quarta-feira, 26 de junho de 2013

Dívida e gestão do SRS

Os problemas da dívida do Serviço Regional de Saúde (SRS) não se relacionam com a despesa corrente, com o que se gasta, dia a dia, para pagar aos profissionais, para adquirir medicamentos, para garantir a prestação dos cuidados de saúde. 
O problema reside na despesa relacionada com o endividamento brutal, com os empréstimos sobre empréstimos, para conseguir pagar as dívidas de anos anteriores. E sobre esta questão, sobre os verdadeiros centros de custo que estão a arruinar o erário público, o plano apresentado pelo Governo Regional nada adianta. Em bom rigor, a proposta do Governo quer resolver um problema que não existe, deixando de lado o enorme problema que, esse sim, existe e está cada vez maior. 
E basta analisar os números dos três hospitais da Região, por exemplo, para ver como, já se está a reduzir a despesa diretamente relacionada com a prestação dos cuidados de saúde, enquanto aumenta monstruosamente o serviço da dívida.
Hospital da Horta, ano de 2011: Custos com pessoal: menos 10%; matérias consumidas: menos 8%; fornecimentos e serviços externos: menos 7% e outros custos operacionais: menos 26%. Ao contrário os custos e perdas financeiras aumentaram 479% (mais 2,5 milhões de euros), por exemplo.
Hospital de Angra, ano de 2011: Custos com pessoal: menos 4%; aquisição de serviços: menos 21,4%; subcontratos: menos 8.2%, poupanças que foram infelizmente contrariadas por um aumento dos encargos financeiros na ordem astronómica dos 282,6%, mais 3,5 milhões de euros, desviados da prestação dos cuidados de saúde para cobrir as dívidas passadas.
Hospital de Ponta Delgada, ano de 2011: Custos com pessoal: menos 4,1 milhões de euros; Custo das matérias vendidas e consumidas, aqui um ligeiro aumento na ordem dos 400 Mil euros; Fornecimentos de serviços: menos 2,3 milhões de euros. Estas poupanças na parte operacional, foram infelizmente absorvidas por um aumento dos encargos financeiros de mais 7,6 milhões de euros. Mais de 7,6 milhões de euros, que foram desviados da prestação de cuidados de saúde para serem alocados ao serviço da dívida.
Mas, para termos uma noção mais clara de como se escoa o dinheiro dos contribuintes sem que nada se acrescente à qualidade dos serviços de saúde, é preciso olhar com atenção para a Saudaçor.
Em 2011, esta entidade teve de fazer face a um aumento de juros e gastos similares na ordem dos 60%. Foram 8,3 milhões de euros, mais 3,7 milhões do que no ano anterior.
Outra coisa não seria de esperar de uma empresa que tinha, no final de 2011, mais de 310 milhões de euros de passivo. Na realidade, a Saudaçor tornou-se o depósito das dívidas da Região e, por isso, tem de assumir encargos bancários cada vez mais pesados. A evolução é clara: em 2004, por um empréstimo de 80 milhões, contraído junto do Banco Depfa, a Saudaçor pagou um spread de 0,15%. Uma boa taxa. Em 2010 as condições de mercado tinham-se agravado substancialmente e, por isso a Saudaçor, por um empréstimo de igual valor contratado com a CGD, a Saudaçor já teve de pagar um spread de 3,5%. Em 6 de Dezembro de 2011, por mais um empréstimo de 9 milhões, contraído junto do Santander Totta, já pagava 4% de spread. Mas, 3 dias depois, a 9 de Dezembro, por uma conta corrente destinada à liquidação parcial de dívidas do Serviço Regional de Saúde, aberta na CGD, a Saudaçor paga 6,5% de spread. O record, no entanto, fora atingido em 2010. Num contrato com o BANIF que, por uma conta caucionada também destinada ao pagamento de outras dívidas, cobra, nada mais, nada menos, do que 7,75%! 
Esta análise comprova que este peregrino modelo de gestão do SRS falhou. Nem a transformação dos hospitais em empresas permitiu que se estancasse as dívidas, nem a Saudaçor conseguiu poupanças apreciáveis. Aliás, do início ao fim a sua ação pautou-se por falhanço atrás de falhanço, insucesso sobre insucesso e nem sequer o projeto de informatização, o SIS-ARD, a Saudaçor conseguiu implementar!
Não resta a esta empresa qualquer espécie de condições financeiras ou perfil de crédito para encabeçar o projeto de desenvolvimento do sistema de saúde nos Açores. Neste momento a Saudaçor não passa de lixo financeiro tóxico com o qual a Região tem lidar. 
Ponta Delgada, 25 de Junho de 2013

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 26 de Junho de 2013, Angra do Heroísmo

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