quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

linguagem e práticas

foto by Madalena Pires
Há uns anos o discurso público alterou-se adotando uma linguagem neutra, ou se preferirem inclusiva. Ao invés do tradicional: “Portugueses”; ou na versão regional:  - “Açorianos”; passou a ser dito: - “Portuguesas e portugueses”, ou “Açorianas e açorianos”, conforme a geografia; daí para “todas e todos”, foi um ápice. Também surfei esta onda, não em toda a sua plenitude, mas deixei-me ir com a corrente, apenas para não ter de ouvir apartes insidiosos pois, embora não considerasse necessária a utilização do feminino e do masculino para incluir os géneros, sejam eles quantos e quais forem, não queria perder tempo a dar resposta a comentários marginais. 

A utilização das palavras “todas e todos”, ou ainda “amigas e amigos” é uma redundância e, como tal, o seu uso é desnecessário. Quando ao “todas e todos” e ao “amigas e amigos” se acrescenta “todes” ou “amigues” não sei como classificar, há quem diga que é apenas ridículo.  Quando digo: - olá a todos, ou olá amigos; não estou a excluir ninguém independentemente do género dos destinatários da minha saudação, mas esta é uma discussão que deixo para os especialistas da língua, embora perceba qual o propósito que se pretende atingir e tudo o que lhe está a montante. E nesta delicada área do relacionamento humano, como em outras, nem tudo é tão simples como aparenta ser. Há sempre interesses obscuros que promovem e financiam “movimentos cívicos”, sejam eles de matriz sexual, de género, ambientais, económicos, culturais e políticos, com o propósito de daí retirar dividendos. Não quero, de modo algum, colocar em causa a militância genuína a que se entregam muitas pessoas na defesa do seu reconhecimento ou, das suas preocupações sociais e ambientais. 

(linguagem não binária)
imagem retirada da Internet

A esta distância temporal e face à evolução da linguagem neutra/inclusiva direi que foi um erro, sem qualquer efeito nocivo para mim ou para terceiros, ter adotado aquele discurso. Não há necessidade de “reinventar” a língua para ter práticas inclusivas. Ficar apenas pelas palavras é como se sabe, uma atitude anódina. A sabedoria popular é muito clara quanto a isso: “palavras, leva-as o vento”, mesmo quando se escrevem. Importante mesmo é o reconhecimento das diferenças que dão suporte a práticas inclusivas. Esta questão da linguagem neutra/inclusiva está diretamente ligada com as questões da identidade de género e não tanto com a orientação sexual. Quer a homossexualidade como as questões de género não resultam dos hodiernos tempos que vivemos. São questões tão antigas como a humanidade e aceites, ou pelos menos toleradas, na maioria das civilizações pré-cristãs e em todos os continentes. Alguns povos e civilizações reprimiam a homossexualidade e não aceitavam outro que não o género binário, mas esse não era o padrão. 

imagem retirada da internet
A “evolução civilizacional” veio, por razões conhecidas, alterar e impor modelos de conduta sexual e a aceitar apenas o género binário. A repressão instalou-se, aliás como é norma quando se impõe um código de procedimentos às minorias. Se isto é válido para as questões de género e orientação sexual, aplica-se, do mesmo modo, a tudo o que é diferente da cultura dominante. A história dá-nos conta disso mesmo e, os exemplos são, infelizmente, muitos e conhecidos. O genocídio dos povos e a destruição das nações autóctones das Américas é, de todos esses atos, o menos enfatizado crime contra a humanidade, mas aconteceu e continua a subsistir, ainda que não faça manchetes nos jornais nem abra os noticiários das rádios e televisões.

imagem retirada da internet

A “evolução civilizacional” vai-se adaptando para perpetuar o domínio de poucos sobre muitos e as agendas sociais e políticas servem, bastas vezes, para assegurar essa estratégia. As prioridades sociais e políticas, nas sociedades ocidentalizadas, procuram dar resposta a questões e reivindicações que emergem no seio das classes médias urbanas, problemas cuja origem reside no próprio modelo de desenvolvimento que adotaram e do qual não querem abdicar. Não coloco em causa a importância dessas reivindicações, só estranho e lamento que outras, como a resolução dos problemas que estão na génese da exclusão social e da pobreza não mereçam a mesma atenção e prioridade, desde logo das classes médias, mas sobretudo dos decisores políticos que, consciente ou inconscientemente, surfam as ondas do que, nas sociedades ocidentalizadas, melhor satisfaz alguns movimentos sociais com acesso à comunicação, remetendo para a obscuridade dos guetos os excluídos e os pobres. Estas agendas políticas e sociais, ou melhor, as prioridades que lhe são conferidas são assumidas pela generalidade dos partidos e movimentos ditos de esquerda, incluindo o PS que não se sabe muito bem para que lado tomba, mas alimentam eleitoralmente a direita e engrossam as fileiras do populismo em Portugal e no Mundo. Discutir se nos textos legais a designação deve ser mulher ou “pessoa que menstrua” é inverter as prioridades políticas, adiar respostas ao combate à exclusão e à pobreza, alimentar o discurso da direita e, por conseguinte, contribuir para o crescimento do populismo.

Ponta Delgada, 10 de janeiro de 2023

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 11 de janeiro de 2023

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