sábado, 28 de agosto de 2010

Não se passa nada

Li hoje um texto numa revista de referência, seja lá isso o que for, que o Verão tinha passado sem que nada se passasse, a não ser claro os terríveis incêndios que costumeiramente assolam o Verão continental, imagino a dificuldade que as televisões e os jornais teriam para abrir e fechar as suas edições informativas não fossem os cenários dantescos, a incapacidade e insuficiências, repetidos ano após ano, dos meios operacionais no terreno em debelar as chamas a crepitar cada vez mais próximo das habitações. Sobre os incêndios florestais muito haveria para dizer para além do que habitualmente ouvimos mas, para quê falar de política florestal, de prevenção, de uso e ordenamento do território, de desertificação do interior, de coesão territorial, etc. etc., se isso nada tem a ver com o défice, nem com a crise, nem com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, nem com competitividade da economia nacional, aliás os incêndios florestais estão globalizados nem a grande Rússia escapou. As alterações climáticas, o aquecimento global e os incendiários: negligentes e patológicos; constituem-se como razões mais do que suficientes para justificar tanto e tanto incêndio, para quê vir com politiquices como se os governos fossem responsáveis por mais este tormento e, quanto à incapacidade e insuficiências dos meios… Bem, só são incapazes e insuficientes devido à dimensão e proliferação dos incêndios e este problema, como é bom de ver, está em vias de resolução, é uma questão de tempo, daqui a alguns anos difícil será haver incêndios florestais devido à escassez de matas nacionais, entretanto consumidas ano após ano, o que pode originar uma crise no sector da comunicação social por, então sim, o Verão passar sem que nada se passe digno de abrir os telejornais e de fazer as manchetes de primeira página, a não ser o vazio informativo. Sim porque o que não passa nos jornais e na televisão é como se não tivesse acontecido, mesmo tendo ocorrido, como ocorreram, outros flagelos, mas também, outros eventos menos tormentosos, talvez por isso menos mediáticos, uns porque só interessa deles ter consciência em data posterior, para não estragar as férias aos portugueses, os segundos porque os editores, essas eminências pardas, não são do interesse público. Eu diria que não são do interesse do dono, seja ele o estado, seja a corporação mediática a que servem. Valha-nos a internet e tudo o que ela proporcionou em termos de liberdade de expressão e circulação de informação.
Será que o Verão passou mesmo sem que nada se passasse de interesse para os portugueses? Sabem que estou com alguma dificuldade em encontrar alguma coisa digna de registo, afinal o tal senhor é capaz de ter razão.
Vejamos o Presidente da República interrompeu as férias para ir ver os incêndios, o mesmo fez o Primeiro-ministro e ambos gostaram do que viram, constataram que a eficácia no combate aos incêndios melhorou. E eu constato que estou novamente a falar de incêndios. Os dados do Instituto Nacional de Estatística sobre o emprego revelam que o desemprego em Portugal, segundo trimestre de 2010, é de 10,6%, cerca de 600 mil cidadãos que estão privados de um direito básico, e também li que o salário médio, em Portugal, é de 777 euros e, que o Ministro da Defesa anunciou que iria enviar “espiões”para o Afeganistão e para o Líbano, assisti à entrega provisória do primeiro de dois submarinos que farão a glória da armada portuguesa e soube que os quatro maiores bancos privados portugueses, BES, BCP, BPI e Santander Totta, no primeiro semestre de 2010, tiveram lucros de 4,7 milhões de euros por dia, sim por dia, não é engano, é por dia.
Outros acontecimentos mereceram ser notícia mas o seu impacto só será conhecido mais tarde, lá para Outubro quando se discutir o Orçamento Geral do Estado e, sentido quando se fizerem as declarações anuais do IRS em 2011, a crise também foi notícia e essa há muito tempo sentimos embora teimem em nos dizer que são “dores” passageiras e evitem falar delas, os editores e os governos.
Aníbal C. Pires, In A UNIÃO, 27 de Agosto de 2010, Angra do Heroísmo

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