Não é a primeira e, certamente, não será a última que trago aos leitores o retrato da injustiça, da impunidade, da desigualdade e de diferentes e ”modernas” formas de exploração de quem trabalha por conta de outrem.
Mas desta vez será talvez o exemplo mais claro de até onde vai o elevado grau de displicência do Governo e regional face ao absoluto desrespeito pelas mais básicas normas do direito português. É um caso, poderão dizer. Mas é com certeza um caso paradigmático da forma como os trabalhadores são tratados nesta Região e da tranquila impunidade dos que, sob o disfarce da linguagem moderna da “flexibilidade”, procuram fazer recuar as relações laborais para os tempos da escravatura e da servidão.
Refiro-me ao caso da empresa multinacional de prestação de serviços de apoio domiciliário a idosos “Home Instead – Senior Care”. É que esta empresa, cavalgando a crista da onda da modernidade na gestão dos recursos humanos, já não tem quaisquer trabalhadores. Tem antes colaboradores. E em vez de com eles estabelecer contratos de trabalho, estabelece com eles “acordos de prestação de serviços não laborais”.
Passando ao lado criatividade jurídica do termo, é interessante tentar perceber o alcance do conceito e esclarecer, afinal, em que é consistem estes “serviços não laborais”.
A empresa exige ao prestador de serviços a recibo verde que execute as tarefas relacionadas com o apoio domiciliário dos idosos mas, uma vez que não tem horário de trabalho, se mantenha disponível a qualquer hora. Para além disso, e apesar de ser do ponto de vista formal, um trabalhador independente, o “colaborador” está impedido de prestar os seus serviços a qualquer outra entidade. A remuneração é apenas calculada na base horária ou à tarefa, sem quaisquer garantias sobre o salário a auferir mensalmente. Para finalizar, a amarga ironia, da empresa considera “uma benesse dada aos colaboradores” o pagamento do seguro de acidentes de trabalho, a que está legalmente obrigada. Resta dizer que este regime de moderna escravaturao, não é aplicado a um ou dois dos trabalhadores da empresa, mas sim a todos os auxiliares de apoio domiciliário que, supostamente, nem trabalham para a empresa, porque não existe contrato de trabalho. Estamos, de facto, perante uma nova fronteira em termos de exploração e precariedade.
Mas a questão é muito mais grave e assume uma maior dimensão política quando se sabe que esta empresa é apoiada pelo próprio Governo Regional, que lhe financia a 100% os utentes indicados pelo Instituto de Acção Social e a 75% os clientes privados que a própria entidade conseguir captar. A verdade os apoios e incentivos dados às empresas privadas, em vez de servirem para construir uma Região mais desenvolvida e justa, servem apenas para financiar a exploração. A verdade é que somos nós todos, contribuintes, que custeamos esta ilegalidade!
A este facto poderia juntar outros mas fico-me pelo caso da Asta Atlântida que tem vindo a ser beneficiada por avultados apoios públicos mas de forma continuada tem vindo a violar as suas obrigações para com os trabalhadores que, até há bem pouco tempo, ainda não receberam o vencimento relativo ao mês de Junho e recentemente decidiu agora suspender-lhes os contratos de trabalho.
Perante isto a pergunta que se impõe é: Onde foram parar os 20 séculos de evolução social depois que um homem de seu nome Jesus Cristo expulsou os fariseus do templo.
Aníbal C. Pires, In A União,16 de Julho de 2010, Angra do Heroísmo
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