Aqui fica publicado o texto da entrevista que me foi feita, pela jornalista Helena Fagundes, para o Diário Insular.
Esta conversa com a jornalista Helena Fagundes aconteceu na sequência da apresentação, na XX edição do Outono Vivo, do meu livro "Entre Pausas - crónicas do Diário Insular (2022-2024)
Estas e outras crónicas nascem ao ritmo da vida e do tempo, das inquietações, mas também pausas que o quotidiano nos impõe.
Este livro reúne as crónicas publicadas no Diário Insular entre janeiro de 2022 e dezembro de 2024, a ordem é cronológica e inclui todos os textos publicados no intervalo de tempo referido, o que significa que não houve uma seleção, apenas uma revisão.
Os textos ora publicados foram surgindo, à semelhança de outros, de um olhar sobre o que nos cerca: o país, a região, o mundo, mas também o que nos habita, as dúvidas, as contradições, a memória. “Entre Pausas” é, por isso, um título que se explica por si, é no intervalo entre um acontecimento e outro, entre a notícia, o esquecimento, o nevoeiro informacional e as narrativas oficiais cujo propósito é a manipulação e o domínio, que procuro compreender o que realmente perdura e se aproxima mais da realidade. Estas crónicas foram escritas para o Diário Insular, o que lhes confere uma dimensão de diálogo com quem, nos Açores, lê e vive os temas que nelas se abordam.
Este livro nasce do retorno às páginas da comunicação social escrita, após um interregno de dezembro de 2019 a janeiro de 2022, e que se vai manter por mais algum tempo, não sei quanto. Será pelo tempo que o tempo me conceder de discernimento e vontade de continuar a partilhar opinião e promover a reflexão.
As crónicas reunidas no livro “Entre Pausas”, são um olhar, o meu olhar, sobre alguns dos acontecimentos que marcaram esse período, deixando sempre espaço para os leitores poderem aprofundar a reflexão sobre os assuntos abordados, mas não me coibindo de expressar a minha opinião. A proposta de leitura deste livro é, assim, como um convite para os leitores percorram estes anos de análise e pensamento crítico, num registo que considero atento, intemporal e tematicamente diverso.
2. Como assistiu ao evoluir da região, e do país, nestes anos?
Com muita preocupação, mas sem perder a esperança de que este ciclo de retrocessos tenha o seu fim em data próxima.
As alterações que se verificaram nos últimos anos intensificaram a concretização de agendas políticas, sociais e económicas que produzem a exclusão social e a pobreza, aliás bem visível ao alcance do nosso olhar. Diria que a revolução científica e técnica que se destinaria a melhorar as condições de trabalho e o bem-estar das populações, afastou-se do que seria esperado e serve, apenas, para concentrar a riqueza e aumentar as desigualdades sociais, culturais e económicas.
Os retrocessos civilizacionais que se verificaram e que estão na origem da degradação das condições de vida e trabalho, não sendo o único motivo, contribuíram para que os populismos de matriz neofascista fossem ganhando, também nos Açores, expressão e apoio eleitoral. A normalização destas forças políticas promovida pela comunicação social, mas também pelos partidos que, nas lutas de poder, se têm servido do seu apoio tácito contribuíram, igualmente, para a ascensão de organizações políticas que promovem um ideário que não se conforma aos princípios do Estado de Direito.
A degradação dos serviços públicos, opção e projeto político de quem nos governa e não uma qualquer inevitabilidade ou fatalidade, é preocupante, como preocupante é a onda privatizadora de empresas públicas. Os governos mais parecem uma central de vendas, por sinal pouco eficazes a promover e a valorizar o produto que querem transacionar, o que transforma estes processos em crimes políticos e económicos.
Mas se quem exerce o poder executivo na Região demonstra a cada dia a sua inépcia, não será menos verdade que a oposição, corporizada no PS, é um verdadeiro deserto de ideias e de projetos políticos, não diria alternativos, mas ao menos mobilizadores para garantir alternância. O que separa o PSD do PS é apenas o D que um tem no acrónimo e o outro não.
A esperança reside no ganho de alguma consciência crítica que se vai afirmando num tempo de muito desencanto e ruído informacional potenciado pelas redes sociais.
3. Há um verdadeiro debate sobre liberdade de expressão e os limites a partir dos quais a democracia começa a ficar em risco. Onde se situa nesta discussão?
A liberdade de expressão é um pilar essencial da democracia, mas não pode ser confundida com o direito à ofensa ou à manipulação. Defendo a liberdade de expressão, luto pelo direito à liberdade de expressão. Mas não podemos confundir liberdade de expressão com opinião avulsa, sem sustentação em dados e descontextualizada. A expressão da opinião tem de ter uma base informada, de conhecimento e de ética. Tem de ter consciência do seu impacto. O risco, hoje, é a banalização do discurso de ódio: o excesso de ruído, a mentira fabricada pela difusão de notícias falsas (fake news), o rancor que se disfarça de opinião. A democracia começa a ficar em risco quando o espaço público é tomado por quem confunde liberdade com impunidade. Defender a liberdade é, também, defender a verdade, o debate sério e o respeito pelo outro, diferente mas de igual dignidade.
Talvez aqueles que não fazem manchetes apelativas, mas definem o futuro: o despovoamento de algumas das nossas ilhas, mas também de algumas das nossas cidades, o envelhecimento da população, a pobreza envergonhada que cresce nos interstícios da estatística. Falta-nos falar mais de quem trabalha, e das condições em que trabalha, da precariedade e dos baixos rendimentos que contribuem para que se empobreça a trabalhar, de quem parte e de quem fica, mas também de quem nos procura para aqui viver, trabalhar e contribuir para a sustentabilidade das finanças públicas e da segurança social. Falta discutir a sustentabilidade e a coesão social, territorial, cultural e económica, ou seja, a sustentabilidade real, não a dos discursos e circunstância, mas a das pessoas e das comunidades. E falta, sobretudo, tempo. Tempo para ouvir, para compreender, para escrever com profundidade num espaço mediático recheado pelo imediatismo, que sendo uma caraterística da simplificação é sempre redutor, superficial e parcelar, o que a prazo se pode tornar nefasto.
5. Por onde caminha hoje, política e socialmente, a Região?
Não quero parecer derrotista, até por ser um otimista, mas direi que os caminhos que estamos a percorrer não agoiram nada de bom. Nenhum dos seculares problemas estruturais está, em definitivo, resolvido e podemos acrescentar alguns que decorrem da má governação regional, como seja, uma questão há qual os cidadãos, legitimamente, preocupados com garantir que dia após dia há pão na mesa para os seus filhos, pouco ou nada preocupa, mas que nos devia inquietar a todos e, estou a referir-me ao desequilíbrio das contas públicas e ao eventual colapso financeiro da Região com a subsequente necessidade de uma intervenção financeira externa, com tudo o que isso acarreta de perda de autonomia. Autonomia já fortemente cerceada pela União Europeia, há muito que não é Lisboa. O centro decisório deslocou-se para Leste e ficou ainda mais distante e, quanto a isto não há novas tecnologias que nos valham.
Continuamos a ser uma região com uma elevada taxa de pobreza, com uma elevada iliteracia funcional, com elevada precariedade laboral e baixos rendimentos do trabalho, abandono e insucesso escolar elevado, com grandes assimetrias no desenvolvimento.
A economia regional continua a insistir na monocultura, agora o Turismo, o que nos torna dependentes e muito permeáveis a contextos externos que não podemos controlar. Todos nos lembramos do período de confinamento em 2020 e dos tempos que se lhe seguiram.
Diria que este Governo regional, reconhecendo-lhe legitimidade democrática, é uma manta de retalhos e de capelinhas, o que o transforma, não por isso, mas também por isso, no pior governo da história da Autonomia Constitucional. Sem grande esforço podemos encontrar nos governos do PSD, presididos por Mota Amaral, aspetos positivos na governação, o mesmo se verifica com os governos do PS, quer de Carlos César, quer de Vasco Cordeiro, o mesmo não se apura com os governos de José Manuel Bolieiro. Sim, eu sei. As tarifas aéreas reduzidas nas viagens interilhas, sim é verdade, mas há custa do transporte marítimo sazonal que, não sendo a melhor solução, permitia uma mobilidade que o transporte aéreo só por si não assegura numa região arquipelágica como é a nossa.
A política regional vive um tempo de incerteza sobre a qual pendem alguns perigos, poder-se-á dizer que, em parte, é um reflexo do que se passa no país e na União Europeia, mas a dispersão partidária que suporta o atual Governo regional e a crescente desconfiança dos cidadãos são alguns dos sintomas de algo mais profundo, como seja, a crise de representação e de sentido coletivo. A coesão, principal desígnio autonómico, não está garantida e precisa de de ser cuidada, alimentada pela justiça social, pela educação e por políticas que coloquem as pessoas, e não os interesses privados (políticos e empresariais), no centro das decisões.
Esta entrevista foi também publicada em inglês, numa tradução de Diniz Borges, na revista "Filamentos" e que pode ser acedida aqui.



