sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Promover a criação e a fruição cultural

Falar da riqueza e da diversidade cultural açoriana pode ser um lugar comum quando temos como referência o passado mais ou menos distante. As gentes que povoaram as diferentes ilhas, o ambiente, os fenómenos tectónicos e vulcanológicos, mas também a propriedade da terra e o uso que dela se fez, bem assim como o mar que nos envolve, o mar que nos isola e que, paradoxalmente, nos conferiu dimensão universal, são alguns dos factores que podem justificar a riqueza e diversidade da cultura açoriana que importa preservar, pois a sua singularidade é um importante activo num mundo que se uniformiza culturalmente.
Importa, antes de mais, fazer um pequeno parêntese não vá o leitor parar por aqui com a ideia de que sou um adepto da cristalização cultural e opositor da fruição dos bens culturais que nos chegam do exterior. Pode o leitor tranquilizar-se pois a salvaguarda da nossa cultura não é, não deve, nem poderá, ser inconciliável com outras formas de cultura, aliás julgo que a interacção cultural deve ser cultivada e fomentada, direi mesmo que essa será uma das melhores respostas à globalização uniformizadora do pensamento e do comportamento.
A cultura tradicional açoriana com todos os seus matizes é um património a preservar, a divulgar e a promover, sendo que algumas dessas manifestações da cultura popular pela sua peculiaridade, como sejam, a título de exemplo, os Bailinhos de Carnaval da Terceira, deveriam ser objecto de candidatura a Património Cultural Imaterial da UNESCO.
Falar de cultura nos Açores é falar do passado e do presente. A cultura tradicional de cariz popular coexiste pacificamente com outras culturas que se afirmam na nossa contemporaneidade e, em bom rigor, poderá mesmo afirmar-se que nunca, como hoje, a produção cultural açoriana foi tão diversa e profícua e, apesar da forte “concorrência” externa, tem vindo gradualmente a consolidar, pela sua qualidade, uma posição digna de registo.
Os produtores culturais açorianos confrontam-se, como outros sectores de actividade, com constrangimentos que advêm da nossa condição insular e arquipelágica. São limitações reais que as virtualidades das novas tecnologias não ultrapassam mas que podem ser superadas desde que haja vontade para tal.
Recentemente numa conversa informal com um dos muitos produtores e actores das artes de palco constatávamos essas mesmas dificuldades, todavia, não nos ficámos pelo reconhecimento dos crónicos embaraços causados pela condição insular e arquipelágica e concluímos pela necessidade objectiva dos agentes culturais da Região criarem, em estreita colaboração com o poder local e regional, instrumentos que favoreçam e potenciem a mobilidade interna e externa dos produtos culturais que se criam nos Açores. Afinal os custos de um evento de palco (musical, teatro, ou outro) têm um investimento fixo, promover a sua fruição dentro ou fora da fronteira da ilha acresce-lhe o valor da deslocação mas dilui-se o custo da produção, para tal é necessário uma alteração do paradigma organizacional dos agentes e produtores culturais e conquistar os poderes públicos para as vantagens que daí poderão advir, quiçá, até com a eventual diminuição do investimento público afecto ao apoio e à promoção da cultura e com claros proveitos para o público e para os agentes culturais, sejam eles ligados à cultura tradicional, à cultura contemporânea ou aos vanguardistas. Porventura será um dos caminhos, outros haverá! O que não me parece boa ideia é a inércia eternamente justificada pelos constrangimentos que a geografia nos impõe.
Aníbal C. Pires, In Expresso das Nove, 04 de Setembro de 2009, Ponta Delgada

1 comentário:

Maria Margarida Silva disse...

Cultura popular são manifestações populares que persistem no tempo e se conservam vivas na sociedade, sejam essas manifestações materiais ou não. E, é importante realçar, que para ser qualificada como popular, uma manifestação tem que circular em diversas classes sociais, e não apenas na chamada classe popular, em oposição à classe dominante.
O problema em se definir cultura popular está também no facto de quererem afastá-la de outras manifestações, como a “cultura erudita”. Um grave equívoco, pois cultura é, por definição, mistura. Não existe cultura original. Além disso, a partir do momento em que as distâncias diminuíram entre as comunidades geograficamente isoladas, não se pode mais falar em cultura pura. Toda a cultura é híbrida e multifacetada e a globalização fez atenuar as distâncias espácio-temporais e desenvolveu essa verdadeira amálgama cultural.
A cultura é um dos traços fortes da identidade de um povo e do seu sentimento de estar no mundo, de contributo para as relações sociais com os diferentes povos. Se anularmos esta identidade, anulamos também este povo.

“A cultura não salva nada nem ninguém, não justifica. Mas é um produto do homem: o homem projecta-se nela, reconhece-se nela; só esse espelho crítico lhe devolve a própria imagem.”
Jean-Paul Sartre in "As palavras"

É sempre bom e salutar reflectirmos um pouco.
Um abraço.

margarida