segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Dizem que foram mais de 300 mil

O descontentamento tem crescido mas, porque ainda reina muita resignação, o objetivo não era fácil, diria mesmo que era ambicioso. No Terreiro cabe lá muita gente mas o Terreiro encheu de povo. Dizem que foram mais de 300 mil as vozes de protesto que se fizeram ouvir. E aqueles portugueses, diz-se que foram mais de 300 mil, não me pareceram piegas como o primeiro-ministro resolveu apelidar este povo, nem subservientes como o ministro Gaspar, curvado perante o seu homólogo alemão.
Foram mais de 300 mil vozes a exigir respeito por Portugal, foram mais de 300 mil vozes a exigir que se ponha cobro à agressão estrangeira, foram mais de 300 mil vozes a exigir a soberania e a independência de Portugal. Sim, é de soberania e de independência nacional que se trata, aliás a expressão de que Portugal é um protetorado tem sido utilizada por algumas personalidades que não foram ao Terreiro, nem têm nenhuma particular simpatia pela luta de massas.
O momento histórico que estamos a viver e as lutas que se estão a travar são em defesa das conquistas civilizacionais que sofreram nos últimos anos um retrocesso que nos transporta para qualquer coisa semelhante à servidão, realidades do passado apresentadas agora como uma solução da pós-modernidade, mas estas lutas são-no, também, pela soberania nacional. A luta é um imperativo patriótico.
O processo de construção da União Europeia fracassou. O seu fracasso fica dever-se, desde logo, ao afastamento dos povos dos processos decisórios e à vontade de um poder oculto – corporações e oligopólios financeiros – cujos rostos mais visíveis se constituem como uma dupla maravilha – a “Bola de Berlim” e o “Meia Leca de Paris”. Não será a linguagem mais apropriada para me referir a Angela Merkcl e a Nicolas Sarkozy mas, se estas duas personalidades se permitem tecer as mais inusitadas considerações sobre os portugueses e Portugal, então arrogo-me no direito de os caricaturar como muito bem me apetecer.
Não é novidade pois já todos devem ter percebido mas vale a pena recordar que a União Europeia tem uma Presidência, uma Comissão e um Parlamento. Se a Presidência por ser rotativa e simbólica não se faz ouvir, já a Comissão e, desde logo o seu Presidente, o português Durão Barroso, tem-se apagado face à intervenção da dupla maravilha e só se pronuncia depois das cimeiras do eixo franco-alemão e, quando o faz diz: amém, que sim que tem de ser; quanto ao Parlamento, o único órgão da União Europeia eleito, tem poderes limitados e a sua composição é o reflexo político dos interesses do tal poder oculto a que já me referi. Tudo isto para recordar o que todos já percebemos a dupla maravilha já dispensou o seu porta-voz e agora são os próprios, em comunicação bilingue, a anunciar as decisões da União Europeia.
E, é este poder oculto mas com rostos nos Governos, na Comissão Europeia, nos parlamentos europeu, nacional e regional, que corrói e corrompe a democracia. É este poder oculto que nos priva da capacidade de decidir sobre o nosso próprio futuro. É este poder oculto que não quer a participação dos povos nos processos decisórios.
É este poder oculto que nos quer subtrair a dignidade e que tudo quer privatizar. Quando digo tudo privatizar é, mesmo tudo como se passou na Bolívia, antes de Evo Morales chegar ao poder, onde até a água da chuva foi privatizada, ou seja, os cidadãos tinham de pagar pela água da chuva que recolhiam. Parece mentira. Pois, mas não é, nem mentira, nem nenhuma brincadeira de mau gosto, nem propaganda anticapitalista é, tão-somente um facto que diz bem do que estamos a falar.
Foi em defesa das conquistas civilizacionais, foi em defesa da dignidade humana mas foi, também, contra as privatizações que mais de 300 mil portugueses encheram o Terreiro que naquela tarde foi do Povo.
Horta, 12 de fevereiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário, 13 de fevereiro de 2012, Ponta Delgada

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