Quando me sento para escrever sem que tenha já algumas anotações ou, pelo menos um tema sobre o qual possua já alguma reflexão esta folha, branca e vazia aterroriza-me. Sempre foi assim, mesmo quando as folhas tinham linhas ou quadrículas e a professora primária exigia, para o dia seguinte uma redacção sobre um tema à escolha, com pelo menos 10 linhas. O imaginário infantil é fértil e escrever 10 linhas não seria uma tarefa difícil mas aquela obrigação afigurava-se como uma tortura pois, nem sempre aquilo que escrevia merecia aprovação, ora por não ter respeitado as regras da arte de bem escrever a língua materna, ora porque o conteúdo não era o mais apropriado mas, o maior suplício advinha principalmente do imenso tempo que era subtraído à tarde de brincadeira que me esperava. O berlinde, o pião, o arco, as escondidas, o prego, uma escapadela até à ribeira dependendo da época do ano, Sim porque havia brincadeiras apropriadas a cada estação e, mormente, dispúnhamos de tempo para brincar livremente sem a omnipresença de um adulto castrador.
Por vezes preocupa-me que na organização da vida das nossas crianças não esteja contemplado algum tempo para que possam brincar, fora do monitor do computador, da consola dos jogos de vídeo, do telemóvel, da televisão, únicos momentos em que, porventura estão a desenvolver uma actividade lúdica sem o controle de um adulto responsável. Na verdade todo o tempo das nossas crianças é planificado em actividades organizadas e controladas por adultos que tudo decidem e resolvem, tenho dúvidas, muitas dúvidas que isso seja bom para o desenvolvimento e formação integral das crianças. As dúvidas são mesmo minhas e comigo ficam pois quem administra a educação na Região e no País parece que não as tem, uma vez que a grande preocupação tem sido garantir que as crianças e os jovens nunca estejam sozinhas, ainda que sem nenhum objectivo de ordem didáctico ou pedagógico.
Que bons que eram os tempos em que se aprendia e se brincava aprendendo o que só se pode aprender brincando. Hoje deu-me para a nostalgia. Isto passa-me, com o fim de Agosto voltarei ao presente, com os olhos no futuro.
Ainda tenho terror da folha branca e vazia, já não se relaciona com o tempo gasto a enchê-la de caracteres, a utilização do tempo nesta actividade tornou-se prazerosa, o terror agora advém, sobretudo da forma e do conteúdo considerando sempre que os textos já não são simples redacções construídas para ir de encontro aos desejos da professora mas se dirigem a um público heterogéneo e mais exigente do que quem me iniciou na escrita. Um público ao qual procuro dar espaço e tempo de reflexão, nem sempre o consigo, tenho consciência que às vezes não deixo seara por ceifar mas, garanto aos leitores que tenho sempre presente que o mais importante é questionar e deixar lugar para a reflexão individual do que veicular ideias feitas.
Aníbal C. Pires, In A União, 13 de Agosto de 2010, Angra do Heroísmo
1 comentário:
Os seus textos conseguem, sem dúvida, pôr o leitor a pensar. Quanto ao terror da folha em branco,não se preocupe, porque acontece aos melhores :D
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