quarta-feira, 5 de novembro de 2014

SRS, notas avulsas (cont)

Foto - João Pires
Dou hoje continuidade às notas avulsas sobre o Serviço Regional de Saúde (SRS) que na passada semana iniciei. 
É preciso romper com o círculo vicioso da doença-despesa e transitar gradualmente para o círculo virtuoso do investimento-ganhos de saúde-poupanças, que só a reorientação para um sistema de medicina preventiva pode trazer no médio prazo.
Uma outra questão, já referenciada, relaciona-se com o Planeamento do SRS, dentro do qual se incluem também e naturalmente as questões da sua sustentabilidade financeira.
Reconheço alguns méritos do Plano Regional de Saúde 2014-2016. É um documento bem estruturado, apoiado em indicadores quantitativos, com ambição e objetivos concretos e, diria mesmo, realistas. O reconhecimento dos méritos não me impede, antes me obriga a apontar-lhes as insuficiências. 
E a primeira delas, que parecendo formal não é, relaciona-se com a pequena dignidade legislativa que o Governo Regional lhe dá, reduzindo à inferioridade hierárquica de Resolução do Conselho de Governo. Julgo, salvo melhor e fundamentada opinião, que um documento desta importância deveria ser discutido e aprovado neste Parlamento, através de um Decreto Legislativo Regional. É que, desta forma, o Governo Regional não só reduz o âmbito da sua discussão como, verdadeiramente, menoriza o Plano Regional de Saúde reduzindo-o ao nível de um qualquer regulamento ou adjudicação de contratual.
Esta não é uma mera questão formal na medida em que é sintomática do que acontece na realidade. O Plano existe, mas o Plano é subalternizado, esquecido, atropelado até. O Plano planifica mas o Plano não orienta, nem ordena. Manda e orienta a discricionariedade da tutela.
O que tem caracterizado, na prática, a ação dos Governo Regionais na gestão do SRS tem sido a constante intromissão política no plano técnico, as decisões, por vezes com grandes implicações na gestão, em termos de alocação de meios, criação e extinção de unidades, tomadas de forma casuística, sem estarem solidamente fundamentadas em indicadores quantificados. Todos conhecemos os exemplos de como, perante um descontentamento local com alguma carência de saúde, logo aparece um esforçado Secretário Regional da Saúde, a mandar contratar a qualquer preço, a investir, a adquirir, ou o que seja, para silenciar rapidamente os protestos e o descontentamento. 
Isto conduz não a um sistema coerente e eficaz, mas sim a uma manta de retalhos, com duplicações e carências de meios e recursos, caro, ineficaz, que gera desigualdades sociais e geográficas no acesso e, na prática, ingerível. Se planificamos é necessário que não se viole ou altere o que está planificado ao sabor das conveniências do momento. Sim, é claro que os Planos estão sujeitos a reformulações em função da sua própria avaliação, aliás qualquer plano deve ter consagrado e calendarizado momentos de avaliação. 
O outro grande problema de fundo do planeamento da Saúde nos Açores, que também se relaciona com a questão formal que referi, é a sua excessiva centralização, pese embora no que concerne a alguns aspetos ela seja desejável e necessária. Ao contrário do que defende o Plano Regional de Saúde 2014-2016 planear não é apenas a: “racionalização na utilização de recursos escassos com vista a atingir os objetivos fixados, em ordem à redução dos problemas de saúde considerados como prioritários, e implicando a coordenação de esforços provenientes dos vários sectores sócio económicos...”, mas também e, quiçá numa dimensão porventura muito mais profunda, porque diretamente relacionada com a sua utilidade e eficácia, construir uma visão e objetivos unificadores, que possam envolver e congregar os esforços de todos os intervenientes, poderes públicos, trabalhadores do SRS e cidadãos, com vista à sua transformação e melhoria. 
Ao contrário, o que assistimos na Região são sobretudo decisões de cima para baixo, pouco ou nada compreendidas pelo público a quem se destinam, tomadas sem o seu conhecimento e participação, gerando descontentamentos e mesmo grande alarme e insegurança em relação aos meios e respostas de saúde disponíveis. Esta situação também não contribui para um clima laboral favorável e que convide à fixação dos profissionais de que desesperadamente necessitamos. É urgente inverter este paradigma da planificação de cima para baixo, de implementar o necessário trabalho de equipa e da procura incessante de participação pública. (cont.)
Horta, 03 de Outubro de 2014

Aníbal C. Pires, In Diário Insular et Açores 9, 05 de Novembro de 2014 

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