terça-feira, 30 de setembro de 2025

ambiguidades

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Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) A promessa de uma economia descarbonizada assenta, assim, num equívoco, ou seja, pretende resolver um problema criado pelo excesso de consumo e pela aceleração produtiva através de uma solução que mantém intactos os mesmos pilares. É o que poderíamos chamar de maquilhagem verde, pintar de sustentável aquilo que permanece estruturalmente insustentável. A indústria automóvel, por exemplo, não questiona o modelo de mobilidade assente no transporte individual, mas apenas substitui motores de combustão por baterias de lítio. As grandes multinacionais energéticas não abandonam a lógica monopolista, apenas diversificam o portefólio para instalar parques solares e eólicos de escala gigantesca, muitas vezes implantados em territórios já sobrecarregados de injustiças sociais.

A esta cosmética junta-se um segundo mecanismo de engano: a transferência da responsabilidade para o indivíduo. O cidadão comum é chamado a reciclar, a trocar lâmpadas, a comprar carros elétricos, a moderar o seu consumo, como se o destino do planeta dependesse, em última instância, da soma de pequenos gestos domésticos. Esta pedagogia moral, tão ao gosto da cartilha neoliberal, desloca o centro do problema e da solução para a esfera individual, enquanto absolve governos, grandes corporações e sistemas económicos da mudança estrutural que se impõe. (...)


segunda-feira, 29 de setembro de 2025

#somostodosSATA

A SATA, conjunto de empresas do grupo, é um ativo estratégico regional que os sucessivos governos da Região, em particular desde 2008, têm vindo a utilizar para satisfazer necessidades e interesses nem sempre compreensíveis, mas legítimos pois o Governo regional é o representante do acionista (povo açoriano).

Mas a legitimidade não deveria dispensar o Governo regional de pagar pelos serviços prestados que solicita, ou se preferirem, impõe à SATA. E não me refiro aos serviços que decorrem das obrigações de serviço público a que as empresas do grupo estão obrigadas, mas a todos os outros que o Governo tem exigido e que, numa perspetiva puramente empresarial, qualquer administração não teria incluído no seu plano de negócios.

Não vou enumerar os serviços que decorrem/decorreram de solicitações, julgo não ser necessário pois, é assunto do domínio público, mas vou lembrar que até 2012 o Grupo SATA apresentava resultados líquidos positivos, mormente, a SATA Internacional/Azores Airlines.

Se os sucessivos Conselhos de Administração cometeram erros, sem dúvida. Se aos erros das administrações pode ser imputada a total responsabilidade pela situação financeira do Grupo, NÃO!

A responsabilidade é dos diversos protagonistas políticos, ou seja, dos governos. Foram as opções e as “exigências” políticas que contribuíram para o descalabro financeiro que se vive atualmente, e como tal, não é sobre os trabalhadores que deve cair o ónus da responsabilidade como de forma, politicamente cobarde, o atual governo regional tem vindo a fazer.

Mas se assacar responsabilidades aos trabalhadores é uma cobardia política, a desvalorização deste ativo feita por alguns membros do atual governo, numa fase em que decorre um processo de privatização, é um crime económico e político.

Hoje os trabalhadores da SATA saíram à rua sob a consigna #somostodosSATA para manifestar o seu desagrado pela forma como têm sido tratados, mas também em defesa do Grupo SATA enquanto ativo estratégico regional que, na minha opinião, se deve manter integralmente no domínio público pois, o serviço que presta aos Açores e ao Povo Açoriano não é passível de alienação. 

 A SATA não é apenas uma empresa, é parte da soberania e da autonomia açoriana. Privatizá-la será um erro histórico.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 29 de setembro de 2025


economia circular ou o círculo imperfeito

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Chamam-lhe economia circular, como se a palavra encerrasse um feitiço antigo: o ciclo sem fim, o retorno eterno, a promessa de que nada se perde. Um círculo perfeito onde o consumo se purifica e os excessos se redimem pela reciclagem, pela reparação, pela reutilização.

Mas a realidade não é tão redonda. Há sempre perdas, há sempre sobras, há sempre cicatrizes escondidas. Na fundição de metais raros, no lixo tóxico das tecnologias verdes, nos corpos invisíveis que trabalham nas minas e nos aterros. O círculo, afinal, tem algumas arestas, e fere.

A narrativa da circularidade é um dos mitos convenientes. É um consolo para continuar a produzir e a consumir sem pôr em causa o essencial: a lógica do crescimento sem limites. Reciclar tornou-se indulgência, selo de consciência tranquila, mas que pouco altera a voracidade do sistema.

Há, contudo, na chamada economia circular algumas sementes de verdade. Prolongar a mais vida aos objetos, ou transformá-los é uma boa prática e abre algumas clareiras no modelo dominante se ousarmos ver a circularidade não como um ritual de purificação, mas sim como uma prática de contenção no consumo.

A economia circular nasceu como promessa de contenção: menos consumo, mais reparação, reutilização e partilha. Mas depressa o capital a transformou em negócio. O que antes era gesto comunitário, remendar, trocar, reaproveitar, tornou-se num serviço pago, certificado e rentável. Desta forma o círculo não se fecha, pois, ao invés em vez de pôr em causa o excesso, abre-se um novo mercado, onde até a reciclagem se vende como mercadoria. O risco é por demais evidente, a circularidade deixa de ser alternativa ao modelo de crescimento e converte-se na sua nova face, polida, verde e lucrativa.

A economia circular não é, por si só, a salvação pode, porém, ajudar-nos a desenhar um caminho menos devastador. Para caminhar para a utopia anunciada com a economia circular é necessário quebrar alguns mitos, desde logo, que a transição para modelos de desenvolvimento sustentáveis não é apenas tecnológica ou de consciencialização individual, a transição terá de ser coletiva e, como tal, civilizacional.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 29 de setembro de 2025


sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Assata Shakur (1947-2025): símbolo de luta pela liberdade

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“Ninguém no mundo, ninguém na história, conseguiu a sua liberdade apelando para o senso moral das pessoas que o oprimiam.”

Assata Shakur





Assata Shakur partiu, mas a sua voz permanece, acesa como uma chama que o tempo não apaga. Nascida JoAnne Deborah Byron, reinventou-se para escrever a sua própria história e, nesse gesto de autodefinição, afirmou a urgência de um povo que recusava ser apenas objeto da história dos outros. Foi militante dos Panteras Negras e da Black Liberation Army, perseguida por um Estado que a quis transformar em inimiga pública, símbolo do “terrorismo interno”. Para muitos, no entanto, Assata sempre foi, e, continuará a ser um símbolo de resistência, dignidade e coragem.


A sua autobiografia é mais do que testemunho e a sua vida foi um manifesto de luta contra a discriminação, contra a injustiça social e contra a exclusão.

Sobre o sistema prisional estado-unidense disse: “A prisão é um microcosmo do mundo fora dela. O mesmo racismo, a mesma injustiça, a mesma exploração existe, só que ampliada.” 

Assata Shakur denunciava assim o que muitos optam por ignorar e obliterar: as grades não estão apenas nas prisões, mas espalham-se pelo tecido social, feito de desigualdade, exclusão e violência estrutural.

Condenada num julgamento marcado pela parcialidade e pela perseguição política, fugiu em 1979 e encontrou em Cuba o refúgio e a solidariedade que os Estados Unidos lhe negaram. Ali viveu até hoje, foi um exílio forçado, mas também a liberdade reencontrada, entre diáspora e resistência.

A sua voz dialoga com outras mulheres da luta negra, como Angela Davis, companheira de tempo e de causas. Ambas denunciaram o racismo estrutural, a violência das prisões e a falsa neutralidade da justiça americana. Se Davis fez do espaço académico e do ativismo público a sua trincheira, Assata ergueu-se na clandestinidade e no exílio. São duas faces da mesma insubmissão.

Assata acreditava na revolução como processo vital, não como instante: “A revolução não é um acontecimento único. É um processo contínuo de libertação.” E lembrava que a liberdade precisa primeiro ser imaginada: “O povo que não consegue imaginar liberdade, não conseguirá lutar por ela.”

Hoje, perante a sua morte em Havana, o que permanece é esse convite radical à esperança. A sua vida, vivida entre perseguição, feridas e exílio, mostra-nos que resistir é também afirmar a beleza de existir com dignidade. Entre o peso da injustiça e a leveza dos sonhos, Assata Shakur ensinou que a luta não é apenas contra algo, mas sobretudo por algo. É uma luta por um mundo habitado pela justiça, pela memória e pela ternura insubmissa.

Assata partiu, mas deixou-nos um horizonte. E os horizontes, como sabemos, não se alcançam, perseguem-se. Os horizontes servem para caminhar em direção às utopias.


quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Erosão democrática

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As democracias contemporâneas, representativas e liberais, vivem um paradoxo. Proclamam-se sólidas, escudadas em eleições regulares e no funcionamento das instituições, na liberdade de imprensa e na separação de poderes, porém, por detrás da aparência formal, os seus pilares afundam-se nos alicerces. O edifício democrático, mais do que abalado por golpes externos, está sujeito a um crescente desgaste, até há pouco tempo pouco visível, que corrói as suas estruturas a partir de dentro do próprio sistema.

Seria importante clarificar o conceito de democracia, mas vou focar-me, apenas, nos modelos que vigoram na maioria dos países ditos democráticos, ou seja, nos modelos de democracia representativa e liberal e, em particular nos Estados Unidos da América (EUA) e na União Europeia (UE). 

Existem diferenças na arquitetura dos diferentes estados que integram estes dois espaços. Monarquias e repúblicas, regimes presidencialistas e semipresidencialistas, leis eleitorais assentes no voto universal e em votos colegiais, uma maior ou menor separação de poderes, e, se é verdade que estas diferenças, com maior ou menor visibilidade, conferem aos diferentes estados ou federações de estados particularidades que as podem distinguir, todas elas estão ancoradas na representação e, todas elas, têm vindo, diga-se com algum sucesso, a afastar as organizações sociais e laborais da participação nas decisões políticas que conformam a vida dos seus cidadãos, isto é, a participação cidadã tem vindo a ser cerceada, ou então, manipulada por via de organizações e movimentos permeáveis a agendas financiadas pelos mesmos agentes que, com maior ou menor visibilidade, suportam as organizações partidárias que, até agora, detêm o poder nos EUA e na UE.

A erosão democrática manifesta-se sobretudo na captura institucional pelo poder económico e financeiro apátrida. 

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Nos EUA, a influência dos lobbies e do financiamento privado das campanhas eleitorais é a norma, está integrada no sistema e tornou-se estrutural, de onde decorre que quem não dispõe de recursos ou apoios corporativos dificilmente acede (é eleito) a cargos de responsabilidade política. Na UE, a burocracia de Bruxelas funciona cada vez mais como correia de transmissão de interesses empresariais e financeiros, relegando os cidadãos para a condição de figurantes. A famosa porta giratória, que leva políticos a ocupar cargos em grandes empresas logo após deixarem funções públicas, é apenas a face mais visível desse fenómeno. Note-se que nem todos os partidos políticos são permeáveis ao financiamento espúrio que os limita na sua ação e os leva a atraiçoar os seus apoiantes. No caso português o Partido Comunista é o exemplo paradigmático de que nem todos estão à venda.

A liberdade de escolha, tantas vezes invocada, perde consistência quando o leque de opções políticas disponíveis se limita a gerir os mesmos consensos neoliberais. A democracia reduz-se, assim, ao ritual do voto, enquanto as decisões estruturais, como a política económica, a regulação digital, a energia, a segurança e os pilares do Estado Social são condicionadas por centros de poder externos à soberania popular. 

A abstenção crescente nas eleições é um reflexo direto dessa perceção de inutilidade: votar para quê? se tudo fica na mesma. Mas os efeitos da erosão democrática e do descontentamento dos cidadãos, a par de uma cultura de estupidificação, abre portas largas ao discurso populista para o qual há uma grande permeabilidade que veio a ser construída nas últimas décadas.

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A erosão silenciosa das liberdades através da manipulação algorítmica da informação nas redes sociais, da concentração mediática e do enfraquecimento do jornalismo independente reduzem a pluralidade do debate público. Ao mesmo tempo, em nome da segurança ou da estabilidade, multiplicam-se mecanismos de vigilância e formas mais ou menos subtis de censura. A democracia é apenas uma formalidade que se cumpre nos atos eleitorais pois, a sua prática tem vindo a ser fragilizada pela apropriação do poder político pelos oligopólios.

Em Portugal não é diferente. O país vive amarrado a uma dependência estrutural de Bruxelas e de Washington, onde se definem políticas económicas, financeiras, energéticas e militares que os órgãos de poder nacionais acolhem acriticamente. O espaço público está cada vez mais condicionado por interesses económicos concentrados, visíveis na comunicação social e no financiamento partidário, com a já referida exceção. O resultado é uma cidadania desmobilizada e fragilizada resumida aos atos eleitorais, ao mero consumo passivo de discursos prontos-a-servir e ao regurgitar de opiniões, sem base que as fundamente, nas chamadas redes sociais.

A erosão democrática não aconteceu nos últimos anos, é um processo gradual que tem vindo a ser construído ao longo de décadas, diria que a partir de 1947, e que se acentuou a partir da implosão da União Soviética. Deixo apenas um exemplo de uma conhecida iniciativa, que perdurou alguns anos (1966 a 1979), da manipulação e do condicionamento do pensamento: o Congress for Cultural Freedom. Outros exemplos existem e mantêm-se assumindo variadas formas, mas tendo sempre os mesmos objetivos de domínio e imposição de um modelo único de pensamento e de padronização dos hábitos de consumo.

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Se queremos salvar a democracia, dando-lhe a sua verdadeira significância (Governo do Povo), da sua lenta agonia, é urgente devolver-lhe substância e não deixar no limbo da impunidade os responsáveis pela degradação das instituições democráticas.

Não basta, portanto, denunciar a influência dos oligopólios ou a manipulação algorítmica. Há que reconhecer que a fragilização democrática tem sido acompanhada por um processo deliberado de estupidificação social. Reduzidos a consumidores de slogans e de entretenimento, os cidadãos foram progressivamente afastados do exercício crítico da política e, assim, tornaram-se terreno fértil para discursos simplistas e messiânicos. O populismo não surge do nada, o populismo alimenta-se do vazio deixado por quem deveria ter defendido a justiça social e a participação cidadã.

E sim! Estou a referir-me à responsabilidade histórica dos partidos socialistas e sociais-democratas europeus que, ao abandonarem a matriz social que os legitimava, se transformaram em gestores dóceis do consenso neoliberal, mas também aos partidos comunistas que enveredaram pela via do eurocomunismo, seja lá o que isso for, e se afundaram eleitoralmente, mas também na perda da influência social e sindical que tinham. O descontentamento popular, que deveria encontrar resposta em alternativas de esquerda consequentes, com a exceção já referida do PCP, é hoje manipulado por forças que usam as mesmas técnicas de marketing político e de comunicação emocional dos populistas de direita e extrema-direita.

Se em relação aos Estados Unidos existe um amplo consenso sobre a imbecilidade que carateriza o seu atual presidente, é bom que olhemos com o mesmo olhar crítico para os dirigentes da EU, como por exemplo Kaja Kallas e Ursula von der Leyen, e de alguns dirigentes dos seus Estados, Macron, Merz e  Stubb, de entre outros, para nos consciencializarmos de que tudo isto não acontece por acaso e a mediocridade que promove o caos estado-unidense e a decadência das instituições da UE têm a mesma origem, ou seja, resultam do esvaziamento da democracia e da ilusão de liberdade, como se alguém que não tem onde viver ou pão para colocar na mesa, fosse livre.

A democracia só poderá sobreviver se recuperar o seu conteúdo social e popular, se deixar de ser mera formalidade institucional para voltar a ser projeto coletivo. Caso contrário continuaremos a caminhar alegremente para o abismo.

Ponta Delgada, 16 de setembro de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 17 de setembro de 2025

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

do caos e da decadência

do arquivo pessoal



Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.





(...) Se em relação aos Estados Unidos existe um amplo consenso sobre a imbecilidade que carateriza o seu atual presidente, é bom que olhemos com o mesmo olhar crítico para os dirigentes da EU, como por exemplo Kaja Kallas e Ursula von der Leyen, e de alguns dirigentes dos seus Estados, Macron, Merz e  Stubb, de entre outros, para nos consciencializarmos de que tudo isto não acontece por acaso e a mediocridade que promove o caos estado-unidense e a decadência das instituições da UE têm a mesma origem, ou seja, resultam do esvaziamento da democracia e da ilusão de liberdade, como se alguém que não tem onde viver ou pão para colocar na mesa, fosse livre.

A democracia só poderá sobreviver se recuperar o seu conteúdo social e popular, se deixar de ser mera formalidade institucional para voltar a ser projeto coletivo. Caso contrário continuaremos a caminhar alegremente para o abismo. (...)


domingo, 14 de setembro de 2025

Casa-Mãe, de Paula Cabral

Acabei de ler, de uma só vez, Casa-Mãe, de Paula Cabral, integrado numa coleção sob a responsabilidade editorial de Vamberto Freitas e publicado pela Letras Lavadas.

Não costumo escrever sobre tudo o que leio, mas neste caso senti necessidade de deixar um breve registo. À medida que avançava na leitura, fui formulando ideias e impressões que merecem ser partilhadas, não como crítica literária, mas apenas como a experiência de um leitor atento.

Paula Cabral conduz-nos numa viagem intimista pelas memórias e afetos que nutre pelos lugares e pelas pessoas da sua vida, sem nunca deixar de olhar, com espírito crítico, para o que a rodeia: a rua onde vive, a cidade que habita, os Açores, Portugal e o mundo. Partilha connosco sentires, inquietações e também incómodos pessoais e profissionais. É professora, e isso deixa marcas no olhar que nos oferece.


Ao longo do livro, surgem temas que atravessam a vida coletiva e individual: a emigração que afetou tantas famílias açorianas, a religiosidade, a centralidade da família, a freguesia de Pico da Pedra, mas também a condição das mulheres, alicerce familiar e, sobretudo, sujeitos de transformação social.

Casa-Mãe é, assim, um testemunho que se enraíza no íntimo e ao mesmo tempo se abre ao universal. A leitura foi prazerosa e fico grato pela partilha.

Obrigado, Paula.


Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 14 de setembro de 2025


sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Privatizar o Handling da SATA. Para quê?

Num tempo em que a externalização de serviços está a ser fortemente questionada. O Governo Regional opta por comunicar que, a prazo, alguns serviços da SATA serão externalizados. 

A anunciada intenção do Governo Regional de separar os serviços de Handling da SATA, com vista à sua privatização, não é apenas um erro estratégico, é uma porta aberta à entrega de um setor essencial da aviação açoriana a interesses privados. 

O Handling não é um serviço acessório, mas parte integrante da operação aérea, separar significa desarticular a companhia e criar dependências artificiais. O paradoxo é evidente: privatizados os serviços, a SATA terá de os comprar a terceiros para apoiar a operação aérea, pagando pelo que hoje assegura dentro de portas.

As consequências não se ficam pela lógica financeira. Perde-se capacidade de controlo, enfraquece-se a coesão do Grupo SATA, fragiliza-se a defesa da mobilidade dos açorianos e dos interesses estratégicos da Região. O risco é claro: empresas privadas, movidas pela lógica do lucro imediato, não terão o mesmo compromisso com a continuidade territorial, com o emprego estável e qualificado, nem com a salvaguarda do interesse público. Esta separação não fortalece a SATA, antes abre caminho à sua fragilização e dependência, deixando no ar a pergunta essencial: a quem serve, afinal, esta opção política?

Aceito visões diferentes e com vantagens para os interesses da Região.

A questão financeira, sendo importante, não tem o significado nem a dimensão que alguns lhe conferem pois, para além das receitas próprias, insuficientes para encargos que não resultam apenas os da operação aérea, o Grupo SATA contribui para a Segurança Social, para a receita pública, através do IRS dos seus trabalhadores, mas também e, quiçá, sobretudo para que alguns setores da economia regional possam ter atividade lucrativa.

Aníbal C. Pires, 5 de setembro de 2025


5. 6 e 7 de setembro - FESTA DO AVANTE!

A Festa do Avante é muito mais do que um evento político e cultural. A FESTA é um espaço único de solidariedade, encontro e reencontro, onde se cruzam gerações, sotaques e percursos de vida. É o lugar onde a amizade se constrói no convívio simples, no trabalho voluntário, na partilha de ideais e de esperanças, sempre com os olhos postos num futuro mais justo e humano.

Entre palcos e debates, exposições e sabores do mundo, ergue-se um território de liberdade onde a luta se faz através da arte, da cultura e do diálogo. Aqui celebra-se a diversidade e o espírito coletivo, num ambiente de fraternidade que resiste ao tempo e se renova a cada edição.

Não é por acaso que, com toda a propriedade, se diz e bem, : "Não há Festa como esta".

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

Memória e esquecimento

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A memória coletiva, devia ser, mas não é, um arquivo neutro onde se guardam factos e datas. É, pelo contrário, um campo de batalha permanente, onde o que se recorda e o que se esquece resulta de escolhas políticas, culturais e económicas. O passado não é uma paisagem imutável. O tempo pretérito é continuamente reescrito a partir das opções do poder e do pensamento dominante que a cada momento histórico se impõe no senso comum e que melhor serve os seus interesses. E é por isso que a disputa entre memória e esquecimento nunca é inocente e que atualmente se transformou numa luta que urge travar para que o revisionismo não se imponha à verdade histórica.

Conhecer é um ato de libertação que arma os cidadãos, tornando-os menos vulneráveis à moldagem da opinião pública e ao revisionismo histórico. Por outro lado, é essencial perceber quais os interesses e as finalidades de quem decide sobre a reescrita da história.

Oito décadas depois da manhã de 6 de agosto de 1945, Hiroshima continua a ser o símbolo maior da capacidade autodestrutiva da humanidade. No espaço de segundos, uma cidade inteira foi reduzida a cinzas, e dezenas de milhares de vidas desapareceram numa nuvem de fogo e silêncio. O desfecho do conflito estava desenhado, mas os EUA não se abstiveram de cometer a barbaridade que três dias depois repetiram sobre a cidade de Nagasaki.

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No entanto, a narrativa dominante tende a enquadrar estes acontecimentos como inevitáveis, quase naturais, parte de um desfecho histórico que teria poupado vidas ao acelerar o fim da guerra e, raramente, o mainstream refere quem foram os autores dos bombardeamentos. A justificação oficial, a ocidente, repete-se como uma espécie de mantra, abafando perguntas incómodas: Era mesmo necessário? Quais foram os cálculos estratégicos e geopolíticos que estiveram por trás da decisão? E por que motivo a memória de Hiroshima e Nagasaki raramente se cruza com a lembrança dos bombardeamentos convencionais, igualmente devastadores e, quiçá evitáveis, que arrasaram cidades como Dresden ou Tóquio?

Ao simplificar o acontecimento, a memória oficial apaga a responsabilidade política e moral. E este apagamento não é irrelevante: Sem memória crítica, a humanidade arrisca-se a normalizar a guerra, a vulgarizar a violência e premiar os autores desse ato desumano.

Também o colonialismo europeu é um território de memórias conflituosas e uma história, nem sempre bem contada, ou melhor, descrita pelos olhos dos colonizadores como uma missão civilizadora alicerçada na supremacia dos povos europeus e concretizada pela força das armas, mas que para os povos colonizados foi uma experiência de exploração, violência, racismo e epistemicídio. Situação que mesmo após os processos de descolonização se perpetuou sob a égide e as diferentes faces do neocolonialismo, do qual nem todos os povos colonizados se libertaram. O certo é que, nas últimas décadas, a tendência dominante continua a ser a do esquecimento seletivo e do branqueamento.

Em Portugal, por exemplo, o império é muitas vezes reduzido a episódios de exotismo e à branda nostalgia do imaginário colonial africano. Não se fala tanto da escravatura, dos massacres ou da guerra colonial que, até à revolução de Abril, vitimou milhares de jovens nas frentes de combate em África. A narrativa da lusofonia procura suavizar os traços mais duros dessa história e, há ainda quem tente justificar o colonialismo português com as teses do chamado luso-tropicalismo

Esquecer e adaptar os factos, neste caso, é também uma forma de perpetuar uma versão unilateral da história. A memória não deve ser uma galeria de glórias, mas um espaço de responsabilização. Para que não subsistam dúvidas estas palavras não se destinam aos milhares e milhares de jovens portugueses que foram forçados a combater numa guerra que não era sua e na qual muitos milhares foram mortos.

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Outras memórias têm sido moldadas pelo presente, mas a história não mente. A OTAN fundada, como bloco militar defensivo, em 1949 integrou a ditadura portuguesa como um dos membros fundadores o que só se compreende face aos objetivos políticos desta organização que, como se sabe, tinha como principal finalidade o combate à expansão da influência soviética e uma suposta ameaça crescente de bolchevização do mundo.

Sendo assim e após a implosão da União Soviética, 26 de dezembro de 1991, e da anterior dissolução do bloco militar designado por Pacto de Varsóvia, em julho do mesmo ano, a OTAN deixou de fazer qualquer sentido como bloco militar.

As intervenções da OTAN na Jugoslávia, 1994 e 1999, no Afeganistão, em 2001 a 2021, no Iraque em 2004, na Líbia, em 2011, entre outros episódios de intervenção indireta, mas todos eles, veja-se, após a dissolução do Pacto de Varsóvia e da implosão da União Soviética. A partir do bombardeamento da Jugoslávia, a OTAN deixou cair o seu estatuto de bloco militar defensivo e assumiu-se como uma organização ofensiva ao serviço de interesses imperiais.

O que o mainstream transmite para a memória coletiva é uma narrativa de defesa da liberdade e da democracia, mas os seus objetivos e, particularmente, os efeitos reais das intervenções da OTAN foram devastadores para os países onde houve intervenção militar desta dita organização militar defensiva.

A memória oficial da OTAN é moldada pelo presente: enfatiza-se a ameaça externa, oculta-se o custo humano das guerras. E é neste jogo de esquecimento seletivo que se legitima a continuação da aliança, mesmo quando os resultados das suas ações são, no mínimo, discutíveis, bem assim como a sua existência.

Em Portugal, o caso da ditadura salazarista mostra bem como a memória é vulnerável à erosão do tempo e que, crescente representação institucional de forças populistas tem vindo a acelerar. No espaço de uma geração, a guerra colonial, a censura, a repressão política, a prisão, a tortura e o assassinato de opositores e a miséria que forçou centenas de milhares à emigração, foram sendo obliterados. Hoje, não é raro ouvir quem recorde a ditadura fascista como um tempo de ordem e tranquilidade e a difusão da ideia de que: antigamente é que era bom.

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Este branqueamento da história não é inocente, distorce a realidade e, por conseguinte, fragiliza a democracia. Quando às novas gerações lhes é sonegado o direito à informação e formação sobre a história da ditadura, a memória é apagada e abre-se o caminho para revisionismos perigosos. Portugal oscila, perigosamente, entre a nostalgia do império e a integração europeia, entre a memória da guerra colonial e o esquecimento das suas consequências sociais, entre a celebração popular do 25 de Abril e o risco de a reduzir a uma data protocolar, ou substituir a data fundacional da democracia portuguesa por um outro dia 25.

A disputa entre memória e esquecimento não é apenas um fenómeno natural da passagem do tempo: é também uma construção social deliberada. Os poderes instituídos têm interesse em moldar a memória coletiva. Reescrevem a história para legitimar o presente, ocultam responsabilidades, exaltam vitórias e reduzem derrotas a notas de rodapé.

Os instrumentos dessa manipulação são claros. O ensino, quando reduzido a programas mínimos e acríticos, transforma-se em veículo de amnésia organizada. A comunicação social, dominada por lógicas empresariais e agendas políticas, seleciona o que deve ser lembrado e o que deve ser apagado, reduzindo a complexidade a narrativas simplistas. E as redes sociais, com a sua velocidade e fragmentação, amplificam falsidades e revisionismos, transformando a mentira repetida em verdade partilhada.

O perigo não está apenas no esquecimento, mas na substituição da memória pela ficção conveniente. Quem controla a memória molda o futuro. É por isso que recordar não é um exercício nostálgico: é um ato político. Defender a memória crítica é defender a democracia contra a erosão lenta do revisionismo, é proteger a verdade contra a anestesia da mentira e é, sobretudo, escolher não entregar o futuro às mãos de quem se alimenta do esquecimento e do revisionismo histórico.

Ponta Delgada, 2 de setembro de 2025 

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 3 de setembro de 2025

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

instrumentos de manipulação

Aníbal C. Pires - do arquivo pessoal

Excerto de texto para publicação no Diário Insular e, como é habitual, também aqui no blogue momentos.




(...) Os instrumentos dessa manipulação são claros. O ensino, quando reduzido a programas mínimos e acríticos, transforma-se em veículo de amnésia organizada. A comunicação social, dominada por lógicas empresariais e agendas políticas, seleciona o que deve ser lembrado e o que deve ser apagado, reduzindo a complexidade a narrativas simplistas. E as redes sociais, com a sua velocidade e fragmentação, amplificam falsidades e revisionismos, transformando a mentira repetida em verdade partilhada.

O perigo não está apenas no esquecimento, mas na substituição da memória pela ficção conveniente. Quem controla a memória molda o futuro. É por isso que recordar não é um exercício nostálgico: é um ato político. Defender a memória crítica é defender a democracia contra a erosão lenta do revisionismo, é proteger a verdade contra a anestesia da mentira e é, sobretudo, escolher não entregar o futuro às mãos de quem se alimenta do esquecimento e do revisionismo histórico. (...)


terça-feira, 2 de setembro de 2025

música na FESTA


"A Festa do Avante tem sido, desde a primeira edição, um palco onde cabe o mundo. São muitos artistas de que gostamos muito, que fizeram, fazem e farão a banda sonora das nossas vidas. E são, sobretudo, amigos que se juntam. 

Do fado ao rock, da música popular portuguesa ao jazz, do rap às músicas do mundo, da música de intervenção à pop, da celta ao punk, do post rock ao funk, passando pelo hip hop, do afro beat ao blues, do R&B ao reggae, do kuduru à electrónica e à minimal repetitiva, de todas aquelas que não se integram em categorias formais. Dos nomes mais consagrados aos que o serão no futuro, todos passam pela Festa do Avante!"

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Mariam Abu Daqqa - a abrir setembro

A chacina de jornalistas e o genocídio continua na Palestina ocupada pelo estado colonial e sionista.

Mariam Abu Daqqa, repórter internacional, foi morta junto de colegas por um bombardeio sionista ao Hospital Nasser de Khan Younis, no sul de Gaza. O assassinato de Mariam ocorreu no dia 25 de agosto pp, com ela morreram mais 20 pessoas.

O estado colonial sionista já assassinou mais de 200 jornalistas, mas por cá (a ocidente) os jornalistas e comentadeiros avençados continuam a justificar o injustificável com o 7 de outubro e o Hamas, como se tudo não tivesse começado há mais de um século.

O silêncio é cúmplice.