terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Programa do XIII governo – “Autonomia” ou, das proclamações populistas e dos recuos

O “Compromisso com os Açores”, assim é designado o programa do XIII governo regional. É um documento que, como já referi em registos anteriores, mais não passa do que um enunciado de intenções e pouco mais. É possível encontrar algumas propostas concretas, mas todas elas se caraterizam por serem respostas que traduzem proclamações eleitorais ou visões unipessoais, como é o caso das finanças (redução de impostos) e da educação, sendo que no último caso, algumas das propostas nem sequer foram objeto de discussão durante a campanha eleitoral, refiro-me, por exemplo ao ensino bilingue (aulas em português e em inglês). Sobre estas e outras as opções programáticas e ideológicas vertidas no programa de governo virei, a seu tempo, com mais considerações, mas por hoje vou apenas centrar a minha atenção ao seu primeiro capítulo: “Autonomia”.

As propostas de reforma da autonomia provocam, quase sempre, apaixonadas, demagógicas e populistas discussões o que levanta algumas dificuldades para discutir o assunto com alguma racionalidade.

A autonomia constitucional é um processo dinâmico de aperfeiçoamento, desde logo no seu uso pelos órgãos de governo próprio. Nem sempre os órgãos de governo próprio exercem todas as competências que estão consagradas constitucionalmente, nem as opções políticas que nos mantêm na cauda das regiões mais pobres do País e da União Europeia resultam diretamente de estrangulamentos constitucionais e estatutários.

Vejamos então o que propõe o XIII Governo Regional para aquilo a que designa de “Autonomia de Concretização” e de Autonomia de Responsabilização”:     

“(…) o Governo reconhece a necessidade de desenvolver e aprofundar a Autonomia, desde logo, nos seguintes aspetos:

• Revisão Constitucional, contemplando a clarificação e ampliação das competências legislativas regionais, uma adequada repartição de competências entre o Estado e as Regiões Autónomas quanto ao domínio público marítimo, a designação de um juiz para o Tribunal Constitucional por cada Região Autónoma e o fim da proibição da existência de partidos regionais;

• Revisão do Estatuto Político-Administrativo em consequência da revisão constitucional;

• Revisão das leis eleitorais, contemplando a redução do número de Deputados à Assembleia Legislativa, estudando a limitação dos seus mandatos, e a criação de um círculo eleitoral próprio no âmbito da eleição dos Deputados ao Parlamento Europeu.

• Alteração da lei que estabelece o regime do estado de sítio e do estado de emergência, atribuindo à Região competência para a sua execução no território regional.

• Aprovação de uma lei, no quadro da emergência sanitária, que clarifique as competências das autoridades de saúde regionais na prevenção e resposta à situação de pandemia. (…)

Pois é! Muito aquém do que foi dito em campanha eleitoral. Mas não tem importância a amnésia coletiva e a impunidade política e eleitoral tudo branqueiam.

Não me vou referir ao que não consta. Quanto ao que é proposto é bom que se diga que nenhuma das medidas propostas, se vierem a ser concretizadas, contribuirá para resolver os problemas sociais e económicos que mais nos afligem e que o próprio governo, em certa medida, reconhece e, para as quais, apresenta propostas de resolução.

Vejamos:

Todas as medidas propostas para a reforma da autonomia (com exceção das leis eleitorais, mas dentro dos limites constitucionais), só se podem concretizar no quadro de uma revisão constitucional. Revisão sem data marcada e, mesmo que venha a acontecer durante a vigência deste governo regional, a necessitar de apoio político e parlamentar qualificado dos partidos representados na Assembleia da República (AR) pois, como se sabe, é à AR que compete a revisão constitucional. Mas esqueçamos os aspetos formais e procuremos verificar que vantagens podem advir para a Região com o que é proposto. A eficácia das medidas propostas resolverá, por exemplo: a crónica dependência económica da Região; o elevado insucesso e abandono escolar; o elevado risco de pobreza; diminuirá o número de cidadãos que empobrece a trabalhar; ou, as assimetrias regionais e mesmo dentro da própria ilha (S. Miguel). Não me parece.

Quanto às leis eleitorais direi que para diminuir o número de deputados terá de se abdicar ou do círculo de compensação e, se assim for, é necessário encontrar uma forma de evitar a desproporcionalidade eleitoral, ou então acabar com os círculos eleitorais de ilha e garantir a proporcionalidade direta com a sua substituição por um único círculo eleitoral. Quer uma, quer outra solução, como se constata, têm subjacentes perigos reais para a democracia açoriana.

Quanto à existência de círculos eleitorais uninominais, em minha opinião não são desejáveis, mas que fique claro que isso só é possível após uma revisão constitucional que acabe com a sua proibição. Quanto aos partidos regionais atente-se à experiência e ao histórico do PDA e, facilmente se percebe, que o caminho, podendo ser, não é por aí. Por fim o círculo açoriano ao Parlamento Europeu que tantos apoios colhe é mais uma das falácias alimentadas, quer pelo PSD quer pelo PS, isto é, os deputados eleitos para o PE integram-se nas suas famílias políticas europeias e seguem com fidelidade canina as suas diretrizes políticas. Orientações que como sabemos servem o diretório político e financeiro da UE das quais não fazem parte os Açores. Esta é uma das tais propostas para alimentar o populismo.

Neste primeiro capítulo nada de novo. O XIII Governo Regional à semelhança do anterior dedica-se, no que à autonomia diz respeito, à demagogia e ao populismo escudando-se na necessidade da “reforma da autonomia” para justificar as dificuldades que o Povo açoriano vai continuar a sentir. Outros escudos estão preparados como seja a pandemia e, sobretudo, a pesada herança que receberam do longo período de governação do PS.


O novo ciclo político nos Açores a que o XIII Governo Regional chama de Autonomia de Concretização e de Responsabilização inicia-se sem garantia de realização, pois, as medidas propostas no capítulo “Autonomia” dependem de vontades e decisões externas. Ou seja, o XIII Governo Regional abre o seu programa a “sacudir a água do capote”.

Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 8 de Dezembro 2020



  


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