segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Para a saúde ou para a doença


As questões relacionadas com o Serviço Regional de Saúde (SRS) estiveram, e estão, na agenda política institucional. A discussão política, no essencial, tem-se centrado nas questões da dívida do setor e há mesmo quem, no quadro partidário regional, defenda um resgate da República para solucionar o problema. Sendo a dívida e o seu valor preocupante julgo que quem assim procede, propondo a intervenção da República, mais não pretende do que a destruição do SRS e caminhar a passos largos para sua privatização da saúde, isto para além de tentar evitar que a discussão política se centre sobre os motivos que estão na origem da dívida e sobre a necessidade de uma profunda alteração das políticas de saúde na Região e no País.
Ao longo da história da autonomia registaram-se no setor da saúde, como em outros, avanços significativos o que implicou avultados investimentos públicos, embora nem todos os investimentos tivessem sido os mais adequados e em conformidade com as necessidades e prioridades de uma política de saúde desenhada para uma Região insular e arquipelágica como a nossa.
Nesta reflexão importa a dívida, no que concerne à sua amortização mas, sobretudo a identificação das opções que lhe estão na origem. Sem uma avaliação que identifique as causas do endividamento e os desperdícios do sistema, para sobre elas intervir, de nada valerá a discussão política sobre o setor, ou seja, discutir apenas a dívida não melhora a qualidade do serviço, nem resolve o problema financeiro com que o SRS está confrontado.
De entre outras causas que estão na origem da dívida destacaria as seguintes: i) as políticas e os investimentos no setor foram desenhadas para a doença e não para a saúde, a esta opção não será alheia a submissão dos decisores políticos aos interesses corporativos, designadamente da indústria farmacêutica, indústria cujo fulcro do negócio é a doença e não a saúde; ii) gestão empresarial do sistema, a criação da Saúdeaçor e dos EPEs revelou-se catastrófica para o setor pois, desta opção não resultaram ganhos financeiros, nem a melhoria da qualidade dos serviços; iii) subaproveitamento da capacidade pública instalada, as infraestruturas, equipamentos e os recursos humanos não são devidamente rentabilizados, de onde resulta o recurso à contratualização de serviços privados, muitas vezes a funcionar nas instalações do serviço público e com utilização de equipamentos públicos; e iv) subfinanciamento do setor, as opções orçamentais alocaram recursos financeiros públicos a setores públicos e privados que, por direito, deveriam ser afetos aos setores sociais do Estado, designadamente à Educação e à Saúde.
Um dos problemas centrais do SRS reside na carência dos chamados médicos de família, com prejuízo para a saúde das populações e resultando num substancial aumento da despesa do sistema. A desvalorização, estratégica, dos médicos de Clinica Geral em detrimento de outras especialidades, associada ao exíguo número de vagas nos cursos de medicina resultou na generalizada falta destes médicos no país, mas que se sente com especial gravidade na Região. Esta situação decorre da opção política de ter serviços de saúde, na Região e no País, construídos para a doença e não para a saúde.
A empresarialização da gestão do SRS não só demonstrou ser completamente ineficaz no cumprimento dos objetivos para que foi criada, como introduziu um facto perverso no sistema: assim como uma espécie de dupla tutela, por um lado a Secretaria Regional da Saúde e, por outro a Saúdeaçor.
A incapacidade da tutela, não sei qual se da Secretaria se da Saúdeaçor, de rentabilizar os recursos e investimentos públicos conduz à atual promiscuidade entre a atividade pública e a atividade privada, com custos elevadíssimos para o erário público.
O direito à saúde está consagrado constitucionalmente de onde resulta que os impostos que nos cobram, e não são poucos, se destinam prioritariamente a financiar este e outros direitos constitucionais como seja, por exemplo o direito à educação. As opções políticas de afetação da receita proveniente da tributação fiscal têm sido subvertidas, não é raro ouvirmos da boca do atual primeiro-ministro, mas também dos que o precederam, que é necessário aliviar a despesa do Estado com os setores sociais para apoiar as empresas, e de facto assim tem vindo a acontecer, subfinanciam-se os setores sociais para distribuir biliões de euros para a recapitalização da banca, para apoiar as empresas a pagar os custos do trabalho. Se as opções continuarem a ser estas a dívida da saúde irá continuar a crescer e em breve assistiremos ao desmantelamento completo dos serviços públicos de saúde. 
Horta, 17 de Fevereiro de 2013

Aníbal C. Pires, In Expresso das Nove, 18 de Fevereiro de 2013, Ponta Delgada 

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