segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A SATA, a Ryanair e a Delta

Foto by Aníbal C. Pires (2013)
Por motivos diversos as notícias sobre a aviação comercial são alvo do meu interesse. Não tenho um olhar especializado, nem faço pesquisa sistemática sobre o assunto, mas a aviação comercial, talvez por viver numa região arquipelágica a meio caminho, mais milha menos milha, entre a Europa e a América do Norte e, a minha mobilidade, intra e extra região, depender do transporte aéreo contribuem, por certo, para a importância que dou à aviação comercial e ao interesse, moderado, sobre o que nesse interessante e complexo mundo vai acontecendo.
Dos milhares de notícias difundidas durante a passada semana sobre aviação comercial olhei com particular atenção sobre três. Apenas três porque se relacionam diretamente à região onde vivo, Apenas três e, ainda assim, uma delas mal chegou a ser notícia, os tripulantes de cabine e a SATA chegaram a acordo. O fim da conflitualidade social no Grupo SATA não mereceu grande atenção da comunicação social, mas é um facto relevante, digo eu. Diria até que o acordo é tão importante quanto o conflito. Conflito que mereceu manchetes e outras parangonas jornalísticas, mas vá-se lá saber o que são “critérios editoriais”, porque para que servem, isso sabe-se. Voltarei ao Grupo SATA e á sua ausência estratégica lá mais para o fim desta opinião partilhada de segunda-feira.
Já escrevi e publiquei muitas linhas sobre o modelo de negócio das companhias aéreas de baixo custo e, como se sabe, sempre me manifestei contra aquilo que considero uma atividade comercial em que o “core business”, não é a aviação comercial mas as vantagens financeiras que os destinos (países, regiões, municípios) disponibilizam para receberem visitantes e com isso dinamizarem a indústria turística, no caso dos Açores dir-me-ão que foi mais do que isso, e, aparentemente, só aparentemente assim foi, mas essa questão será objeto de análise noutra oportunidade.

Foto by Aníbal C. Pires (2017)
Mas voltando à questão central a “crise” na Ryanair empresa onde a aviação comercial é apenas o instrumento do “core business”, ou seja, os elevados lucros não resultam da venda das passagens aéreas, mesmo considerando a desregulamentação laboral a que os seus trabalhadores estão sujeitos, não é tanto a massa salarial como por vezes se pensa, mas a mais selvagem desregulação, aliás como a semana passada veio ao conhecimento público. Os elevados lucros, como dizia, resultam dos apoios financeiros e em géneros canalizados para o transporte de pessoas entre dois pontos.
O senhor O’Leary bem tentou esconder a saída em massa de pilotos. Primeiro veio a público que 140 pilotos tinham batido com a porta, mas já se sabia que eram 7 centenas, depois veio a recusa generalizada dos pilotos em trabalhar nas condições oferecidas, depois da “crise” se instalar, depois veio tudo aquilo que se sabe e vai sabendo. Afinal a eficiência do modelo e as virtualidades do mercado desmoronaram. Nas transportadoras de baixo custo tudo está bem quando corre bem, mas na aviação comercial, por diferentes motivos, nem sempre tudo é como o esperado. Os passageiros desprotegidos pelas irregularidades operacionais da Ryanair se não sabiam deviam saber que os dados do jogo são estes e não outros, não têm sequer o direito moral de se queixarem.
Nos Açores, para já, só uma das duas ilhas que é servida pela Ryanair vai ser afetada com cancelamentos, embora outros eventos já se estejam a verificar e face ao cenário que está desenhado é previsível que mais irregularidades venham a acontecer.
Isto não é o fim da Ryanair, mas é um indicador que o paradigma laboral e de recrutamento de pilotos se vai alterar nos próximos anos, não só na Ryanair mas na generalidade das transportadoras aéreas que abandonaram o modelo de formação dos seus próprios pilotos, ou seja, deixaram de ter uma cultura de empresa e de envolvimento dos seus trabalhadores, o facto de lhes chamarem colaboradores em nada altera o seu estatuto. As empresas vão ter de optar entre um investimento inicial no recrutamento e formação dos seus pilotos, aliás como a TAP e a SATA Air Açores ainda fazem, garantindo um elevado retorno com a sua permanência durante toda a carreira, ou sendo a opção pela rotatividade dos pilotos terão de suportar com todos os custos que daí advêm, como acontece nas transportadoras aéreas similares à Ryanair. À primeira oportunidade mudam para as empresas que valorizam os seus trabalhadores.

Foto by Aníbal C. Pires (2013)
Vai-se alterar não apenas pela “crise” da Ryanair, mas porque a necessidade de pilotos para os próximos anos, no espaço europeu, é da ordem das centenas de milhar e não há oferta, de pilotos qualificados, para tanta procura. A afirmação não é gratuita, em Fevereiro de 2016 a Republic Airways a maior companhia aérea regional dos Estados deu início a um processo de insolvência alegando que não havia pilotos suficientes para as suas necessidades. A desregulação do mercado de trabalho nos Estados Unidos e os baixos salários pagos aos pilotos alterou, naturalmente, as opções dos jovens que procuraram outras carreiras. A tendência no espaço europeu, levada ao extremo pela Ryanair, tem seguido o modelo dos Estados Unidos e o resultado final poderá não ser diferente no velho Mundo, a não ser que a admissão e formação de pilotos se altere e a carreira volte a ser devidamente reconhecida e valorizada.
A Delta Airlines, empresa estado-unidense de aviação com sede em Atlanta, na Geórgia, anunciou o reforço da sua operação com Portugal. Para além do voo já existente que liga Lisboa a New York, a Delta Airlines anunciou mais um voo que vai ligar a capital portuguesa a Atlanta e, ainda um voo sazonal que a partir de Maio de 2018, vai ligar, quatro vezes por semana, Ponta Delgada a New York (aeroporto JFK), num B 757-200ER. Esta é a parte da notícia que mais interesse despertou nos Açores. Os principais líderes políticos, empresariais e de opinião já vieram a terreiro congratular-se com esta iniciativa comercial da Delta. E é caso para isso, não pelo que isso pode representar para o pequeno segmento da população açoriana, em particular, os residentes em S. Miguel que querendo e podendo ir a New York não têm de ir a Lisboa, com os custos e tempo que isso acarreta, mas sobretudo porque, como os indicadores apontam, os turistas com origem nos Estados Unidos têm vindo a demonstrar um interesse crescente pelo destino Açores. E isso, sem dúvida, é bom. É bom e demonstra que o destino vale por si mesmo e não pelo baixo custo das passagens da Ryanair, sim porque a Easyjet já se foi. Não tenho dúvidas que a Delta Airlines pretende com estas novas rotas outros objetivos, mas aí cabe aos diferentes “players” posicionarem-se e adequarem estratégias.

Foto by Aníbal C. Pires (Aeroporto de Atlanta, 2013)
Referi-o à uma linhas atrás e não está esquecido. Fiquem com uma breve nota final sobre a SATA e a sua falta de comparência. Sobre a operação do Verão de 2017 já emiti opinião há umas semanas atrás. Podia ter sido um ano de ouro, mas foi aquilo que se viu, ou o que ainda está para se ver. Mas deixemos o passado. Como vai ser o futuro próximo, não me venham com o plano de negócios ou com as adendas que lhe foram introduzidas, os pressupostos já não são o que eram, aliás como está bom de ver, os pressupostos alteram-se Verão após Verão, anos após ano. E o Grupo SATA a única novidade que tem para nos dar é que está à procura de um parceiro privado para entrar no capital social de uma das suas empresas, É pouco, muito pouco e não serve e a inércia instalada vai acabar por dar mau resultado. Nesta altura já deveria ser conhecido o Plano Operacional do Grupo SATA para 2018. Eu não o conheço e julgo que não é por andar distraído. Não tenho dele conhecimento porque não existe. E é triste não que eu o desconheça, é triste porque não existe.
Ponta Delgada, 24 de Setembro de 2017

Aníbal C. Pires, In Azores Digital, 25 de Setembro de 2017

1 comentário:

Luis Branco disse...

Uma interpretação da realidade de um negócio complexo. Estou de acordo na sua generalidade. Um abraço