segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Manda o bom senso

O bom senso manda, e a economia também o devia fazer, que as atividades económicas sejam desenhadas garantindo a sua sustentabilidade. Os modelos de desenvolvimento económico de algumas escolas fundam-se apenas no crescimento e maximização do lucro, sem terem em consideração os necessários equilíbrios que garantam a sua sustentabilidade. Tudo isto - está bom de ver - em nome do livre mercado, da competitividade e da globalização.
A riqueza e excelência do património natural dos Açores é o recurso mais importante com que podemos contar para o desenvolvimento sustentável do nosso arquipélago. Em terra e no mar a natureza bafejou-nos, saibamos nós preservar, valorizar e potenciar esta bênção, à qual acrescento um singular e rico património cultural (imaterial e material) de 5 séculos de vivência insular e telúrica.
A natureza, a qualidade ambiental, a paisagem humanizada e o património cultural são os melhores atributos para um modelo de turismo sustentável na Região. Qualquer tentativa de acrescentar, artificialmente, mais acessórios ao destino Açores só poderá contribuir para que a sua excelência e singularidade se arruínem.
O turismo nos Açores, setor económico que a partir de 2000 ganhou estatuto de estratégico, foi desde os primórdios enformado por princípios que mereceram fortes críticas de diferentes áreas políticas, sociais e económicas. Reservas que não foram devidamente atendidas pelos responsáveis políticos, responsáveis que hoje se confrontam (embora os protagonistas tenham mudado) com as dificuldades próprias de um setor exposto à volatilidade das conjunturas externas desfavoráveis mas, também dificuldades decorrentes do modelo traçado para o setor.
As unidades hoteleiras sobredimensionadas proliferaram como cogumelos no Outono, o jogo de casino e o golfe foram apresentados como as âncoras do modelo. É claro que não é de todo alheia, a estes tiques de novo-riquismo, a ilusão dos fundos europeus. Que bom que é (foi) investir do próprio 15, 20, 25 ou mesmo 30% e o resto fica(va) por conta dos apoios europeus a fundo perdido. Só que o fundo não era perdido e, como já todos percebemos, estamos agora a iniciar o processo de pagamento da fatura por se terem utilizado a torto e a direito os fundos estruturais e de coesão. Bem vistas as coisas por conta dos apoios europeus fez-se o necessário e, fez-se o acessório, endividou-se o Estado, as Regiões e os Municípios e a dívida pública cresceu, cresceu...
Cresceu a dívida pública por conta do acessório porque o essencial para desenvolver o turismo na Região está, ainda, por fazer – garantir as acessibilidades.
Garantir as acessibilidades internas e externas adequando o modelo de transportes à nossa realidade insular e arquipelágica, ou seja, com uma forte complementaridade entre o transporte aéreo e o transporte marítimo. Garantir a acessibilidade dos cidadãos ao transporte por via da prática de um tarifário que promova a sua mobilidade.
A oferta hoteleira está sobredimensionada e desequilibrada, excessiva em algumas ilhas e deficitária noutras e, as âncoras do setor mais parecem ultra leves. O golfe falido em S. Miguel e a desaconselhar outras promessas de investimento, o jogo não passaria de uma miragem não fosse aquele edifício abandonado na marginal de Ponta Delgada a lembrar-nos que se destina a albergar um casino e, à falta deles, mais um hotel.
Manda o bom senso e, quiçá, a ciência económica que se reveja o modelo de turismo nos Açores.
Ponta Delgada, 05 de fevereiro de 2012

Aníbal C. Pires, In Jornal Diário, 06 de fevereiro de 2012, Ponta Delgada

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