sexta-feira, 8 de abril de 2011

O resgate

Reconheço! Sócrates para além de outras virtudes ou defeitos, depende do ponto de vista, é um excelente actor, é calculista e faz uso de um pragmatismo saloio, mas eficaz, para se manter no poder. A comunicação que fez ao país para anunciar a inevitabilidade do pedido de “resgate” (pedido de ajuda externa) é uma peça de propaganda, com a devida incorporação tecnológica que caracteriza o nosso tempo, digna do mestre Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Adolfo Hitler.
Mais do que as artes de palco com que o primeiro-ministro habitualmente nos brinda interessa-me tecer algumas considerações sobre o “inevitável” pedido de ajuda à Comissão Europeia e o quadro desenhado para que esse pedido fosse apresentado, por José Sócrates, como uma decorrência natural das dificuldades de financiamento nos mercados. Dificuldades que se agravaram, segundo o PS, após aquela maldade que constituiu o chumbo do PEC IV.
O sector financeiro nacional, o PS, o PSD, o CDS/PP e o Presidente da República são os principais responsáveis pela situação de crise que afecta Portugal e pela decisão de pedir o “resgate” do país. Os primeiros porque são directamente beneficiados e, os segundos porque enquanto responsáveis pela governação ao longo das últimas 3 décadas cederam o poder que o Povo lhes conferiu a interesses que, comprovadamente, não são os interesses nacionais ou não estaríamos hoje a viver uma crise sem precedentes e que se anuncia ainda mais penalizadora.
O “resgate” funda-se em dois equívocos que importa desconstruir. O primeiro engano é disso que trata, estão a enganar-nos, tem a ver com a natureza dos problemas que estão na origem do fundamento do pedido de “resgate”. O problema do endividamento nacional, ao contrário do que nos é dito, não é o endividamento público mas sim o endividamento externo. O aumento do endividamento externo não se deve ao desperdício das finanças públicas mas às políticas que destruíram a nossa riqueza produtiva, a agricultura, as pesca e a indústria. Políticas que restringiram as fontes de geração de rendimentos e nos subtraíram a capacidade de criar impulsos económicos e aumentaram a dependência do exterior o que, naturalmente, levou à subida galopante do endividamento externo. A situação agrava-se quando o Estado (foi assim na Irlanda e na Grécia) assume o encargo extraordinário de salvar o sector bancário e que coincide com o declínio do rendimento e aumento da despesa para evitar o colapso económico. Não é, por conseguinte, verdade que o resgate seja obrigatório porque a economia sofre devido a um elevado endividamento público. A economia portuguesa está certamente debilitada mas pelas razões a que já aludi.
O outro equívoco decorre do anterior, ou seja, dizem-nos que para o “resgate” produzir efeitos deve vir acompanhado de medidas que resolvam o problema que originou a situação que lhe está na origem. Bom de ver! Se nos têm formatado com a ideia do incomportável aumento da dívida pública então a solução aparece com toda a naturalidade – cortes na despesa pública.
Ao contrário daquilo que ouvimos diariamente pela voz dos grandes grupos financeiros e dos seus mandatários o “resgate” e as medidas que o vão acompanhar – corte na despesa pública e nos salários, aumento do desemprego e dos impostos – irão provocar diminuição da procura e do investimento interno e, naturalmente, daí decorrerá menos actividade económica e menos riqueza.
Parece-me que esta é mais uma mentira só que desta vez a mentira não tem apenas um protagonista, há cúmplices devidamente identificados. Não vejo que estas medidas se destinem a “resgatar” o país uma vez que os recursos financeiros serão colocados à disposição dos bancos para que cobrem as suas dívidas e obrigar o povo a arcar com a pesada factura de uma operação financeira de longo prazo. Se mais fosse necessário comprovar basta atentar que foram os bancos, a mando das autoridades europeias, os principais agentes de convencimento dos portugueses para a eventual aceitação do “resgate”.
Por fim impõe-se uma pergunta. Quem é que concorre às próximas eleições legislativas? O PS ou a Moody’s? O PSD ou a Fitch Rating? O CDS/PP ou a Standard & Poor’s?
Ponta Delgada, 07 de Abril de 2011

Aníbal C. Pires, In A União, 08 de Abril de 2011, Angra do Heroísmo

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