quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Tenha vergonha senhor embaixador

Foto by Aníbal C. Pires
Um embaixador que foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de um governo de Portugal, não sei bem porquê nem quero saber, veio a terreiro tecer considerações sobre relações externas, que julgo ser a sua área de especialidade. Mas ser um expert nem sempre significa ser conhecedor de uma determinada realidade que se situa num cantinho da esfera do seu conhecimento. E foi o caso.
Que a questão da Base das Lajes é um caso mal resolvido da diplomacia portuguesa, Estamos de acordo. A responsabilidade, sendo bilateral, é, obviamente, dos dois países. Mas Portugal que agiu sempre numa posição de inferioridade, ajoelhado ou de cócoras tanto faz, pois, o efeito foi sempre o mesmo e, por isso o nosso país tem, neste caso, uma responsabilidade acrescida.
Os Estados Unidos usaram e usam. Os Estados Unidos pagaram, mas já há muito tempo deixaram de o fazer. Os Estados Unidos abandonam, mas não de todo porque o corredor Atlântico necessita daquele ponto de apoio estratégico e, se necessário for, em estado de prontidão operacional de um dia para o outro, quem diz um, diz três ou quatro dias. Por outro lado, o embaixador, melhor que eu, deveria saber que os Estados Unidos, não têm países amigos permanentes ou de ocasião. Os Estados Unidos têm interesses, E defendem-nos. Portugal nunca valorizou os seus ativos perante os Estados Unidos, perante a Europa e perante o Mundo, mormente perante o Mundo lusófono, sendo este mesmo Mundo um precioso ativo que tem sido desbaratado pelo nosso país. Esta é a grande diferença, Portugal aceita sem discutir, Portugal aceita sem exigir, Portugal aceita sem fazer valer os seus interesses. Portugal é um país submisso e submetido. Parece duro, e é, mas nem por isso deixa de ser a realidade contemporânea portuguesa.
Como atrás referi concordo, embora os pontos de vista sejam antagónicos, com o embaixador Martins da Cruz quando ele afirma que o dossiê Base da Lajes é um assunto mal resolvido. Já o não estou quanto à presença de uma representação açoriana na Comissão Bilateral. Claro que é necessária, claro que tem toda a legitimidade, isto para além das suas declarações, em entrevista a um diário nacional, estarem eivadas de algumas, diria, inverdades. Ou pelo menos a carecerem de melhor prova, uma vez que é o próprio representante açoriano na Comissão Bilateral, Professor Luís Andrade, no período referido pelo embaixador Martins da Cruz, então titular da pasta dos Negócios Estrangeiros, que afirma ter participado sempre que para isso foi convocado ao contrário do que é afirmado pelo entrevistado embaixador.

Martins da Cruz - imagem retirada da internet
O embaixador Martins da Cruz tem uma visão redutora do Estado português. Sendo Portugal um Estado unitário tem uma organização política e administrativa descentralizada. Os direitos e competências da Região Autónoma dos Açores (RAA) consagradas na Constituição e no Estatuto são, salvo melhor opinião, claras no que concerne à matéria em apreço, senão vejamos o que nos diz a a), do ponto 2, do art.º 7, do Estatuto Político Administrativo da RAA. O art.º 7 enuncia os “Direitos da Região” e o seu ponto 2 diz, e passo a citar, “A Região tem direito de participação, quando estejam em causa questões que lhe digam respeito”, pode depois ler-se na a) do ponto 2, do já referido artigo, “Na definição, condução e execução da política geral do Estado, incluindo a negociação e celebração de tratados e acordos internacionais;”. Pois bem julgo que o senhor embaixador continua a ter uma visão centralista do Estado português que lhe induz uma leitura redutora dos textos constitucional e estatutário. Infelizmente a doutrina centralista ainda vai fazendo escola, contudo e felizmente há muito outros diplomatas que pensam e agem de forma diferente, como foi o caso de Nuno Brito, embaixador de Portugal nos Estados Unidos, entre 2011 e 2015, e que desempenhou um importante papel, em estreita cooperação com a RAA, na defesa dos interesses portugueses no “Dossiê da Base das Lajes”. Ainda que os resultados não tenham sido os desejados reconheço esse importante papel ao embaixador Nuno Brito.

Imagem retirada da internet - cimeira das Lajes
Quanto ao embaixador Martins da Cruz ficam apenas, à margem da questão central aqui tratada, duas notas do seu vasto currículo. Foi assessor do Primeiro-ministro Cavaco Silva, para os assuntos diplomáticos e Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo do PSD/CDS, entre 2001 e 2003, sendo Primeiro-ministro Durão Barroso.
Durante o período em que, Martins da Cruz, tutelou os Negócios Estrangeiros realizou-se a famigerada Cimeira das Lajes, a 16 de Março de 2003, da qual resultou a invasão do Iraque. Invasão que Portugal apoiou ao arrepio das Nações Unidas. É este o homem que nos vem dizer que os Açores não devem ter assento na Comissão Bilateral. Tenha vergonha senhor embaixador.        
Ponta Delgada, 20 de Fevereiro de 2017

Aníbal C. Pires, In Diário Insular e Açores 9, 22 de Fevereiro de 2017

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