Na quinta-feira do Santo Cristo que coincide, segundo o calendário católico, com dia da Ascensão de Jesus Cristo ao Céu, também celebrada no Centro e Sul do território continental como o “Dia da Espiga”, ritual pagão que exalta a renovação da vida e a prosperidade. Esta quinta-feira que, em 2010, ocorreu no dia 13 de Maio, fica assinalada com o anúncio público do Plano de Austeridade (PA), plano que reforça um outro recentemente anunciado, o Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC).
A data tem a sua importância, não por ser Dia da Espiga, não por ser quinta feira do Senhor Santo Cristo, não por ser Dia da Ascensão, não por ser dia de aniversário das aparições em Fátima mas, por tudo isso e, sobretudo por estar a decorrer a visita de Bento XVI ao nosso país e todas as atenções estarem, naturalmente, focadas na visita papal. Quando o país sair do estado de êxtase que viveu durante a visita do sucessor de Pedro e voltar à realidade e se aperceber que a vida, subitamente, ficou ainda mais dura, que o custo de vida subiu, que o salário diminuiu, veremos como este povo de brandos costumes reage a mais esta ofensiva protagonizada pelo PS e pelo PSD a mando do capital. Veremos qual será a resposta dos trabalhadores e do povo português a mais esta ignomínia que renova velhas receitas e impõe novos sacrifícios a um já sofrido povo.
As medidas anunciadas contrariam tudo aquilo que há menos de um mês foi dito e redito pelos protagonistas do pacto rosa-alaranjado que está na origem do PA. José Sócrates e Passos Coelho garantiram que não haveria aumento de impostos, talvez por isso, depois do anúncio do PA o líder do PSD pediu desculpa ao país (só quando erramos pedimos desculpa) e o primeiro-ministro, com o despudor que lhe é conhecido, considerou que os portugueses vão compreender e aceitar mais estes sacrifícios porque, como é natural, a razão lhe assiste em absoluto e não havia outro caminho senão este.
Não é necessário recorrer ao baú da memória ou aos arquivos históricos para recordar que a última década foi de sacrifícios para os trabalhadores, para as famílias, para os jovens, para os reformados e pensionistas, não é necessário fazer nenhum esforço retrospectivo para lembrar que na última década os sacrifícios que foram pedidos aos portugueses se traduziram no aumento das desigualdades, da pobreza e da exclusão e que, à custa disso, o sector financeiro e dos seguros tiveram lucros escandalosos e que à custa da paulatina destruição da economia produtiva e da sua substituição por uma economia terciarizada Portugal tem uma economia cada vez mais dependente e frágil e, por isso, permeável à especulação financeira promovida pela corja das agências de rating.
Não deixa de ser sintomático que alguns economistas falem hoje na re-industrialização do país e do regresso à actividade agrícola, assumindo a “mea culpa” pelos erros cometidos e aproximando-se das posições daqueles que têm defendido que a crise só se combate com um modelo de desenvolvimento económico ancorado num forte sector produtivo e transformador. Depois… Bem depois há aqueles outros especialistas como, por exemplo, o Presidente da Câmara de Comércio Indústria de Ponta Delgada que vê na emigração uma solução, neste caso particular para os açorianos, o que não é de todo uma novidade pois, no final do ano de 2009 Horácio Roque, presidente do BANIF, aconselhava o mesmo a todos os portugueses. É lamentável que 36 anos passados sobre a Revolução de Abril este país não tenha mais para oferecer aos seus filhos do que ir atrás do sonho para lá dos confins do horizonte.
Julgo que está hoje claro que a responsabilidade directa pela situação de profunda crise é do capital. O capital sem rosto e sem nome que manipula os mercados financeiros sem atender a outro objectivo que não seja o do lucro fácil e chorudo, sem se preocupar com os efeitos que a sua gula produz na vida dos cidadãos, das pequenas e médias empresas e dos povos mas, a responsabilidade tem de ser assacada, também, a quem se deixou submeter às regras do capital e dos especuladores e ao longo de décadas foi vendendo a soberania nacional a troco dos apoios comunitários que, como está a visto, estamos a pagar por um elevado preço e com juros incomportáveis.
O acordo firmado entre José Sócrates e Passos Coelho e que deu origem ao PA comprova que o PSD e o PS não se constituem como alternativas de poder pois, no essencial, estão de acordo e subscrevem o mesmo projecto político, aliás como bastas vezes o tenho afirmado. O PS e o PSD são partidos de alterne ao serviço do grande capital e constituem um centrão político redutor e de bloqueio a processos políticos de ruptura e transformação.
Aníbal C. Pires, IN A UNIÃO, Angra do Heroísmo, 18 de Maio de 2010
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