quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Estórias de Hoje


O aroma do café acabado de fazer despertava a manhã, o leite aguardava-o na chávena do pequeno-almoço, enquanto isso procurou o pão e, num rápido olhar percebeu que só havia o número suficiente para a família que àquela hora ainda dormia. Uma lágrima aflorou-lhe aos olhos, sentou-se, acendeu um cigarro, bebeu o café com leite e saiu para o trabalho.
A situação descrita está a generalizar-se nos lares portugueses. Dir-me-ão, como o Ulrich, não é grave e podem aguentar mais, o pão não chegou para todos mas há café e leite, fuma-se e pelo menos alguém tem trabalho. É verdade, há situações bem mais dramáticas nos lares portugueses mas isso não me serve de contentamento, revolta-me. A ti também te devia revoltar!
Os portugueses estão a empobrecer. A subnutrição e a fome regressaram a este país onde um dia aconteceu Abril e se construíram os pilares de uma sociedade justa. A maioria de nós continua a assistir passivamente à aniquilação das estruturas do Estado, resignando-se e assumindo culpas que não tem, a não ser a culpa de não ter cuidado, a cada dia, do jardim onde florescem os cravos vermelhos. Essa é a nossa culpa, não soubemos cuidar da nossa democracia e, o poder que um dia foi do povo é agora exercido pelos lacaios dos oligopólios financeiros. Ao invés de um Governo de Portugal temos uma representação dos interesses alemães, suportado por uma maioria de deputados que mais parecem os bobos da corte imperial, ao invés de um primeiro-ministro temos um administrador delegado do FMI.
O mercado, a competitividade, a economia global, são a justificação para canalizar o grosso os recursos financeiros públicos para as empresas e desvalorizar o trabalho. E é disto que se trata, diminuir os custos do trabalho. Esquecem-se, não se esquecem escondem-nos, os iluminados teólogos do mercado que é do trabalho que vem o essencial da receita que o Estado depois redistribui por via das opções do orçamento. Vejamos como exemplo. Na Região a receita cobrada por via do IRS (imposto sobre os rendimentos do trabalho) é 15% da receita total, por outro lado a receita cobrada em sede de IRC (imposto sobre as empresas) é de 3%, ou seja, o trabalho contribui 5 vezes mais que o capital para a receita pública regional. Quem beneficia na redistribuição? As empresas. Perguntarão, e os apoios sociais? Não, não confundamos as coisas, os apoios sociais resultam das contribuições do trabalho para o orçamento da Segurança Social. Os apoios sociais provêm de um orçamento cuja receita é integralmente constituída pelas contribuições do trabalho, a parte que cabe aos empregadores está sempre, mas sempre, associada ao posto de trabalho.
Hoje vi o trailer de um documentário feito nos Estados Unidos. O documentário procura demonstrar, e demonstra, o empobrecimento a que, também, os cidadãos dos Estados Unidos estão a ser vítimas. A estória repete-se um pouco por todo o chamado Mundo ocidental e/ou desenvolvido, diminuição acentuada do rendimento médio e crescimento exponencial dos rendimentos de topo. Resumindo trata-se da promoção da desigualdade para todos, deixando um pequeno grupo de famílias na posse de toda a riqueza. Será isto um novo conceito de democracia!? 
Ponta Delgada, 05 de Fevereiro de 2013

Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 06 de Fevereiro de 2013, Angra do Heroísmo 

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