terça-feira, 2 de novembro de 2010

Em 2004

O hábito de guardar revistas e jornais perdi-o à velocidade com que a internet se foi substituindo ao suporte físico dos documentos e disponibilizando informação de arquivo. Um destes dias na limpeza do antigo “arquivo” feita com o intuito de conseguir mais espaço e uma gestão mais adequada do que vou guardando deparei com um título que fazia a capa de uma revista de informação generalista, publicada em Setembro de 2004 mas, de uma actualidade pungente – “Ataque à classe média”. O subtítulo explicava no que consistia essa investida – “Na saúde, educação, transportes, combustíveis, benefícios fiscais… As famílias portuguesas são cada vez mais sacrificadas.”
Folheei, a dita revista, e alguns dos textos de informação e opinião podiam muito bem ser publicados em Outubro e Novembro de 2010 que ninguém daria pelo facto, tais são as semelhanças nos argumentos, prós e contras, para debelar a situação económica e financeira que na altura se vivia e que na actualidade se mantém. A diferença reside no facto de em 2004 o governo ser da responsabilidade do PSD e, em 2010 essa responsabilidade caber ao PS, se é que se pode considerar esse facto como uma desconformidade.
A proletarização dos trabalhadores – do sector privado e do sector público - com o consequente empobrecimento da generalidade das famílias é um processo que vem de longe e, é bom que o recordemos, trata-se de um procedimento que tem sido conduzido alternadamente pelo PSD e pelo PS, partidos que com ou sem o CDS/PP tem vindo a governar Portugal há 34 anos com os resultados que estão à vista de todos: endividamento e dependência externa crescentes, desmantelamento do sector produtivo e terciarização da economia, transferência de competências do Estado para entidades públicas de direito privado, entidades reguladoras, estabelecimento de parcerias público privadas, privatização dos sectores sociais, isto tudo em nome da modernização, da competitividade e da globalização dos mercados, ou seja, de conceitos míticos fabricados e postos em prática desde o início da década de 70 do século XX e que visam tão-somente a redução dos Estados ao mínimo essencial, sendo que esse modelo de Estado básico serviria apenas como moderador social das bizarrias do mercado e se limitaria a actuar politicamente em áreas como a defesa, a justiça, a segurança interna, as finanças e as relações externas e, ainda assim com algumas franjas destas competências entregues ao sector privado.
O resultado disto está há vista de todos. O país está a braços com um grave problema que, sendo financeiro, é sobretudo económico. Porém as soluções são retiradas do antigo cardápio: redução da despesa pública à custa dos salários, do congelamento das pensões e das prestações sociais, aumento da receita por via do aumento da tributação fiscal sobre o consumo (IVA) e sobre os rendimentos (IRS).
De fora ficam as soluções que, certamente, podem e devem reduzir a despesa e aumentar a receita, diminuindo no acessório e tributando quem deveria ser colectado, soluções que passem pela revitalização da economia nacional, designadamente pelos sectores produtivo e da transformação, reduzindo a dependência externa e produzindo riqueza o que, naturalmente aumentaria a receita pública.
Julgo que ninguém tem dúvidas que uma economia forte está menos exposta às conjunturas externas desfavoráveis e logo menos permeável à especulação financeira.
Ponta Delgada, 01 de Novembro de 2010
Aníbal C. Pires, In A União, 02 de Novembro de 2010, Angra do Heroísmo

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