quarta-feira, 14 de março de 2012

Recortes das ilhas (*)

A posição geográfica das ilhas dos Açores, a descontinuidade territorial, a origem vulcânica, as manifestações telúricas, o mar, esse mar imenso sempre presente no olhar ilhéu, e, os homens que desde o século XV se instalaram por estas paragens conferem a este arquipélago atlântico uma paisagem única e diversa.
Por breve que seja uma viagem pelo arquipélago, que se estende ao longo de 600 km, desde as Formigas ao ilhéu de Monchique, qualquer viajante cedo se apercebe da diversidade das gentes e da paisagem, seja pela arquitectura rural, seja por algumas peculiaridades da gastronomia de cada uma das ilhas ou, ainda, pelas manifestações da cultura tradicional que aqui e ali nos transportam para as origens das gentes e dos tempos do povoamento.
A paisagem física e humana dos Açores é o maior património destas ilhas atlânticas, património que importa valorizar e preservar, sob pena de se perder a identidade que, por um lado as individualiza e, por outro lhes confere uma identidade regional construída à volta da religiosidade, de que o culto ao Divino Espírito Santo é expoente máximo, das comunidades emigradas e dos movimentos autonomistas, e que a revolução de Abril de 1974 veio permitir consagrar constitucionalmente conferindo ao arquipélago dos Açores o estatuto político e administrativo de Região Autónoma.
A distância ao continente e a sua própria dispersão geográfica fizeram emergir alguns conceitos essenciais para o desenvolvimento e convergência interna, mas também para a aproximação e convergência com o território continental do país a que estamos ligados e, mais tarde com o espaço económico político, económico e social em que o país se integrou – a União Europeia.
É com base num desses princípios – o da continuidade territorial – que foi consagrado no Tratado da União Europeia o estatuto de região ultraperiférica, ou que hoje, ainda, usufruímos de uma tarifa aérea de residente.
Mas o princípio da continuidade territorial nem sempre tem sido levado em devida conta quer pelos Governo da República, quer pelos Governos da Região.
Lembro aqui, que o sinal da RTP Açores só chegou às Flores e ao Corvo em 1988, ou seja, 13 anos após o início da emissão experimental do canal regional e que, por opção do Governo Regional as Flores e o Corvo não estão ligados à rede do cabo de fibra óptica que cobre as restantes unidades territoriais da Região.
Foi, igualmente, com base no princípio da continuidade territorial que se fizeram investimentos públicos (de iniciativa da República e da Região) em infraestruturas para que os açorianos pudessem usufruir e idênticas condições à generalidade dos portugueses que vivem no espaço continental.
Ao abrigo da continuidade territorial deveria ter ser garantida a convergência com o País e com a União Europeia mas, não foi. Não foi pelas opções políticas regionais, não foi porque na República se foram instalando, servilmente, tecnocratas ao serviço de diretórios políticos e financeiros, não foram porque a União Europeia, como se está a comprovar, não passa de um enorme bluff.
(*) texto escrito e publicado em agosto de 2008 e hoje revisitado
Ponta Delgada, 13 de março de 2012
Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 14 de março de 2012, Angra do Heroísmo

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