quarta-feira, 4 de maio de 2022

da importância das datas

imagem retirada da internet
As efemérides celebram acontecimentos aos quais atribuímos um significado coletivo e histórico relevante. A comemoração de uma data obriga-nos, implicitamente, a um olhar para o passado. Quando assinalamos, por exemplo, o centenário do nascimento de um escritor temos o propósito de honrar a sua memória, mas sobretudo pretendemos dar continuidade à divulgação da sua obra e conquistar novos públicos, entre os mais jovens, para que o nome e a obra se perpetuem no tempo.

As celebrações, quer gostemos ou não do que, ou quem, se comemora, têm um propósito comum: lembrar, dar a conhecer e projetar para o futuro. Podemos dizer, num sentido lato, que a principal função das efemérides é a divulgação da história, também aqui entendida de forma ampla.  

Voltemos ao exemplo da literatura. Nos planos de estudo de diferentes níveis de ensino constam alguns escritores clássicos. Estes autores têm a memória e a obra imortalizada por via do seu estudo no seio das comunidades académicas, mas não se dispensam as efemérides pois, é dessa forma que a sua obra se expande e dá a conhecer a outros públicos. Há, contudo, outros autores que não tendo a mesma atenção dos académicos, por razões diversas, necessitam que os seus leitores os promovam. E o propósito é similar às efemérides instituídas: divulgar o autor e a sua obra.

A abordagem feita no parágrafo anterior pode até ser rebuscada, mas tem por finalidade enquadrar outras efemérides remetidas a um inexplicável silenciamento pelo mainstream.

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Os portugueses, celebram o dia 25 de abril do ano de 1974, mas nem todos lhe atribuem o mesmo significado e relevância. Os que perderam privilégios não comemoram, os que professam ideologias neofascistas, idem, e, os neoliberais aproveitam-se dela para subverter a sua natureza popular e transformadora.  

O dia 25 de abril de 1974 e o que se lhe seguiu transformou o país e provocou uma rutura com o passado. A revolta militar de 1974 foi apoiada, inequivocamente, pelo povo português, cuja ação foi determinante para lhe conferir um caráter revolucionário. Este corte com o passado só foi possível, com o alcance que veio a ter nos meses seguintes, pela existência da luta clandestina e organizada, durante os 48 anos de ditadura levada a cabo por diferentes organizações políticas, de entre as quais o PCP se destaca. 

Não é possível dissociar o PCP da luta contra o regime de ditadura instaurado a 28 de maio de 1926. Sendo a revolução de abril de 1974 uma conquista do povo português é, contudo, legítimo afirmar que a ação do PCP contribuiu, decisivamente, para que tal viesse a acontecer. Nem todos gostam que se diga e escreva e, muitos outros pretendem branquear, ou mesmo apagar, o papel do PCP na história de luta e resistência ao fascismo português, mas os registos históricos dos presos políticos (homens e mulheres), dos assassinatos perpetrados pelo aparelho repressivo do regime e a tortura visaram, no essencial, os militantes e dirigentes do PCP. Se ao PCP é reconhecido esse protagonismo na luta e na resistência à ditadura, também nestes 48 anos de democracia o papel do PCP não é despiciente, desde logo por ser um dos partidos fundadores do estado democrático, mas sobretudo por todas as conquistas que, na ação institucional, nas lutas sociais e laborais, foram conseguidas por intervenção direta ou indireta do PCP. Pode afirmar-se que Portugal podia e devia ser melhor. E eu concordo, mas tenho consciência que seria muito pior sem o PCP, aliás como disse, recentemente, o realizador João Botelho.

Pede-me o leitor desta “Sala de Espera” para voltar ao tema. Vou tentar, não é fácil quando a emoção se envolve com a escrita, a pena foge ao controle da razão e vai por aí. 

Falar do 25 de abril de 1974 sem referir o papel dos comunistas portugueses é como beber cerveja sem álcool ou beber um descafeinado. A cerveja sem álcool e o café sem cafeína estão desprovidos do atributo que lhes confere a essência. Não é possível falar com seriedade do 25 de Abril e obliterar o PCP. 

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Caro leitor, bem sei. Bem sei que já estava, de novo, a vaguear ao sabor das emoções, embora de mãos dadas com a razão. Voltemos às efemérides que o espaço escasseia e queria tanto deixar registadas algumas já passadas, outras a acontecer por estes próximos dias. Queria muito, mas não vai ser possível. Os carateres restantes só permitem referir uma e, ainda assim, de forma breve.

A 2 de maio de 2014, em Odessa, Ucrânia, foram mortas 48 pessoas e mais de 200 ficaram feridas. Após as agressões de que foram vítimas por grupos neonazis mobilizados para o efeito, refugiaram-se na Casa dos Sindicatos de Odessa. O edifício foi incendiado pelos grupos neonazis e a tragédia aconteceu. Os testemunhos e os vídeos destes acontecimentos estão por aí disponíveis, mas nunca houve condenação por esta barbárie. Esta não é uma efeméride amplamente divulgada e lembrada, mas nem por isso deixa de ser importante só porque não convém à narrativa dominante. 

Ponta Delgada, 3 de maio de 2022

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 4 de maio de 2022

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