segunda-feira, 27 de maio de 2013

Reencontros (*)

Revisitar os lugares vividos e a memória do tempo é um exercício de reencontro com o passado, embora os espaços e o tempo tenham adquirido os maneirismos e os caminhos de uma denominada modernidade fundada no acessório, no parecer, na imagem e na aculturação saloia que transforma os lugares em não lugares e onde o tempo não sobra às novelas e ao futebol. 
Mesmo assim gosto deste exercício! Gosto destas viagens ao passado, num presente que maltrata o futuro. 
Gosto, quando o tempo me sobra, de voltar aos lugares de construção da minha identidade cultural. É certo que resta pouco, muito pouco, à matriz cultural que me formou como pessoa igual e diferente a outros nascidos no mesmo tempo e espaço. Mas vou e gosto, gosto dos reencontros com o pouco que resta da identidade cultural que herdei e que me conferiu esta, e não outra qualquer, maneira de estar no Mundo.
E gosto! Gosto não pelo revivalismo ou pela nostalgia mas pelo prazer do reencontro e, sobretudo, pela afirmação da diferença num tempo de igualitarismos que emergem da globalização que mundializa os comportamentos e cava fossos que acentuam as diferenças na realização social e económica dos indivíduos e dos povos. 
A padronização do comportamento faz-nos previsíveis e, naturalmente, objetos moldáveis ou, se preferirmos seres acríticos, incapazes de ter vontade própria. Afirmar a igualdade através da diferença é um exercício de cidadania e, um direito reconhecido e aceite universalmente, é por conseguinte uma forma de lutar contra a alienação e formatação do pensamento.
Mas nos reencontros com a memória dos lugares e do tempo há… encontros. 
Encontros com pessoas deste tempo e que habitam estes lugares, pessoas que teimam em preservar a identidade e a memória coletiva que os faz diferentes. Pessoas que na afirmação da diferença exigem ser tratados como iguais. 
E, também por isso é bom! Ou talvez, sobretudo, por isso! Pelas pessoas. Pessoas que têm tempo e, usam-no não o deixam passar. 
Há pessoas que teimam em não deixar passar o tempo, há pessoas que teimam em não passar ao lado da vida… Vivem-na e transformam o presente a pensar no futuro.

(*) Este texto foi escrito na Covilhã no dia 10 de Agosto de 2007 e publicado na imprensa regional alguns dias depois. Recuperei-o para este espaço pois a pequena reflexão que encerra é, digo eu, intemporal.
Ponta Delgada, 26 de Maio de 2013

Aníbal C. Pires, In Expresso das Nove, 27 de Maio de 2013, Ponta Delgada

Sem comentários: