quarta-feira, 6 de março de 2024

“Semear em março, para colher Abril!”

imagem retirada da internet
O XIV governo regional dos Açores tomou posse. Sobre as personalidades que o integram nada tenho a dizer, conquanto as dúvidas sobre a convivência pacífica deste elenco e o seu desempenho sejam mais que muitas. Aguardo pelo programa de governo para ajuizar do projeto político para esta legislatura que se antevê de curta duração, face ao posicionamento dos partidos políticos que lhe podem conferir durabilidade, não digo estabilidade pois, com a inconstância de posicionamentos de alguns dos agentes políticos que compõem o atual parlamento regional, estejam sozinhos ou agrupados, não vislumbro que a estabilidade seja apanágio deste período da vida política regional. 

Como sempre, será a população a pagar os desmandos da satisfação de interesses políticos pessoais e dos grupos que beneficiam com as respostas políticas que perpetuam o histórico atraso destas ilhas. A afirmação anterior tem subjacente um juízo de valor sobre o desempenho e o projeto político do novo governo regional. 

Sim é verdade! Mas não o faço de forma gratuita pois, foi José Manuel Bolieiro que o disse, quando em declarações recentes, após ter dado conhecimento do novo elenco governativo, ao afirmar: “Nesta nova composição do XIV Governo aponto para um exercício de continuidade. Existem pequenos ajustamentos, mas o governo terá praticamente todos os membros do governo que fizeram parte do XIII Governo, a orgânica também tem meros ajustamentos. É, por isso, um governo e uma governação de consistência e de continuidade com uma visão reformista…”; com estas palavras do presidente do governo regional é legítimo afirmar que nada se vai alterar, ou seja, as crónicas dificuldades sociais e económicas que nos situam na cauda das regiões europeias com os piores índices de desenvolvimento vão ter consistência e continuidade, mas com uma visão reformista, seja lá o que isso for atualmente pois, o “reformismo” já foi uma doutrina política adotada pelo socialismo democrático (social democracia) coisa que os partidos, da coligação governamental, desde logo o PSD, não são.

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Os deputados eleitos a 4 de fevereiro tomaram posse e constituíram-se em grupos e representações parlamentares. O grupo parlamentar do PSD tem 23 deputados (mais 2 que na legislatura anterior), o grupo parlamentar do PS tem 23 deputados (menos 2 que na legislatura anterior), o grupo parlamentar do CDS tem 2 deputados (menos 1 que na legislatura anterior), o PPM tem 1 deputado (menos 1 que na legislatura anterior e perdeu o estatuto de grupo parlamentar), o Chega tem 5 deputados (mais 3 que os eleitos na legislatura anterior), o BE tem 1 deputado (menos 1 que na legislatura anterior e perdeu o estatuto de grupo parlamentar), a IL tem 1 deputado (mantém o mesmo número), o PAN tem 1 deputado (mantém o mesmo número). Estes dados desagregados têm alguma importância para melhor compreender a maioria relativa da coligação PSD, CDS e PPM.

O CDS, de 3 para 2, e o PPM de 2 para 1, perderam 2 deputados a favor do PSD que passou de 21 para 23. A comunicação social e mesmo as forças partidárias em presença não se têm referido a este facto, nem à igual dimensão dos grupos parlamentares do PSD (23) e do PS (23). Valorizou-se a vitória da coligação como se esse triunfo fosse, inequivocamente, um grande êxito. Mas, em boa verdade, a coligação tripartida tem exatamente o mesmo número de deputados de que dispunha na legislatura anterior, os mesmos 26, agora distribuídos de forma diferente e com o CDS e o PPM a perderem terreno no contexto parlamentar o que, ainda assim, não foi suficiente para o PSD abdicar da presença do CDS e do PPM no novo elenco governativo. 

A ânsia do poder tem razões que a razão desconhece. Já não refiro a ética pois essa há muito que anda arredada da política regional, vale tudo, a qualquer preço, desde que se garanta um lugar à mesa onde se distribuem influências e se satisfazem egos políticos. 

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O parlamento regional tem uma configuração diversificada e uma maioria de direita (PSD, CDS, Chega, IL e PPM). O PS e o BE ocupam o espaço da esquerda parlamentar e deles se espera uma oposição firme à direita parlamentar. Veremos! O PAN não se sabe muito bem para que lado tomba, é assim como um catavento a apontar para a direção que melhor satisfaça os interesses políticos do seu porta-voz. O PAN não é carne nem é peixe, mas também não é vegetariano e muito menos vegano.

Com este quadro parlamentar e com este poder executivo não se pode esperar a adoção de medidas políticas que se traduzam na melhoria da vida dos açorianos. A direita governa para os grandes grupos económicos, promove a concentração da riqueza e o empobrecimento da generalidade dos cidadãos que vivem do seu trabalho (trabalhadores, micro, pequenos e médios empresários). Nada mudou, aliás como demonstram os resultados eleitorais. Alteração, a vir a acontecer, dependendo de eventuais entendimentos partidários, será a radicalização das políticas de direita que, como se sabe, só produzem mais desigualdade, mais intolerância, mais retrocesso civilizacional, mais exclusão, mais dependências.

Nos Açores as posições partidárias estão, diria eu, extremadas o que pode indiciar que a durabilidade deste governo seja de apenas alguns meses. Mas, há sempre um mas, tudo está dependente do que as eleições nacionais de 10 de março ditarem. As posições partidárias, na Região, irão ajustar-se consoante os resultados nacionais de partidos como o Chega, a IL, e a coligação de direita (PSD/CDS/PPM) e do quadro de maiorias parlamentares que se vier a verificar.

As sondagens são para todos os gostos e a sua utilidade é perversa, servem apenas para condicionar o voto dos cidadãos que, perante um determinado cenário, abdicam do voto esclarecido para o chamado “voto útil”, o que se constitui como uma inutilidade, e, bastas vezes, coloca em causa a boa governança, veja-se o resultado da governação da atual maioria absoluta, recue-se à legislatura de 2015 a 2019 e façam-se as devidas comparações. 

Os resultados alternantes das sondagens, hoje ganha o PS amanhã ganha a AD, são um bom exemplo da continuada e promovida bipolarização, alimentada por politólogos e comentadores, que beneficia o bipartidarismo e enfraquece a democracia. 

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A cobertura da campanha eleitoral em curso é um exemplo acabado do que acabo de afirmar. Tempos reduzidos de debate entre os protagonistas e infindáveis tempos para o comentário. Tudo isto como se os espetadores necessitassem de uma iluminada mediação para compreenderem o que os dirigentes partidários dizem e debatem, e assim se constrói uma opinião mediática que a generalidade dos cidadãos adota como sua. Não é de agora, mas tem-se agudizado. A chamada opinião pública é cada vez menos de ordem pessoal e coletiva e cada vez mais o resultado da opinião mediática, isto é, a opinião forma-se não pelo conhecimento estruturado, mas através de clichés, análises do acessório e de meias-verdades, sempre enganosas, veiculadas pela generalidade dos comentadores com estatuto de politólogos.

Os resultados eleitorais de 10 de março podem fazer-nos recuar aos períodos da austeridade e do empobrecimento, ou ao período em que foi demonstrado que o crescimento económico e o desenvolvimento são compagináveis com o aumento dos rendimentos do trabalho e dos direitos. A opção eleitoral dos portugueses, mais do que conferir uma vitória relativa ao PS ou à AD, vai ditar uma maioria parlamentar de direita ou de esquerda, e isso é o que está verdadeiramente em jogo.

Só com o reforço eleitoral e parlamentar de quem defende a consigna: “Semear em março, para colher Abril!”, será possível assegurar uma política à esquerda, o PS sozinho governa à direita, o reforço eleitoral de quem traduz a sua atuação política na defesa dos valores de Abril é contribuir para acabar com os sonhos de poder da extrema-direita. Não deixemos que se cerrem as portas que Abril abriu.

Ponta Delgada, 5 de março de 2024 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 6 de março de 2024

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