quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Pensamento crítico, Como assim

Foto by Aníbal C. Pires
“(…) num mundo digital a tecnologia deve fazer parte do nosso quotidiano. Porém, essa tecnologia é somente uma parte da solução, um complemento da ação educativa no ensino do pensamento crítico e na difusão e valores, que constituem as incumbências supremas de todas as escolas. (…). 
Acabei de citar um princípio com o qual concordo, mormente quando o autor desta afirmação diz que o pensamento crítico e a difusão de valores (quais) constituem incumbências supremas de todas as escolas. Suponho que Avelino Meneses, a afirmação foi proferida pelo titular da pasta da Educação e Cultura nos Açores , se referia não só às escolas da Região, mas à Escola enquanto instituição que tem como objeto isso mesmo.
Na referida intervenção de Avelino Meneses constam outras afirmações às quais não me vou referir, não por concordar ou discordar delas, mas porque hoje me quero centrar nas incongruências do discurso do titular da pasta da Educação e as práticas que são induzidas pelas políticas educativas do governo a que pertence, ou seja, das quais é responsável e promotor.
A Escola deve promover o pensamento crítico e a difusão de valores, não posso estar mais de acordo, mas será que a Escola está a cumprir esse desiderato. Não direi que não, direi que tenho dúvidas, muitas dúvidas que a Escola, face às limitações à sua autonomia, ao modelo de avaliação dos alunos e do próprio sistema educativo, esteja a cumprir essas que são, segundo Avelino Meneses, as incumbências supremas da Escola.
O processo de ensino aprendizagem centra-se, cada vez mais, na preparação dos alunos para os momentos de avaliação interna e externa, os programas são extensos e desadequados, os tempos curriculares compartimentados, a inflexibilidade das orientações da tutela asfixiam qualquer projeto de inovação proposto pelos docentes e/ou pelas escolas. Inovação pedagógica só mesmo a que tiver como proponente os serviços centrais que Avelino Meneses tutela. Isto apesar de na Região existir um quadro legal que possibilita às Unidades Orgânicas a promoção da inovação pedagógica e a flexibilização curricular, ao qual nem se atrevem a aderir, mas agora com o advento da flexibilização promovido nas escolas do continente, lá vamos nós atrás quando podíamos e devíamos, desde há muito tempo, ir à frente.

Foto by Madalena Pires
À opção por percursos curriculares de aprendizagem que privilegiem o pensamento crítico e os tais valores, a que Avelino Meneses se refere, sobrepõem-se as metas de aprendizagem dos saberes que efetivamente são avaliados pela escola e por entidades a exógenas ao sistema. Os docentes e os órgãos de administração e gestão pedagógica das escolas não arriscam. Entre caminhar com os seus alunos num percurso educativo que os ensine a aprenderem com autonomia, desenvolvendo o pensamento crítico e a transmissão de valores, ou obter boas classificações internas ou externas, os docentes e os órgãos de administração e gestão das escolas optam por este último. A sua própria avaliação depende desses resultados.
Por outro lado, para as atividades extracurriculares, embora continuem a subsistir alguns focos de resistência, não há espaço, nem tempo, nem motivação, nem apoio, nem valorização, mas há ainda quem não desista e resista.
Lamento que o titular da Educação e Cultura do Governo Regional não tenha disto consciência pois, se a tivesse estou certo que teria tido mais cuidado na escolha das palavras. Ou então, fez do exercício do cargo que exerce mais um ato de propaganda.
A cada novo ano escolar repetem-se, tal como este, os artigos de opinião sobre a Escola e os docentes. Quem os subscreve são educadores, professores, sindicalistas, pais e encarregados de educação, jornalistas e, por vezes, mães que são jornalistas como foi o caso de um artigo publicado na Visão pela Mafalda Anjos. Artigo sob a forma de carta aberta aos professores e que aconselho a ler. Deixo-vos, tal como iniciei, uma citação. Sim é da Mafalda Anjos, mãe, jornalista e diretora da revista Visão.
“(…) Valorizem outras coisas que não as notas – venho a crer que elas importam afinal tão pouco na vida. Mais do que seres cheios de conhecimentos acumulados, ajudem a formar boas pessoas e adultos interessantes. Ensinem-lhes os valores da partilha, generosidade e espírito de equipa. Quem não ajuda um colega jamais deveria ter lugar num quadro de honra. (…)”
Ponta Delgada, 18 de Setembro de 2017

Aníbal C. Pires, In Diário Insular e Açores 9, 20 de Setembro de 2017

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