segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Uma questão de memória

Imagem retirada da internet



Este não é um texto sobre os refugiados mas bem podia ser. Este é um texto de 2005 e aborda um relatório do Observatório Europeu dos Fenómenos Racistas e Xenófobos divulgado no início desse ano. Hoje ao relê-lo e face às manifestações xenófobas que a situação dos refugiados despoletou, pensei cá para comigo que bem podia ter sido escrito hoje.





Uma questão de memória 
Foi com alguma perplexidade e apreensão que tomei conhecimento das conclusões de um estudo do Observatório Europeu dos Fenómenos Racistas e Xenófobos realizado recentemente.
As conclusões não deixam margem para equívocos, a maioria dos cidadãos europeus não concorda com a entrada de mais estrangeiros no território europeu. No topo a Grécia, na cauda a Suécia, o quarto lugar é ocupado por Portugal. Mais de 60% dos portugueses diz não à entrada de mais imigrantes.
Sabendo-se que Portugal é um país de mestiçagens, os estudos genéticos assim o comprovam, e de emigração – poucas famílias portuguesas não terão vivenciado, direta ou indiretamente, a dor da partida, a saudade de alguém que procurou, procura, melhor sorte, noutras paragens. Daí advém a minha perplexidade, Será que os portugueses não têm memória. Será que este povo não se reconhece no “outro”.
Foto - Aníbal C. Pires
A memória de alguns acontecimentos de cariz xenófoba que, ciclicamente, vão tendo lugar nos países europeus transforma-se, em preocupação.
A esmagadora maioria dos mais de 60% de portugueses que entendem não dever ser permitida a vinda de mais imigrantes para Portugal tem baixas qualificações académicas, mantêm relações laborais precárias e não detêm qualificações profissionais. A contextualização das conclusões obtidas face à caracterização socioprofissional, do segmento da amostra, que mais reservas põe à entrada de imigrantes permite compreender melhor os resultados obtidos mas, no entanto, não deixa de constituir uma preocupação.
A fobia do terrorismo, decorrente do 11 de Setembro de 2001 e de 11 de Março de 2004, associada à retração da economia portuguesa e europeia, imposta pelo garrote do Pacto de Estabilidade e Crescimento, contribuem, seguramente, para que a opinião pública portuguesa, nomeadamente, a mais permeável à manipulação da informação e a mais fragilizada social e economicamente, formule opiniões como a que foi divulgada pelo estudo do Observatório Europeu de Fenómenos Racistas e Xenófobos.
As conclusões do estudo justificam a necessidade, por mim expressa em diferentes fóruns, de se encararem os assuntos da imigração e da gestão da diversidade com seriedade e rigor, equacionando as diferentes variáveis deste fenómeno que, não sendo de hoje, assume, atualmente, uma dimensão e multiplicidade preocupantes.
A gestão dos fluxos migratórios não se faz com barreiras administrativas, veja-se o fracasso da contingentação imposta pela “lei da imigração” portuguesa, nem mesmo com barreiras físicas, os perigos da travessia do estreito de Gibraltar ou a super vigiada fronteira do México com os Estados Unidos, impedem que milhares de pessoas insistam nesta “imigração de desespero” provocada pelas diferenças, cada vez mais acentuadas, de desenvolvimento entre um Norte cada vez mais rico, mas que já produz muitos pobres, e o Sul, cronicamente pobre, cada vez mais pobre.
A gestão efetiva e racional dos fluxos migratórios terá de equacionar, inquestionavelmente, acordos com os países emissores de imigrantes, com os países de trânsito e, principalmente, por uma nova ordem internacional que respeite o direito dos povos e dos indivíduos a usufruírem de uma vida digna, no respeito da diversidade e dos Direitos do Homem.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 17 de Março de 2005

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