bilaterais entre Açores/Portugal e os países onde existem comunidades portuguesas com uma dimensão considerável. Contudo existe um campo de atuação político que pode favorecer esse processo de integração plena, designadamente onde as comunidades têm dimensão e estão consolidadas.
Considerando que os principais problemas com que as comunidades se confrontam residem na menor ou maior capacidade de integração, com os prejuízos que uma baixa capacidade de integração acarreta para os emigrantes, para a comunidade e para o País/Região de origem, assim e salvo melhor opinião, as políticas de apoio às comunidades, para além do aprofundamento, aperfeiçoamento e adequação a novas realidades das já existentes, devem centrar-se no apoio à integração plena. A disponibilidade dos jovens descendentes para assumir múltiplas pertenças e desenvolver novos vínculos com a matriz cultural de origem só acontecerá quando esteja resolvida a sua incorporação (cultural, social, económica e política) na sociedade de acolhimento, ou seja, quando exercerem a sua cidadania plena. O sucesso do projeto migratório dos pais e a sua integração mais do que uma “forçada” “etnicização” são o principal garante da afirmação da comunidade de pertença e a garantia de que os vínculos com as suas raízes, a seu tempo, sairão reforçados.

(*) Texto escrito em Outubro de 2014 e publicado no “Mundo Açoriano”, na sua edição de Novembro desse mesmo ano. Hoje foi revisto para republicação.

Horta, 17 de Maio de 2014

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário e Azores Digital, 18 de Maio de 2015

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