domingo, 14 de fevereiro de 2021

dos namorados e dos santos casamenteiros

do arquivo pessoal




Texto escrito, em 2019, para o programa “Os Porquês” da SMTV (pode ver aqui). A data tem importância pois, nesse ano o “dia das amigas” ocorreu com o “dia dos namorados” (dia de S. Valentim), e o texto refere essa coincidência.





Programa n.º 16 – Porquê o S. Valentim quando temos o Santo António e até o S. Gonçalo de Amarante?

imagem retirada da internet
O calendário gregoriano este ano pregou uma partida ao calendário comercial. 

O “dia dos namorados”, dia de S. Valentim, uma celebração importada para as rotinas regionais e nacionais, coincide com o “Dia das Amigas”. 

Nada que o marketing não resolva para minimizar esta infeliz coincidência do calendário.

Já estou a imaginar as sugestões:

“Venha almoçar com o seu namorado e fique para jantar com as suas amigas”, ou vice-versa. Embora nos Açores, considerando a importância do “Dia das Amigas”, julgo que a opção da oferta comercial será a que eu referi. 

imagem retirada da internet
Almoce com o namorado e jante com as amigas.

Apesar de tudo, tenho cá para mim que, neste caso, a tradição será mais forte do que a importada celebração de S. Valentim.

Percebo e compreendo o que está na génese da integração nos nossos hábitos do “dia dos namorados” e do “dia das bruxas”, embora considere que não há necessidade de importar tradições que nos são exógenas, quando temos igual ou análogo na nossa cultura e tradição.

Veja-se, por exemplo, a celebração do “dia dos namorados”. É dia de santo. Dia de S. Valentim bispo que, apesar da proibição da celebração de casamentos pelo imperador Cláudio II, continuou a fazê-lo clandestinamente. S. Valentim foi sacrificado e santificado e, agora é celebrado, um pouco por todo o Mundo, pelo calendário comercial da globalização.

Cá por mim festejo o amor todos os dias e, por outro lado um país que tem o Santo António de Lisboa e o São Gonçalo de Amarante pode, muito bem, dispensar o S. Valentim. Ou será que a devoção pelos nossos santos casamenteiros caiu em desgraça. Julgo que não. 

E não me parece que haja por aí muitos devotos do padroeiro dos namorados, aliás a celebração do dia de S. Valentim terá muito pouco a ver com o próprio como todos nós temos consciência. O dia dos namorados é um produto globalizado pelo marketing, apenas isso.

noivas de santo António - imagem retirada da internet
Mas já que falei nos nossos santos casamenteiros sempre lhe direi que, segundo reza a tradição e a devoção, Santo António que tem outros atributos para além de casamenteiro deve esta devoção a algumas estórias que relatam o apoio às jovens para arranjar dote para se poderem casar, e todos os relatos que, após a sua morte (no século XIII), foram sendo construídos por jovens devotas que atribuem a Santo António o seu casamento. 

Santo António é, no Brasil, um dos santos mais populares, exatamente por ser um santo casamenteiro.

Mas como é que em Portugal convivem pacificamente dois santos casamenteiros. Claro que Amarante ainda dista de Lisboa, mas não é só a geografia e a distância que permitem esta coexistência pacífica, embora, como mais adiante irei referir haja por parte das jovens mulheres de Amarante alguma contestação à influência de S. Gonçalo nos assuntos do favorecimento do casamento. 

doce fálico de Amarante - imagem retirada da internet
Pois bem a influência de Santo António está direcionada para as jovens mulheres, ao passo que S. Gonçalo de Amarante atende as preces e louvores das mulheres mais velhas.

Como resultado desta discriminação de São Gonçalo em relação à jovens mulheres da região de Amarante nasceu a seguinte quadra popular:

S. Gonçalo de Amarante/Casamenteiro das velhas/Porque não casas as novas?/Que mal te fizeram elas?

Até na diversidade estamos melhor servidos com os nossos santos do que com S. Valentim, ainda assim Santo António de Lisboa e S. Gonçalo de Amarante acabam por ser preteridos em favor do santo adotado pelo mercado e pela sociedade de consumo.

Ponta Delgada, 30 de janeiro de 2019


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