quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Revisões

A abertura do processo de revisão constitucional pelo PSD, na forma, conteúdo e timing, obedece a objectivos e estratégias que nada têm a ver com a necessidade de adequação do texto constitucional à resolução dos graves problemas sociais, económicos e financeiros que Portugal enfrenta e, muito menos com qualquer ideia ou projecto político que contribua para resolver a situação dramática que os trabalhadores e o povo português estão a viver e a quem, de forma continuada, é exigido que faça mais e mais sacrifícios, enquanto os grandes grupos económicos e financeiros e os seus gestores e administradores continuam a ser beneficiados e protegidos.
Pelo contrário, o PSD não abdica do objectivo que persegue desde que a Constituição da República Portuguesa foi aprovada em 1976, apesar de a ter votado favoravelmente. Objectivo que consiste em destruir princípios básicos do texto fundamental, tentando legitimar a política neoliberal e de direita que tem imposto ou ajudado a impor aos portugueses. O que o PSD pretende com o seu projecto é um ajuste de contas com as conquistas sociais da Revolução de Abril, como sejam os direitos de acesso universal à Saúde, Educação e Segurança Social.
Mas este é apenas um dos motivos que levaram o PSD à abertura do processo de revisão Constitucional porque na realidade o projecto de revisão constitucional serve também ao PSD para desviar atenções da dramática situação que o País e a Região vivem e para camuflar as suas responsabilidades nessa situação, incluindo o seu apoio à política do Governo de José Sócrates, numa vã tentativa de se distanciar ideologicamente de um PS que paulatinamente lhe conquistou espaço político e eleitoral à medida que foi mergulhando num pântano infestado por neoliberais e teólogos do mercado.
Se para o conjunto do País a revisão Constitucional não vem trazer nada de novo, apenas alimenta agendas mediáticas e serve ao PS de José Sócrates para artificialmente se distanciar do PSD e de Passos Coelho, dando um ar de quem é, e sempre foi de esquerda, para os Açores, este é um tempo ainda mais desadequado, uma vez que a Região ainda não explorou devidamente as possibilidades abertas pelo novo Estatuto Político-Administrativo.
A Região por via do seu Parlamento necessita, antes de mais, de dar corpo às novas competências consagradas no Estatuto que, não esqueçamos está em vigor há pouco mais de um ano e meio, ao invés de abrir irreflectidamente, por via de disputas meramente partidárias entre o PS e o PSD Açores, frentes de batalha que em nada contribuem para a resolução dos problemas com que as açorianas e açorianos se confrontam no seu dia-a-dia.
Por certo não é a existência, ou não, de um Representante do Presidente da República na Região que contribui para o aumento do desemprego, para os baixos rendimentos, para a concentração da riqueza, para o elevado custo das tarifas aéreas, para a insuficiência das medidas de conjunturais de combate à crise ou para a cabal resolução de seculares constrangimentos da economia regional.
Cabe, em primeira e última instância, aos órgãos de Governo próprio da Região encontrar para os Açores as políticas e as medidas estratégicas que invertam este ciclo económico recessivo e que valorizem e dignifiquem quem trabalha e trabalhou com renumerações e pensões dignas e justas e promovam o emprego com direitos.
Os problemas com que a Região actualmente se confronta não se encontram nem no Estatuto, nem na Constituição antes decorrem das políticas que, na Região e na República, têm sido implementadas pelos sucessivos governos alternantes do PS e do PSD com ou sem o CDS/PP, no entanto isto não significa qualquer posição cristalizada ou de recusa à reflexão e ao diálogo sobre o aperfeiçoamento e aprofundamento da Autonomia regional mas não é este o tempo, nem a forma. O tempo é de valorizar o País e a Região e a sua capacidade produtiva, o tempo é de procurar um novo paradigma de desenvolvimento social e economicamente mais justo e de equilíbrio entre a actividade humana e a natureza.
Ponta Delgada, 28 de Setembro de 2010

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 29 de Setembro de 2010, Angra do Heroísmo

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