domingo, 13 de agosto de 2017

Agora não. Amanhã, talvez

Aníbal C. Pires (S. Miguel, 2016) by Madalena Pires







Este texto é, ainda um draft. É, também, o início, uma parte de um projeto em construção que pode, ou não, vir a ganhar volume e a ser dado à estampa. Quiçá.










Assim como uma espécie de prólogo

Numa das muitas entrevistas para a imprensa, rádio e jornais em que foi o sujeito, perguntaram-lhe, Alguma vez se sentiu ou foi prejudicado pela sua opção ideológica e partidária. A resposta saiu pronta e limpa, NÃO. Ele sabia que a pergunta não era inocente e, segundo as suas próprias palavras, estava de alguma forma à espera daquela questão.

Sete Cidades - Foto by Aníbal C. Pires
Há uns dias num dos recantos paradisíacos deste arquipélago abençoado por Deus, para quem nele acredita, ou pela mãe Natureza como eu prefiro dizer pois, não creio em divindades, e, onde a amena cavaqueira pode tomar rumos diversos, confessou-me que aquilo que tinha afiançado com tanta firmeza, não era verdade.
A resposta é, SIM. Sim fui prejudicado. Então porquê aquele perentório NÃO, perguntei-lhe. Coloquei a questão sem esperar que a resposta, conhecendo-o bem e sabendo que é uma pessoa reservada naquilo que a si diz respeito, não viesse eivada de subterfúgios, ou mesmo que dele obtivesse uma não resposta. Mas, para surpresa minha, assim não aconteceu e, talvez por ser Verão, respondeu de forma clara e objetiva, tal como tinha respondido NÃO durante aquela entrevista.
Se eu tivesse respondido Sim, como era esperado pelos jornalistas que me entrevistaram, a entrevista que não era pessoal, eu estava ali a representar uma organização, passaria a centrar-se num tema que podendo ser importante para mim, não era relevante para cumprir o objetivo a que me propunha e ao que era esperado por quem eu estava a representar, ou seja, a partir daí, se eu tivesse respondido Sim, as questões que me seriam colocadas passavam para o domínio do acessório e o essencial passaria para segundo plano.
Podes até, diz-me ele, considerar que optei pelo politicamente correto ou que tive medo, podes ajuizar como muito bem entenderes, mas o verdadeiro motivo foi aquele que acabo de te dizer e que nunca o tinha referido a ninguém, aliás, também como já te disse, estava à espera da pergunta o que facilitou aquele categórico NÃO.

Foto by Madalena Pires
Sabes, diz-me ele, temos de nos preparar para todos os cenários e, ainda assim, nem sempre se consegue que tudo nos corra de feição, mas correrá sempre mal se não nos preparamos antes das entrevistas, ou mesmo quando se trata de fazer pequenas declarações à comunicação social, tantas e tantas vezes em cima do acontecimento. É sempre bom escolher as palavras e tentar não ser dirigido pelos nossos interlocutores. Bem, esta premissa, como por certo concordarás comigo, aplica-se não só a esse contexto, mas a outros cenários. Não foi este o caso pois, como pudeste constatar não estou a fugir às tuas questões e nunca me passou pela cabeça, quando me convidaste para vir até aqui, que a nossa conversa viesse a tomar este rumo.
Percebi perfeitamente, porque o conheço e porque conheço, ainda que, superficialmente o funcionamento da organização política a que pertence desde a sua juventude. Sentindo que ele, talvez pelo cenário idílico, pelo calor do Verão ou pela confiança que em mim deposita, estava com disponibilidade para falar, ganhei coragem e atrevi-me a continuar.
Ouve lá, Sabia, não precisava sequer que o confirmasses que, de uma forma ou outra, as tuas opções ideológicas, podendo deixar-te bem contigo mesmo, te prejudicaram ao longo da vida, mas em determinado momento foi claro que alguém o fez de forma deliberada, pôs o teu bom nome em causa e atingiu direta ou colateralmente, como quiseres entender, um familiar teu. O que estranhei e, como eu, certamente, muitas outras pessoas que te conhecem, e que não duvidam da tua integridade moral e política, o que estranhei foi que não tivesses vindo a terreiro defender-te e esclarecer a opinião pública, Porquê. Por que te remeteste ao silêncio.
Quando acabei, embora tivesse sido breve, estava com o suor a correr pelas costas e, não era do calor. Para lhe colocar, sem rodeios, esta questão foi preciso alguma coragem. Quem o conhece sabe que ele é afável, simpático e bem-humorado, mas também sabe que há questões sobre as quais ele não fala e se o tentam encurralar pode tornar-se num adversário temível.
Claro que enquanto lhe fiz a pergunta não deixei de olhar para ele, não só por uma questão da urbanidade que ele tanto cultiva, e eu também, mas sobretudo porque era importante ler os sinais corporais que ele ia, ou não, transmitir. Ele sorria ainda que do seu olhar transbordassem um misto de sentimentos e algumas emoções antagónicas cujo espetro ia da tristeza à raiva, raiva que não chegava a ser ódio e vi, no seu olhar, a deceção. Sorrindo, respondeu.

Foto by Madalena Pires
E falou como eu nunca o tinha ouvido falar, falou de si, das suas angústias, dos seus sonhos, os sonhos que se cumpriram, os sonhos que continuam por cumprir, mas dos quais não abdica. E, com lágrimas que de quando em vez lhe afloravam aos olhos, falou dos sonhos que sabe não poder ver realizados, sonhos que se perderam no tempo, ou porque o tempo, o seu tempo, é finito.
Queres mesmo saber, Pois bem. Pede aí mais uma imperial e uns amendoins, e, presta atenção. Não só te vou dizer por que não vim a terreiro, mas também quem é que me tentou foder a vida.
Estupefacto perguntei, Sabes quem foi. Claro que sei, Sei quem foram os autores, sei quem foi o mensageiro, sei quem foi instrumentalizado, sei quem foram os lacaios que deram corpo à difamação e, sobretudo, sei qual foi o objetivo que esteve associado a esta trama, que como verás, tem requintes de malvadez, diria mesmo que tem contornos maquiavélicos.
A tarde prolongou-se até noite dentro, muitas outras tardes e noites se lhe seguiram. Partilhou comigo mais do que alguma vez julguei ser possível, mas como ele próprio diz nem tudo pode ser contado. Agora não, Amanhã talvez.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 12 de Agosto de 2017

1 comentário:

Maria Margarida Silva disse...

Gostei. Gostei do texto e, principalmente, do tema que ele aborda. Cobardia? Medo? Sim. O medo circula à nossa volta e de que maneira! Mais do que muita gente pensa ou sonha. Ou quiçá? Talvez até não desconheçam, mas prefiram calar.
Adiar!
A censura não acabou. Anda é mais disfarçada! E os compadrios, esses então, abundam duma forma, direi mesmo, devassa.
"É melhor ficar calado." - diz um.
"Quem tem filhos e sem um emprego deve fechar os olhos a muita coisa, porque pode cair em cima deles. Depois, não me calarei!" - diz o outro. "E assim, sucessivamente.
Adiar!
Amanhã, talvez!
Até quando?
Até...amanhã!
Um abraço.