domingo, 11 de novembro de 2018

Desempregados ocupados ou uma nova forma de servidão - crónicas radiofónicas

Imagem retirada da Internet




Do arquivo das crónicas radiofónicas na 105 FM

Esta crónica foi para a antena a 25 de Agosto de 2018 e pode ser ouvida aqui







Desempregados ocupados ou uma nova forma de servidão

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Hoje trago-lhe um assunto que conforma uma inaceitável imoralidade, podia dizê-lo de outra forma, E direi ao longo desta nossa conversa. Mas, para já, parece-me bem esta adjetivação para a utilização abusiva dos programas ocupacionais para desempregados.
Todos nós, em maior ou menor grau, estamos habituados às designações, Recuperar, PROSA, FIOS, SEI, CTTS. É por estes acrónimos que são conhecidos alguns dos programas ocupacionais para desempregados. E concorda, estou certo disso, que os desempregados estejam ocupados, ou seja, que ao invés de estarem em casa tranquilamente a receber o subsídio de desemprego lhes seja criada uma ocupação. Veja lá eu também estou de acordo, Concordo se o programa ocupacional cumprir a sua finalidade. E, dir-lhe-ei mais, os beneficiários destes programas também concordam. Não se pode deixar de reconhecer que, para quem se encontra há muito tempo desempregado e sem perspetivas, será uma sensação positiva encontrar uma ocupação útil com formação associada de duração limitada e, por fim a entrada no mercado de trabalho formal. Estamos de acordo e outra coisa não quererão os cidadãos dos programas ocupacionais para desempregados. Mas a realidade não é bem esta.
Sabia que a administração pública regional, em particular na saúde e na educação, utiliza os desempregados em programas ocupacionais 1, 2, 3, 4, 5, e até 6 anos para suprir necessidades permanentes de trabalhadores nesses setores. Mudando-os de programas e de locais de trabalho, ainda que se mantenham no mesmo departamento da administração pública regional. Pois é. Será que ao fim de 1 ano, vá lá 2 anos, esses cidadãos não estão já aptos a desempenhar os conteúdos de assistentes técnicos ou assistentes operacionais. Estarão certamente pois, se assim não fosse não continuariam a exercer funções, ainda que sem qualquer tipo de vínculo à administração pública regional.
Sim ouviu bem, há cidadãos em programas ocupacionais para desempregados que já completam 6 anos neste impasse. Cidadãos cerceados de um direito elementar, O trabalho. E o paradoxo é que só se verificam situações como a que me tenho vindo a referir por opção política do Governo regional. As necessidades permanentes de trabalhadores na administração pública regional são conhecidas, mas o Governo regional colmata essas carências com recurso abusivo aos cidadãos dos programas ocupacionais para desempregados, quando devia fazer corresponder postos de trabalho às necessidades permanentes e assim baixava a taxa real de desemprego e ao invés de beneficiários tinha contribuintes líquidos.
Não é aceitável e é imoral que cidadãos transitem de programa em programa, dentro do mesmo departamento do governo regional, ao longo de vários anos e não lhes seja garantido um vínculo de trabalho à administração pública.
Programas que na sua génese considero importantes enquanto instrumentos transitórios de formação e qualificação profissional que têm como objeto final a inserção no mercado de trabalho formal, mas em bom rigor a finalidade destes programas é uma farsa política que tem servido, por um lado para falsear a verdadeira dimensão do desemprego na Região e, por outro lado, serve para aliviar despesa pública regional pois, estes programas são, no essencial, financiados por fundos europeus, ou pelo orçamento da segurança social.


Em Fevereiro de 2015, segundo o Instituto do Emprego e Formação Profissional, havia nos Açores 4929 cidadãos integrados em programas ocupacionais para desempregados e a taxa de desemprego na Região rondava os 18%. Atualmente com uma taxa de desemprego pouco acima dos 8% o número de cidadãos desempregados em programas ocupacionais é de 5065 (junho de 2018) e muitos deles já o eram em 2015. A interpretação destes dados fica ao seu critério.
Quando me dirijo a uma escola ou a uma unidade de saúde, seja ela um hospital, um centro de saúde ou uma sua extensão tenho consciência que ali estão afetos cidadãos que estão nos programas ocupacionais para desempregados, mas não sou capaz de os distinguir dos trabalhadores que têm vínculo à administração pública regional. Usam vestuário adequado à função, no caso das escolas nem por isso, e ostentam em lugar visível um cartão de identificação com a indicação do departamento do governo regional, com o seu nome e com a sua categoria profissional. Mas depressa me chega a informação que afinal naquela escola, naquela extensão de um centro de saúde são mais os desempregados em programas ocupacionais a exercerem funções de assistentes, operacionais ou técnicos, do que os trabalhadores com essa categoria profissional.
Ou seja, existem escolas e departamentos das unidades de saúde de ilha que só funcionam porque dispõem de um contingente de cidadãos desempregados em programas ocupacionais pois, os trabalhadores com vínculo laboral são insuficientes.
Num mês em que o Governo Regional voltou à carga com a sua estratégia, exclusivamente assistencialista, de combate à pobreza não posso deixar de lembrar uma frase que retirei de um relatório do Banco de Portugal e que passo a citar: “A pobreza representa uma privação do direito básico de cada indivíduo participar plenamente na vida social, económica, cultural e política da comunidade em que se insere.” Fim de citação.
Ao Governo regional, que de socialista só tem o nome, parece interessar-lhe manter um grande contingente de cidadãos na pobreza ou no seu limiar pois, privar os cidadãos de direitos elementares é uma forma de exercer domínio sobre quem se encontra em situação de fragilidade social e económica, sejam os cidadãos desempregados, sejam os beneficiários de programas ocupacionais, sejam os cidadãos desprovidos de rendimento e dependentes do Rendimento Social de Inserção.
O poder executivo regional alimenta-se desta teia de dependências, promove o assistencialismo e priva os cidadãos de direitos básicos.
Fique bem.
É sempre um prazer estar consigo.
Volto no próximo sábado. Até lá.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 25 de Agosto de 2018

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