quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Produzir pobres

O Jornal de Negócios “online” informava no princípio da semana que o “spread” dos títulos da dívida pública portuguesa subia para um novo recorde. Na mesma notícia podia ler-se que as agências financeiras de investimento, designadamente a japonesa Namura aconselha os seus clientes a adquirirem títulos da dívida pública portuguesa, a serem emitidos ainda esta semana pelo Instituto de Gestão Financeira e do Crédito Público (IGCP), por se apresentarem com altamente rentáveis. Já na passada semana os investidores financeiros exigiram juros de 6% para a compra dos títulos da dívida nacional.
Trago-vos esta notícia por duas ordens da razão e nenhuma delas é para colocar o cenário ainda mais negro mas, na procura da desmistificação do funcionamento dos mercados financeiros entendidos por muitos cidadãos, habilitados ou não sobre esta matéria, como motores e alavancas da economia.
Em primeiro lugar e do que parece ser uma apetência e disponibilidade dos investidores para se atirarem gulosamente sobre os títulos da dívida pública portuguesa só posso concluir que existe liquidez mais do que suficiente nos mercados financeiros, ao contrário daquilo que tem sido afirmado. O que na realidade se passa é que a atenção dos investidores, naturalmente, passou para “negócios” mais rentáveis, direi mesmo, altamente rentáveis, e disse naturalmente porque quem se entretém a ganhar dinheiro, muito dinheiro, na especulação bolsista está pouco preocupado com a vida do comum cidadão português, grego, espanhol ou de um qualquer outro país vítima de um sistema financeiro e económico anacrónico e que tem dado os resultados que todos conhecemos.
Em segundo lugar porque as respostas de Portugal e da União Europeia são de total submissão a este sistema perverso que visa assegurar o lucro dos clientes das agências financeiras e penalizar os cidadãos que vivem dos rendimentos do seu trabalho, sejam eles trabalhadores do sector privado ou público, sejam os micros, pequenos e médios empresários. Em bom rigor tudo seria diferente se a posição da União Europeia, designadamente da Alemanha, fosse a da assunção da dívida pública por via do Banco Central Europeu e aí cairia por terra todo o poder das famigeradas agências de “rating” e as pressões dos especuladores financeiros não passariam palavras sopradas ao vento.
A pressão exercida sobre o nosso país está a produzir efeitos catastróficos na economia nacional e a aumentar os já graves problemas sociais com que a sociedade portuguesa se tem confrontado nos últimos anos, pobreza e exclusão social, 2 milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza e, mais recentemente o aumento galopante do desemprego.
É à banca nacional, pública e privada, que tem cabido, neste modelo económico caracterizado por uma cultura desenfreada do consumo, um papel fulcral na dinamização da economia. Barack Obama fez recentemente um “mea culpa” sobre a necessidade de alterar este paradigma, mas a verdade é que o seu país não tem feito mais do que exportar esse modelo e esse modo de vida. A banca nacional, devido às perversas pressões financeiras internacionais alterou radicalmente a sua filosofia no relacionamento com os clientes, sejam os particulares sejam as empresas – isto já se verificava muito antes da crise ser mundialmente decretada. De um momento para outro passou-se dos agressivos apelos ao crédito ao consumo para a retracção, para os apelos à poupança e para a elevada taxação de serviços.
A somar às restrições impostas pela banca e aos elevados custos que isso acarreta para os particulares e as empresas, vieram o PEC e as medidas complementares de reforço, conhecidas por medidas de austeridade, que se traduzem no aumento de impostos e na diminuição directa ou indirecta do rendimento das famílias. A consequência, está bom de ver, foi a retracção do consumo e, por conseguinte, a retracção da economia pois, como sabemos, o modelo assenta nisso mesmo: consumo. Se isto não é entrar num ciclo vicioso de recessão económica, o que será!?
Que Portugal e o Mundo necessitam de que o paradigma de desenvolvimento seja profundamente alertado, não tenho dúvidas. Que o caminho seja o de produzir mais pobres, mais excluídos e mais desempregados tenho muitas dúvidas.
Horta, 20 de Setembro de 2010

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 22 de Setembro de 2010, Angra do Heroísmo

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