segunda-feira, 1 de abril de 2013

Uma questão de línguas


Li, há poucos minutos, uma notícia publicada nas redes sociais que, só podendo ser uma brincadeira de mau gosto, me deixou perplexo. Não vou reproduzir a notícia, fico-me apenas pelo título. Rezava assim: “Dilma aceita sugestão de Obama para fazer o inglês se tornar a língua oficial do Brasil”. Verifiquei a data, a publicação é antiga, Setembro de 2012, nem sequer coincide com o dia das mentiras, hoje sim, o dia da publicação deste texto é dia das mentiras, mera coincidência asseguro-vos, não vão pensar que se trata de uma brincadeira do autor.
A notícia para além de atónito deixou-me irritado, desde logo porque sendo uma notícia com já alguns meses, não tinha dado conta da sua publicação e, depois, Bem, e depois deixou-me profundamente preocupado. Mais do que a minha irritação e perplexidade quero partilhar convosco os motivos da minha preocupação, a confirmar-se a notícia desta opção de Dilma Rousseff, perante os efeitos que poderá causar no património do mundo lusófono.
Como se sabe, em Timor e Moçambique não faltam vozes e movimentos a quererem que o inglês seja adotado como língua oficial, sendo que em Timor o inglês, a Constituição timorense assim o consagra, é uma língua de trabalho e, Moçambique é membro, desde 1995, da Commonwealth. Agora é do Brasil que chega esta notícia.
Não tenho dúvidas da utilidade e das mais-valias, mais para os cidadãos que para os povos, que o bilinguismo pode potenciar e, no caso de o inglês ser a segunda língua essas vantagens são por demais evidentes. Mas daí a consagrar uma segunda língua, cultural e historicamente estranha, como língua oficial, tenho as minhas dúvidas e julgo que a língua materna viria, a prazo, a ser profundamente prejudicada com tal opção.
Posso perceber, compreendo sem fazer nenhum esforço, quer as opções de Timor, quer as opções de Moçambique, basta atentar ao contexto geográfico, político e económico em que esses dois países, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), se inserem para compreender, o mesmo não poderei dizer no caso de o Brasil vir a adotar o inglês como língua oficial em detrimento do português.
À medida que ia evoluindo no texto a pergunta tomou forma e não posso deixar de a colocar. Que importância dá Portugal à língua dos mais 240 milhões de lusófonos espalhados pelo Mundo, o que é, e para que serve a CPLP? 
Afinal era mais do que uma pergunta mas julgo que, qualquer delas, pertinentes, pelo menos para mim são duma atinência lancinante, tendo até em consideração o momento cinzento que se vive em Portugal e que, em boa parte, resulta de um eurocentrismo acrítico e do desperdício do acervo de conhecimento, em vários domínios das ciências – agricultura, geografia, medicina, etc. -, que Portugal acumulou durante o período da colonização e da história comum que durante vários séculos partilhámos com os povos dos países da CPLP.
Para as perguntas que fiz há certamente várias respostas, conforme o ponto de vista do observador. Eu também tenho a minha opinião e não é nada favorável à estratégia de Portugal, direi mesmo que Portugal se tem dado ao luxo de desperdiçar um dos seus maiores ativos, o português é só a sexta língua mais falada do Mundo, o inglês ocupa o quarto lugar. Quanto à CPLP a sua existência é mais do que justificada, contudo não passa de uma mera organização formal, já a sua ineficácia é intolerável face ao que poderia e deveria potenciar.
Ponta Delgada, 31 de Março de 2013

Aníbal C. Pires, In Expresso das Nove, 01 de Abril de 2013, Ponta Delgada

Sem comentários: