segunda-feira, 4 de setembro de 2017

… da SATA e de alguns equívocos

Foto by Aníbal C. Pires
Está na agenda política e discute-se profusamente no espaço público regional, mas nem sempre com rigor, nem sempre com a objetividade que a questão merece pela importância estratégica que tem para a Região, ou seja, para todos nós. Lembrem-se do BCA.
A opinião política maioritária, tendo em conta a representatividade parlamentar, e a opinião pública alinhada partidariamente ou, construída com base em informação que não é inócua, será mais ou menos coincidente. Acabe-se com a SATA Internacional/Azores Airlines e salvaguarde-se a SATA Air Açores. Como se uma e outra não tivessem uma relação organizacional e operacional de interdependências.
Preferia ter regressado com outro assunto, mas é incontornável. É inevitável desde logo porque desde 2013 tenho acompanhado de perto as questões relacionadas com o Grupo SATA, mas também, e quiçá por isso mesmo, o Grupo SATA representa um importante ativo estratégico da Região. Ativo desbaratado, Estou de acordo, mas nem por isso deixa de o ser, um valioso ativo estratégico para o desenvolvimento e para a coesão regional.
À volta do Grupo SATA existe, para além de todas as outras questões que não são de somenos importância, um problema político. Um grave problema provocado e construído pela ação política dos governos liderados pelo PS. Certamente que se fosse o PSD nada seria diferente. Mas o problema político existe e o poder político executivo quer desfazer-se dele, expurgando-se de responsabilidades, tal como Pilatos fez lavando as mãos perante a populaça que pedia a morte de Jesus Cristo. E vai haver bodes expiatórios, e pode vir a acontecer um grave problema social se a decisão for aquela que alguns agentes de interesses externos à Região têm vindo a advogar.
Os trabalhadores serão, não só os bodes expiatórios, como os mais diretamente prejudicados se a decisão, como se fala e advoga por aí, passar pela extinção da SATA Internacional/Azores Airlines, e não me refiro apenas aos trabalhadores que atualmente estão em conflito com a administração e a tutela do Grupo SATA, mas a todos os trabalhadores.

Foto by Aníbal C. Pires
Extinção pura e dura é coisa que não quero acreditar se venha a consumar, embora este possa ser um dos cenários. Em 2013 também esteve equacionado, com contornos diferentes, mas esteve. E é bom lembrar que o contexto de 2017 é substantivamente do de 2013, quer no que concerne às Obrigações de Serviço Público, quer ao novo paradigma de transportes aéreos para duas da gateways da Região.
Mas o problema não é só político, isto se considerarmos que os atos de gestão e administração, bem assim como o modelo organizacional do Grupo SATA, não são dependentes e relacionados com a ação política. Mas em boa verdade não é assim, os atos de gestão e o modelo organizacional no Grupo SATA têm a influência direta da política. Política aqui entendida como satisfação de clientelas eleitorais e outras ações que não podem, nem deveriam ser sinónimo de política.
Que a operação da SATA Internacional/Azores Airlines, no Verão IATA, foi um fiasco todos percebemos. Que à SATA Air Açores faltaram meios para satisfazer a procura, também.
Procura que a SATA Internacional/Azores Airlines também teve, veja-se o número de ACMIs contratados em função do planeamento da operação, aos quais se deve acrescer todos os que resultaram de irregularidades operacionais, bem assim como outros que não foram realizados, continuo a falar de ACMIs, por indisponibilidade de aeronaves no mercado, e que não tendo custos diretos, porque não se realizaram, acabam sempre por ter custos indiretos, que mais não seja na imagem da transportadora aérea.

Foto by Aníbal C. Pires
Agora vejamos, Será que as irregularidades e a intermitência operacional que se verificou durante o Verão IATA resultaram da luta dos tripulantes de cabine, Não. Apenas uma pequena parte das irregularidades, uma pequeníssima parte, resulta da luta destes trabalhadores. É assim independentemente dos juízos que cada um de nós possa fazer sobre a luta que está em curso e sem fim à vista, uma vez que a reivindicação que não está satisfeita se prende com o aumento de encargos financeiros para a empresa. E acréscimos ao rendimento mensal de que os tripulantes de cabine não abdicam, aumento de custos que a administração diz não poder suportar.
Não ajuízo sobre o assunto, mas sempre direi que esta questão, a não ser resolvida rapidamente, será sempre apontada como a gota de água que fez transbordar, não o copo mas o dique, tal será a dimensão dos efeitos sociais e económicos que uma decisão de encerramento da SATA Internacional/Azores Airlines provocará na Região. A maioria dos trabalhadores do Grupo SATA residem nos Açores, não residem em Lisboa.

Defendo intransigentemente, e não é de forma irracional, a continuidade da SATA Internacional/Azores Airlines, defendo que essa como todas as outras empresas do Grupo SATA devem continuar na esfera pública. Mas também defendo a necessidade urgente de que seja definida uma estratégia comercial que tenha como prioridade o fim das irregularidades operacionais, com a adequação da frota quer no seu número, quer quanto aos modelos de aeronaves, e só depois devem ser considerados os ganhos de eficiência, Prioridades são prioridades e no momento a principal prioridade é esta.

Mas defendo também uma reestruturação no modelo organizacional de modo a rentabilizar os excelentes recursos humanos que o Grupo SATA dispõe. Não é admissível que se verifiquem irregularidades devido à multiplicidade de departamentos que não articulam entre si, não é admissível que a informação organizacional encontre barreiras nos pequenos poderes instalados e não circule, quer horizontalmente quer ainda do topo para a base e vice-versa.

Foto by Aníbal C. Pires
Antes de terminar este assunto, que não vou encerrar aqui, mais duas notas. A primeira vai para saudar o artigo do ex Diretor Regional dos Transportes, Nuno Domingues, pelo contributo sério que trouxe à discussão. Não concordo com tudo o que disse e preconiza, mas não pode deixar se ser tomado em devida consideração.
Por fim e para quem tem memória curta vou socorrer-me de um excerto do sumário executivo, de 2013, da empresa de consultadoria PwC, feito para o Grupo SATA e que concluía assim:

“(…) Da análise efetuada aos indicadores económico-financeiros do Grupo SATA desde 2009 até Junho de 2013, bem como às projeções existentes para dezembro de 2013, identificamos os seguintes fatores críticos de sustentabilidade do transporte aéreo no Grupo:

- Desequilíbrio operacional na SATA Internacional em 2013 uma vez que, ao contrário do verificado em anos anteriores, o valor libertado pelas rotas que historicamente geram valor não é suficiente para compensar as rotas com margens historicamente negativas.

- Desequilíbrio financeiro na SATA Air Açores associado ao volume significativo da dívida financeira contraída e impacto dos juros associados, com especial penalização da dívida por conta de empréstimos bancários decorrente do aumento da dívida do Governo Regional dos Açores.

Estes fatores geram um aumento significativo do risco de liquidez do Grupo e apontam para a necessidade de adoção de medidas de reestruturação financeira e de reposição de sustentabilidade. (…)”.

Foto by Aníbal C. Pires
Da primeira conclusão infere-se, sem margem para dúvidas, de que a SATA Internacional apresentou resultados líquidos até 2012, era bom que não fosse esquecido quando se fala sobre o assunto. Este parágrafo foi vertido, por proposta minha e aceite pela maioria, nas conclusões finais da Comissão Parlamentar de Inquérito à SATA, já a conclusão que se refere à SATA Air Açores, também proposta por mim, foi rejeitada pela maioria.
Mas deste sumário executivo da PwC, por sinal bem elucidativo, conclui-se que foram as opções do acionista e não os custos do trabalho ou os prejuízos decorrentes das lutas dos trabalhadores do Grupo SATA que conduziram, já na altura, falamos de 2013, a um aumento significativo do risco de liquidez e para a necessidade de serem adotadas medidas de reestruturação financeira e de reposição de sustentabilidade.
Ao que parece estas recomendações da PwC não foram tomadas em devida conta. E o Grupo SATA pagou, e bem, por este estudo, mas está a pagar muito mais por todos os erros que foram cometidos antes, durante e depois.

Ponta Delgada, 03 de Setembro de 2017

Aníbal C. Pires, In Azores Digital, 04 de Setembro de 2017

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